RIO – Há alguns anos o bibliotecário Edson Nery da Fonseca escreveu o clássico artigo que ora tomamos o título emprestado. No texto Nery elenca alguns motivos pelos quais se poderia (ou se pode) estimular ou desestimular alguém a seguir a carreira de bibliotecário: “Ser bibliotecário para transformar as bibliotecas em organismos dinamicamente integrados no desenvolvimento econômico, científico e tecnológico; Não ser bibliotecário para tornar-se um burocrata a mais no sistema administrativo da nação, do estado ou do município”, diz ele.

Nery, que foi mais professor de Biblioteconomia do que bibliotecário, defende a ideia de que o bibliotecário não deve ser um técnico: “o bibliotecário deve ser uma pessoa culta, como foram os bibliotecários da antiguidade”. Culto ou técnico, o fato é que existem motivos diversificados que levam alguém a optar pela Biblioteconomia como profissão.

Alguns apontam o gosto pelo livro e pela leitura; outros simplesmente colocam a baixa concorrência, seja no vestibular, no mercado de trabalho ou mesmo em concursos públicos como atrativo, dado ao pequeno número desses profissionais no Brasil. Conforme dados do sistema CFB/CRBs, os bibliotecários somam 34 mil, sendo que destes apenas 18 mil estão ativos.

Para Silvia Maria Fortes, que é bibliotecária escolar em Niterói, região metropolitana do Rio, o que lhe motivou a escolher a Biblioteconomia foi o fato de que quando ainda cursava o ensino médio, antigo segundo grau, teve a oportunidade de trabalhar em uma escola de ensino fundamental, onde passou pelos setores de auxiliar de maternal e assistente de secretária, até receber a missão de montar uma biblioteca.

“‘Contratar uma bibliotecária? Não! Vamos colocar a Silvia lá!’ E assim fui inaugurar a biblioteca do IEEP, totalmente crua. Não sabia nada da profissão, não tinha ninguém para me orientar. Comecei a observar o trabalho das bibliotecárias da biblioteca da escola em que eu estudava e que eu frequentava desde sempre e por instinto comecei a realizar empréstimos e ‘catalogar’ no meu trabalho […] Foi aí que descobri a profissão e tive a certeza de que era isso que eu queria fazer. Trabalhei na escola durante seis anos, quando saí estava começando a faculdade”.

Mesmo se desdobrando para dar conta de todo o serviço técnico da biblioteca – receber o público (alunos da escola) para a realização de empréstimos e eventualmente fazer algumas leituras, internas ou ao ar livre – Silvia ainda encontra tempo para editar um blog com dicas de leitura. “Realizo também oficinas relacionadas à leitura ou a algum escritor específico, segundo a necessidade de cada turma mediante trabalho conjunto com os professores”, informa a bibliotecária.

Bibliotecária e docente da Universidade Federal Fluminense (UFF), Marcia Tavares fez, no fim da 8º série, testes vocacionais que lhe indicaram potencialidades para várias áreas: “tirando Desenho e Engenharia Civil – baixíssimo raciocínio espacial – eu poderia fazer o que quisesse, incluindo área matemática e altíssimo raciocínio mecânico – em geral baixo para mulheres”. Mas o que ela gostava mesmo de fazer era ler. Seu pai tinha uma biblioteca de cerca de 500 livros, onde ela adorava classificar, organizar as coleções e ler, ler muito, de tudo um pouco – de Eça de Queroz a Machado de Assis, de biografias de Mahatma Ghandi a relatos de tortura na guerra de independência da Argélia. E Monteiro Lobato, todo. A coleção infantil e a coleção adulta.

Lobato, a propósito, apareceria novamente na vida de Márcia. Já formada em Biblioteconomia, ela fez vestibular para Direito e uma questão discursiva (o ano era 1986) ganhou por causa do autor de clássicos como o Sítio do Pica-pau Amarelo. A pergunta era sobre a campanha “O petróleo é nosso!”, tema de uma de suas obras: “A questão era dissertativa e assim, passei em 9º lugar para Direito. E eu havia entrado em 1º lugar em Biblioteconomia”, se orgulha.

Quando estudante de Biblioteconomia, Marcia estagiou desde o primeiro semestre de faculdade. Era 1979. De lá para cá foram vários estágios e três empregos: UFRGS, Tribunal Regional Federal da 2º Região e UFF, onde entrou em terceiro lugar: “Um terceiro lugar de que muito me orgulho”. Foram 12 anos de prática bibliotecária e mais os estágios. Tendo estudado de 1979 a 1982, começou a trabalhar em janeiro de 1983, somando 31 anos de formada e mais os quatro de estagio. “Praticamente 35 anos de militância bibliotecária e arquivística também dado aos estágios e à docência em Arquivologia”, ressalta.

A eterna luta pela afirmação e pela valorização

Mesmo sendo uma prática profissional milenar, a Biblioteconomia ainda vive no Brasil uma fase de afirmação enquanto profissão, sobretudo em virtude da ignorância em relação às práticas que envolvem a leitura e as práticas profissionais neste campo. Como se sabe, os índices de leitura por aqui são baixíssimos, chegando a 2,1 livros inteiros por ano, conforme dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 2011.

Silvia, por exemplo, está satisfeita com a profissão, mesmo assim reclama da pouca valorização da profissão, sobretudo no ambiente escolar: “Muitas instituições insistem em não contratar um profissional, julgando a biblioteca como uma parte menos importante da escola. Sempre pergunto para amigos e pessoas de meu convívio como é a biblioteca da escola de seus filhos e geralmente ouço que a escola não tem biblioteca, ou que tem uma salinha fechada aonde vão às vezes com a professora”.

A falta de reconhecimento e conhecimento é tanta que já se tornou clássica entre profissionais e estudantes a expressão “Biblio o que?”, se refindo à pergunta comum que os leigos fazem quando alguém informa que é formado em ou estuda Biblioteconomia.

O desconhecimento acerca da carreira, a propósito, já fez parte da vida de muitos hoje bibliotecários. É o caso de Cleyde Rosário. Embora vindo de uma família de leitores, a bibliotecária conheceu o curso por acaso: “nem sabia, como muitos, que havia tal curso”. Após ser reprovada no vestibular para Jornalismo, Rosário saiu em busca de um curso menos concorrido. Segundo ela, 70% dos que escolheram o curso em sua época – no ano de 1990 – escolheram em função da baixa relação candidato/vaga no vestibular.

O mercado de trabalho

Conforme o Código Brasileiro de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho e Emprego, o bibliotecário tem por atribuição “disponibilizar informação em qualquer suporte; gerenciam unidades como bibliotecas, centros de documentação, centros de informação e correlatos, além de redes e sistemas de informação. Tratam tecnicamente e desenvolvem recursos informacionais; disseminam informação com o objetivo de facilitar o acesso e geração do conhecimento; desenvolvem estudos e pesquisas; realizam difusão cultural; desenvolvem ações educativas. Podem prestar serviços de assessoria e consultoria”.

Como se vê, um dos maiores atrativos em relação ao mercado de trabalho para o bibliotecário é, sem dúvida alguma, o leque de possibilidades de atuação. Esse profissional pode atuar em unidades de informação variadas, não só em bibliotecas. Além disso, a internet tem possibilitado novos horizontes a esses profissionais, visto que a informação se mostra cada dia mais ligada aos aparatos tecnológicos da computação.

Outro importante atrativo a esses profissionais é o serviço público. Tanto é assim que a bibliotecária Kátia Maria Costa não escolheu a Biblioteconomia, mas sim o serviço público. Frustrada por não ter feito Faculdade de Educação Física, vasculhou vários cursos dentre os quais teria condições de passar no vestibular, além da pressão da idade: já estava com 33 anos: “Mas o que me chamou atenção foi o que estava escrito na habilitação que era em Gestão da Informação – aquela coisa moderna. Então entrei e não pretendo sair mais… Uma delicia que satisfaz minha vida profissional”.

Estando formada há cinco anos, há quase quatro Kátia passou em um concurso público, com salário e ambiente de trabalho que adora: a Biblioteca Pública Municipal Ary Cabral, dentro da Fundação Cultural de Brusque, em Santa Catarina. “Como a maioria das Bibliotecas Pública, tenho que muitas vezes me desdobrar do planejamento ao operacional, são vários problemas, mas muitas conquistas e isso nos faz acreditar que ainda temos esperança para nossas bibliotecas”, avalia.

A satisfação pela escolha profissional

 

Apesar de todos os percalços, o que existe de comum nos discursos dos profissionais é a satisfação pela escolha da carreira de bibliotecário. Para a bibliotecária Rosário, por exemplo, “foi paixão mesmo”; “estou muito satisfeita!”, diz ela que atua na área há 11 anos. “Já passei por todo tipo de biblioteca: infantil, escolar, universitária, especializada, centro de referência e agora pública; posso dizer que dei o meu melhor em todos os locais por onde passei” ressalta orgulhosa.

De forma semelhante, a bibliotecária Silvia Maria diz que sua satisfação está na realização do seu trabalho, principalmente lidar com o público infantil. Kátia Maria, por sua vez, assevera que a profissão de bibliotecário é uma delicia que satisfaz sua vida profissional.

E você? O que lhe motivou, motiva ou pode motivar a ser bibliotecário?

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