Nem a crítica blogueira e nem o público em geral estão satisfeitos com a série Cidade Proibida, lançada pela Rede Globo em setembro deste ano. Os últimos levantamentos para aferir o ibope da atração sinalizam uma queda constante nos pontos, com uma perda de 3 em quase 10 telespectadores. Adjetivada como “fria”, “pouco empolgante”, “sonolenta” e dona de um “texto proibitivo”, a série não tem empolgado em nada a audiência, correndo o risco de ser cancelada (apesar da promessa de renovação ter sido anunciada antes mesmo da estreia).

Ambientada no Rio de Janeiro da década de 1950, Cidade Proibida apresenta os casos do detetive particular Zózimo Barbosa (Vladimir Brichta), um sujeito amoral, fleumático e incansável cuja especialidade é investigar casos de adultério. Cada capítulo trabalha uma história diferente, apresentando sempre uma femme fatale, interpretada em cada sequência por uma atriz global, que esbanja encantos e perigos. Para viver suas aventuras, Zózimo conta com a cumplicidade da prostituta Marli (Regiane Alves), do gigolô “Bonitão” (José Loreto) e do delegado Paranhos (Aílton Graça), formando uma caricatura da conhecida malandragem tupiniquim. Zózimo age em favor da necessidade de seus clientes e dos seus próprios interesses, utilizando a célebre desculpa do “Eu não minto” para prosseguir com o famoso “jeitinho brasileiro”, encontrando uma saída oportunista para tudo. Já o trio de fiéis escudeiros do detetive representa o sexo, a esperteza e a “lei contraventora”, um cenário muito comum em um país povoado por ações ilícitas camufladas pela falsa camaradagem ou, trocando em miúdos, o famigerado “só não tem jeito para a morte”.

Zózimo Barbosa (Vladimir Brichta), um sujeito amoral, fleumático e incansável cuja especialidade é investigar casos de adultério. Foto: divulgação

Segundo a crítica, a série é obsoleta e subaproveitada, já que o tom burlesco e repetitivo abre ainda mais espaço para as gritantes lacunas, não trabalhando, por exemplo, personagens populares da efervescente capital fluminense da época e nem explorando a própria cidade. Fora isso, Zózimo é apontado como um personagem sem expressão, cercado pelas encrencas forçadas de Bonitão e pelo pitoresco delegado. A única atuação aplaudida tem sido a da atriz Regiane Alves ao dar vida à Marli, garota de programa apaixonada por Zózimo. Essa tem sido a impressão majoritária entre blogueiros e jornalistas.

No entanto, minha opinião nada contra a correnteza. Cidade Proibida é uma série policial com toques afetados, quase uma paródia dos filmes noir que marcaram as décadas de 1940 e 1950. De um lado, temos obras estrangeiras clássicas como “Stranger on the Third Floor” (1940) e “A Marca da Maldade” (original Touch of Evil -1958), consideradas precursoras do gênero, e a mais recente “Los Angeles: Cidade Proibida” (1997). Do outro lado, os casos de Zózimo Barbosa trazem o tom de comédia pasquim tão caro à identidade nacional. E nem adianta negar com veemência o fato; basta um giro pela programação de sucesso da televisão para refletir sobre tal afirmação.

Zózimo é o cara que fatura com um trabalho escuso, com a característica risível de se apaixonar por cada mulher incendiária que o procura, seja para investigar a traição do marido ou por ser alvo de investigação. O ar impenetrável, justificado pela ausência de expressões faciais do ator Vladimir Brichta, é uma alusão à natureza dos detetives graves, compenetrados e decididos que ajudaram a criar o estereótipo. Os outros personagens da trama despersonalizam com a intenção de personalizar: o gigolô nada galã – nesse caso, o apelido já é uma piada pronta em si –, o delegado bonachão que aceita propina de bicheiro (Episódio 3 – Caso Paula) e a prostituta apaixonada pelo anti-herói poderiam ter saído de algumas horas de observação do trânsito de pedestres nas ruas do centro do Rio ou, ainda, de segundos conferindo os noticiários “sangue e sexo” de todo dia. Se o telespectador brasileiro não sentiu sua realidade cotidiana devidamente representada pela série, é hora de concentrar sua atenção com a máxima sinceridade possível.

Cidade Proibida, um nome pomposo demais, do tipo que funciona nas descrições de roteiro para fechar contratos, mas que não tem conexão com a forma que a trama tem sido conduzida desde o início, peca por não se assumir “noir tropical”. Outro fato que poderia ser revisto pela equipe é o injustificado uso de mulheres fatais sem acrescentar nada para a trama – é preciso ter um fio condutor interessante, uma explicação que vá além do “linda, perigosa e trapaceira”. O melhor episódio da série foi o protagonizado por Miguel Falabella (Episódio 4 – Caso Leon), onde Zózimo veste a pele de paparazzo e acaba conhecendo os bastidores das colunas sociais que movimentam o mercado de celebridades e a imprensa marrom. Por último, mas não menos importante, a narrativa em off feita por Brichta não tem funcionado bem.

A cena fica monocórdia, arrastada e, em alguns casos, impossibilita o distanciamento necessário para não afundar no clichê. Uma terceira voz, quem sabe apostando em uma voz over (narrador onipresente e onisciente) cairia muito melhor do que o próprio Zózimo relatando suas aventuras. Primeiro, para afastar o tom enfadonho e, segundo, porque a narrativa do detetive sequer soa como um recorte de memórias ou crônicas (como pode ser visto em Call the Midwife, por exemplo), ecoando mais como as conversas intimistas que Frank Underwood (personagem de Kevin Spacey em House of Cards) tem com seus espectadores, opção que não condiz, em absolutamente nada, com Cidade Proibida.

As aventuras extravagantes de Zózimo Barbosa divertem justamente pelo nonsense, pela desproporcionalidade e pela surrealidade dos casos. A série poderia até ter outra chance com o público se assumisse a comicidade e a paródia, reconsiderando detalhes técnicos e turbinando o enredo. No melhor jeitinho brasileiro, cabe o aforisma ajuizado: É melhor mudar do que definhar.

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