A temática da interculturalidade tem sido uma preocupação corrente das organizações internacionais, de tal modo que, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em 2001, publicou o Relatório Mundial da UNESCO: investir na diversidade cultural e no diálogo intercultural, com objetivo de analisar a diversidade cultural em todas as suas facetas; mostrar a importância da diversidade cultural nos diferentes domínios de intervenção (línguas, educação, comunicação e criatividade) e convencer os gestores públicos e as diferentes partes intervenientes sobre a importância em investir na diversidade cultural como dimensão essencial do diálogo intercultural.
Acompanhando o exemplo, o Conselho da International Federation of Library Associations (IFLA) aprovou em agosto de 2006, o Multicultural Library Manifesto, que em 2008, foi endossado pelo Conselho Intergovernamental de Informação para Todos – IFAP, da UNESCO. O documento integra a coleção de diretrizes que norteiam as bibliotecas em todo o mundo e completa o Manifesto da IFLA / UNESCO sobre Biblioteca Pública, o Manifesto IFLA/UNESCO da Biblioteca Escolar e o Manifesto sobre Internet da IFLA.
No referido documento, a diversidade cultural, sinônimo de multiculturalismo, é definida como a coexistência e interação harmoniosa de diferentes culturas. O documento atribui que todos os tipos de bibliotecas devem: “[…] refletir, apoiar e promover a diversidade cultural e linguística a nível local, nacional e internacional, e, portanto, trabalhar para o diálogo intercultural e a cidadania ativa”.
Por uma biblioteca multicultural
Dentre as missões atribuídas à biblioteca multicultural, estabelecidas pela IFLA destaca-se: incentivar e respeitar a língua materna; salvaguardar o patrimônio linguístico e cultural; dar suporte para a criação de expressão e difusão em todas as línguas e apoiar o intercâmbio de conhecimento e as melhores práticas em relação ao pluralismo cultural.
Refletindo a preocupação com a temática, a Seção Library Services to Multicultural Populations, da IFLA, em 2009, publicou a terceira edição do Multicultural Communities: Guidelines for Library Services, com atualizações e revisões do documento original, de 1982, titulado Standards for Multicultural Public Library Service, por considerar que a evolução das tecnologias e os avanços profissionais e sociais tiveram impacto na prestação de serviços da biblioteca multicultural.
A Comissão Européia publicou, em maio de 2011, os resultados de pesquisa realizada com europeus, sobre o uso da língua em atividades na Internet. O documento titulado User language preferences online ressalta que 90% dos utilizadores preferem navegar na internet na língua materna; 44% dos inquiridos acusam que faltam sítios provedores de informações em sua língua nativa e um percentual de 55% da amostra, ocasionalmente, usa outra língua para acesso online. O uso e a difusão da língua ao longo dos canais na web apontam questões consideradas relevantes para estudos sobre a língua como vetor e transmissor da cultura.
A responsabilidade da biblioteca escolar
Assim sendo, os dados acima devem pontuar as ações da biblioteca multicultural, no seu papel de centro de memória da literatura e da língua da nacional, em particular a responsabilidade da biblioteca escolar, junto ao público estudantil, no acesso e disseminação das produções literárias e no estímulo a arte de criar e recriar escritos artísticos da cultura pátria.
No mundo globalizado, com novos desenhos de relacionamento humano, as línguas dominantes, além de meio de comunicação imperativo, carregam e disseminam as suas expressões e identidades culturais. Por esta razão, a UNESCO alerta para a fragilidade dos sentimentos de pertença e do sentido de se reconhecer culturalmente quando os jovens fazem uso dos idiomas de maior comunicação na web, que difere da sua língua nativa.
Nesse sentido, considera-se que a biblioteca escolar tem contribuições importantes a oferecer para a sociedade ao desenvolver ações criativas e dinâmicas para preservação da língua, memória literária e promoção da herança cultural e, conjuntamente, oportunizar a interculturalidade, entre as crianças e jovens da mesma comunidade linguística. Neste texto, entende-se por interculturalidade como a relação intencional entre sujeitos de diferentes culturas e atividades que oportunizem tal situação, buscando incitar a construção de identidade social e o reconhecimento das diferenças culturais, em uma relação crítica e, ao mesmo tempo, solidária entre eles.
Para tanto, a instituição deve recorrer à literatura para transmissão da língua e da cultura e ao uso das redes sociais, visando estimular a permuta de valores simbólicos e culturais. O trabalho com a leitura e a escrita de textos literários aliadas a expressões multimídias da cultura e sua propagação em mídias colaborativas contribuem para potencializar e salvaguarda a cultura nata, além de fomentar a interculturalidade e a diversidade cultural, junto ao público infanto-juvenil.
A biblioteca é tradicionalmente um espaço de encontro cultural, a partir da constituição do seu acervo bibliográfico, reunindo livros e documentos diversos com pensamentos, opiniões e doutrinas que refletem as oposições do pensamento humano, de todas as épocas. Para além dessa aliança, a biblioteca deve ser lugar de encontro de pessoas de diferentes culturas. A IFLA recomenda a realização de atividades, com comunidades multiculturais, na mesma família linguística, envolvendo questões culturais, como patrimônio, tradições, literatura, arte e música, por conseguinte, além do engajamento social, proporcionará às pessoas a oportunidade de aprender com o outro, compreender perspectivas e concepções díspares, fazer novas amizades e ainda praticar a língua.
Dessa forma as referidas atividades não devem ter como requisito essencial o encontro físico entre os sujeitos, pois o sentimento de compreensão mútua aflora ao saber que pessoas de outras culturas estão a usar o mesmo serviço. Sugere-se a biblioteca valer-se das ferramentas da web social, a exemplo das redes sociais, e promover o contato e aproximação entre os utilizadores do mesmo serviço cultural, oportunizando encontros virtuais.
Com base nos argumentos elencados, considera-se que a biblioteca escolar pode aliar as suas funções habituais, de formação de leitores e atividades com os textos literários, os serviços em prol da interculturalidade de crianças e jovens e usar como instrumento os recursos da web 2.0.