Uma das coisas que me fascinam na Biblioteconomia é a arte da classificação. Trabalhei com a temática na graduação, trabalhei com a temática no Mestrado. Mas tenho a plena consciência de que a vida real vai além da capacidade dos instrumentos utilizados para a representação da informação. Trocando em miúdos, os nossos fazeres, os fazeres das instituições, não cabem em “caixinhas” hermeticamente fechadas.
Quem já teve a oportunidade de estudar direito constitucional sabe que mesmo os poderes do Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) possuem funções típicas (Executivo administra, Legislativo legisla e Judiciário julga) e atípicas — situações onde esporadicamente, o judiciário legisla ou administra, o legislativo julga e administra e o executivo legisla e julga.
Até mesmo os poderes do Estado não estão encerrados em frascos. Na nossa categoria, no entanto, há uma insistência em enxergar as coisas de forma predeterminada. Recentemente, criei um tópico (e futuramente um artigo), no qual eu questiono a tipologia estanque de bibliotecas de acordo com o receituário preconizado na maioria dos manuais de Biblioteconomia.
Dessa vez, trago uma outra inquietação. Gostaria de falar da ideia ventilada na área de que CRBs, Associações e Sindicatos possuem um rol inquebrável de funções. Ora, não se questiona, a princípio, a legislação e outros normativos que regem esses organismos, mas a percepção de que determinados assuntos não são passíveis de discussões por esses órgãos por não serem “função típica”.
Há alguns dias, fui um dos organizadores de uma live do movimento Mais Biblioteconomia a respeito da situação trabalhista dos profissionais bibliotecários em 2021. Como representante do CRB1, me interessa saber as condições de trabalho que envolvem os registrados e registradas da nossa jurisdição. Neste sentido, a função do CRB1 não se confunde com a de um sindicato, mas questões trabalhistas também nos dizem respeito enquanto conselho profissional. E também dizem respeito às associações. Aliás, quando participamos desse debate, estamos fortalecendo os próprios sindicatos.
Por que restringir o debate e as demandas apenas às funções típicas de cada órgão? Há estados no Brasil que não possuem sindicato ou mesmo associação de bibliotecário, apenas integram a jurisdição de um determinado CRB. Devemos fechar os olhos para demandas que não estão preconizadas no rol de atividades dos CRBs? Não devemos sequer dialogar com os colegas daquele estado? Em um país onde as instituições são desacreditadas, a postura “não é da minha alçada” não contribui para a alardeada necessidade de fortalecimento da Biblioteconomia.