Nestes tempos de pandemia as universidades públicas vivem um verdadeiro paradoxo. Se de um lado estão em alta na pauta de parte da grande mídia que reivindica a ciência como aporte para o discurso do combate à doença, de outro se veem atacadas por uma série de medidas do governo que se aproveita do momento de fragilidade econômica e social.

O mais recente destes ataques foi a Medida Provisória nº 979/2020, que dava ao ministro da Educação, Abraham Weintraub, o poder de escolher reitores das instituições federais de ensino superior (IFES) durante a pandemia, excluindo do processo as etapas da escolha de reitores, que inclui a consulta à comunidade acadêmica e a formação de uma lista com os nomes para o cargo.

Ao tentar por duas vezes, por meio de MPs (a outra foi a MP de nº 914/2019), limitar a capacidade das universidades federais de realizar, de forma democrática, a escolha dos seus dirigentes sob o argumento de que estas instituições são “massacradas por ideologias de esquerda”, Bolsonaro praticamente admite que a esquerda é democrática e a direita é reacionária.

Como é de conhecimento geral, na década e meia anterior ao governo atual, se estabeleceu uma tradição nas IFES (dentre as quais se incluem, além das universidades federais, os Institutos Federais de Educação e o Colégio Pedro II) segundo a qual o presidente da República escolhia o mais votado numa lista tríplice de nomes escolhidos pela comunidade acadêmica, que inclui professores, técnicos e estudantes.

Em que pese a crítica legítima de que o fato do voto dos professores terem mais peso na maioria das IFES na escolha dos seus dirigentes ser uma limitação à democracia (e de fato é!), não resta dúvida de que ter um reitor(a) escolhido(a) de forma unilateral pelo Ministério da Educação (como deseja Bolsonaro) representa um ataque frontal à autonomia universitária, garantida pela Constituição Federal de 1988 (artigo 207).

Os ataques às universidades e institutos federais de educação são de tal forma grotescos que mesmo um Congresso Nacional conservador como o nosso não deixou passar tais medidas. A MP nº 914/2019, que dava ao presidente a prerrogativa de escolher o nome do reitor das IFES, caducou no início desse mês. Já a MP n 979/2020, que dava ao ministro da Educação o poder de escolher os reitores durante a pandemia, foi devolvida pelo presidente do Senado ao Palácio do Planalto na última semana.

Também recentemente o governo editou uma série de instruções normativas que estabeleciam, entre outras coisas, orientações aos órgãos e entidades do Sistema de Pessoal Civil da Administração Pública Federal, incluindo as IFES, para que os trabalhadores em serviço extraordinário (remotamente), tenham auxílio-transporte, adicional noturno e adicionais ocupacionais suspensos.

Totalmente absurda e descabida tal medida, sobretudo se considerarmos que estes trabalhadores têm demandado recursos próprios (energia elétrica, internet, mobiliário etc.) para a manutenção de muitas atividades que estão executando remotamente. Sem contar que são estes trabalhadores que estão na linha de frente não só do atendimento direto aos infectados, mas do trabalho de pesquisa sobre a doença.

As universidades federais, por exemplo, conduziam no Brasil pelo menos 823 pesquisas relacionadas ao novo coronavírus até o mês passado, segundo um levantamento feito pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Isso sem contar as inúmeras ações de produção de álcool e produtos sanitizantes e de produção de equipamentos de proteção individual, como protetores faciais, máscaras de pano e aventais.

E no momento em que o país mais precisa da ciência, tecnologia e inovação para combater a epidemia do novo coronavírus, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes) publicou no último mês de março uma portaria que altera novamente os critérios de distribuição de bolsas para os programas de pós-graduação, prejudicando várias universidades.

Obviamente que as ações que desprestigiam e atacam as universidades públicas por parte do governo não são novidades no repertório bolsonarista. Bolsonaro já anunciava desde sua campanha o “voucher educação” e a privatização das universidades públicas, menos para garantir sua política ultraliberal e mais para promover a sua “guerra cultural” contra os esquerdistas que, segundo ele, dominam as universidades, impedindo o avanço do conservadorismo.

No ano passado Bolsonaro disse que o ministro da Educação estudava descentralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia (humanas), pois o objetivo, segundo ele, era focar “em áreas que gerem retorno imediato ao contribuinte”. Tentava atribuir à educação um caráter meramente instrumental, mas também buscava angariar simpatia da opinião pública ao atribuir aos universitários a imagem de inúteis.

Não podemos nos esquecer do decreto presidencial (Decreto 9794/2019) que tentava alterar o sistema de nomeações para cargos no governo federal concedendo à Secretaria de Governo, comandada à época pelo general Carlos Alberto dos Santos Cruz, o direito de avaliar a nomeação de reitores das instituições federais de ensino superior, medida que acabou caindo após intensa pressão da sociedade civil.

As universidades precisam estar vigilantes, pois estes governo, que elegeu o conhecimento e a educação como seus principais inimigos, continuará tentando de todas as formas ataca-la. As instituições precisam se agarrar aos preceitos legais que lhes garante, especialmente a autonomia universitária, pois do contrário corre o sério risco de sucumbir às investidas fascistas.

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