Ele tinha tudo para não dar certo. Nasceu em família muito pobre numa pequena cidade afastada de tudo e de todos, no interior do Maranhão, a mais de 300 quilômetros da capital, São Luís. Atrás de ser alguém na vida, foi estudar na escola pública precária.

Para ajudar a mãe no sustento da casa humilde na Vila Santa, bairro pobre da periferia, vendia picolé na rua, que era para juntar uns trocos. Até que um belo dia resolveu seguir o rumo talhado, desde há muito, pelos conterrâneos: tomou a condução na rodoviária de Lago da Pedra e, por dias a fio, comeu pó da estrada na direção do Sul, sobre o que ouvira maravilhas.

Se apaixonou de pronto pelo Rio de Janeiro. Era muita gente, metrô, ônibus, caminhões, carros e motos num trânsito infernal, que jamais vira igual. Muitos empregos e oportunidades que ele nem sonhava. Mas a vida, decididamente, não lhe seria fácil.

O rapazote foi morar de favor com a parentela, que chegara antes. Viveu no pé da favela e, aos poucos, foi se encontrando, muito por conta da generosidade e da solidariedade dos migrantes que vieram primeiro – gesto que ele próprio repetiria tantas vezes na sua curta vida.

Quando melhorou um pouco de vida, foi trabalhar como porteiro num bairro de classe média no Rio. Foi lá, no lixo do prédio, que ele encontraria o que dizia ser uma espécie de chave da porta do céu para pessoas como ele: os livros!

Enquanto trabalhava na portaria, de olho no portão, o jovem lia um livro atrás do outro. Queria por queria passar no vestibular da UniRio, universidade pública almejada e difícil de entrar. Educado, inteligência acima da média e boas notas no boletim escolar, ele logo estaria dando aulas de reforço para os filhos dos moradores do edifício.

Quando saíram, finalmente, as notas do vestibular, a surpresa que deixaria muita gente incomodada: enquanto muitos grã-finos haviam ficado de fora da cobiçada lista, o porteiro fora aprovado.

Como é que pode isso?, alguns se perguntavam, desorientados.

– Livros e os estudos, eis a salvação para o povo pobre – não se cansava de dizer.

Assim que terminou a faculdade pública, tratou logo de fazer outra. Entrou no Mestrado e daí a pouco já tinha na mão também o diploma do doutorado. Prestou e foi aprovado no concurso para servidor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Abraçou a causa da leitura como um direito humano inalienável e até fundou uma revista acadêmica, progressista, para discutir e defender a biblioteca pública.

Agora ele está morto. Chico de Paula, o querido amigo, foi devastado por um câncer tão veloz quanto impiedoso. Escolheu para morrer justo o 12 de março, o Dia do Bibliotecário, profissão a que se dedicou com desvelo e espírito inquieto e transformador – também era advogado e jornalista.

Quando nos encontramos pela primeira vez, num café da Rua Rainha Elizabeth, em Copacabana, foi para conversar por horas sobre minha passagem pela presidência da Biblioteca Nacional – o resultado foi publicado, em forma de entrevista, na revista Biblioo.

Da última vez, também no Rio, nos encontramos no morro do Cantagalo para combinar um trabalho voluntário para reabrir a biblioteca comunitária da favela.

Chico era assim, um sujeito sempre disponível para mudar o mundo. Chico de Paula, presente!

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