Nos últimos anos muito tem se falado sobre as doenças do século XXI, geralmente relacionadas às questões psicológicas, mas que concomitantemente podem desencadear distúrbios de origem física, principalmente no campo ocupacional. Ambientes de trabalho insalubres e estressantes, longas jornadas de trabalho, ausência de pausas ou descanso adequados, parecem ser a combinação de ingredientes que podem levar o indivíduo a completa exaustão laboral. Num mundo cada vez mais acelerado, quer seja na velocidade com a qual ocorrem as mudanças e/ou onde parece só ter valor aquele indivíduo que é produtivo, só nos resta tentar nos adaptar ao sistema para de alguma forma sobreviver a toda esta loucura.

Neste sentido, a síndrome de burnout pode ser considerada o novo mal do século, como um distúrbio psíquico caracterizado pelo estresse provocado pelo excesso e condições de trabalho desgastantes. Dentre os profissionais mais afetados pela doença temos os jornalistas, os professores, os policiais e os profissionais da área da saúde.

De acordo com dados de uma pesquisa realizada pela empresa Runrun.it, no Brasil cerca de 61% do total de entrevistados relataram sentir-se esgotados física e mentalmente após o expediente de trabalho. Em 2022, a Organização Mundial da Saúde reconheceu a síndrome de burnout como um fenômeno relacionado ao trabalho resultante de um estresse crônico.

O trabalhador diagnosticado com a doença costuma queixar-se de um cansaço físico e mental que pode manifestar-se sob as seguintes formas: de ansiedade, dificuldade de concentração, irritabilidade, agressividade e depressão. A pessoa também pode apresentar os seguintes sintomas: dores de cabeça, insônia, dores musculares e distúrbios gastrintestinais.

A síndrome de burnout vem crescendo no Brasil e de acordo com um estudo realizado em 2019 cerca de 20 mil brasileiros pediram afastamento médico por doenças mentais relacionadas ao trabalho. A pandemia de covid-19 contribuiu para o agravamento desta situação e muitos profissionais têm sentido estes impactos.

Este tema vem sendo bastante discutido nas mais diversas áreas do conhecimento, principalmente no âmbito jurídico tendo em vista que é uma doença relacionada ao trabalho. Na literatura, títulos como “Sociedade do cansaço” do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han e “Não aguento mais não aguentar mais: como os millennials se tornaram a geração do burnout”, da jornalista norte-americana Anne Helen Petersen abordam de maneira magistral o tema do esgotamento psíquico e propõem uma reflexão sobre uma mudança de paradigma de nossa sociedade.

Cabe ressaltar o best-seller de Petersen, que é uma obra resultante de uma pesquisa exaustiva com pessoas de diferentes grupos étnicos, sociais, culturais e etários nos EUA, mas com tamanhas semelhanças com o Brasil, que evidenciou um problema contemporâneo que atinge grande parte da população mundial, a síndrome de burnout.

Nesta obra a autora buscou as raízes estruturais da síndrome de burnout, que segundo ela não é apenas um problema social e ocupacional, mas sim geracional e vai além: esmiúça todas as suas nuances, desde sua origem, atrelado ao sistema capitalista que domina o mundo, até os dias atuais, enfatizando a geração millennial. Esta geração é a que compõe uma sociedade que está vivendo a fase mais aguda do capitalismo e que se manifesta pela falta de esperança.

Os millennials ou geração Y (nascidos entre 1980 e 1996) segundo Petersen, tornaram-se a geração do burnout devido ao acúmulo de funções e ao excesso de trabalho somados a conectividade em tempo integral. O avanço das novas tecnologias e o surgimento das redes sociais também colaboraram para o aumento da exaustão devido as pessoas passarem longas horas do dia em seus smartphones e não diferenciarem trabalho de lazer e/ou levarem para casa o trabalho consigo.

Petersen utilizou dados sólidos para demonstrar como o contexto econômico, social e político das duas primeiras décadas do milênio contribuiu para moldar esta geração (millennial) que entrou para o mercado de trabalho bem neste período. Uma geração que se acostumou com a presença de um sentimento de instabilidade e precariedade profissionais e para encontrar alguma aparente segurança, sentiu a necessidade de trabalhar e manter-se ocupada o tempo todo. E se por um lado o trabalho já era difícil e precário para as gerações anteriores, como era o caso dos boomers (nascidos entre 1946 e 1964) e da geração X (nascidos entre 1965 e 1979), hoje ele está ainda mais difícil e precário e as perspectivas futuras não são nada animadoras.

Na obra também é possível perceber as cobranças, responsabilidades e a exigência de um propósito na esfera profissional que igualmente assolam os millennials brasileiros e que serão piores para a geração Z (nascidos a partir de 2000). Ainda relata o agravamento da situação diante da questão de gênero, ou seja, mulheres estão muito mais cansadas e sobrecarregadas do que os homens.

Segundo Renata Corrêa, responsável pelo prefácio da edição brasileira, este é um problema que parte da estrutura do sistema social vigente que visa a geração de lucro para uma pequena parcela da população as custas do bem-estar da sociedade como um todo. Neste sentido o esgotamento profissional não será privilégio dos millennials, mas também de toda uma geração que está por vir, a geração Z, que estará saindo da maior crise sanitária do século e à beira de um colapso ambiental global.

Petersen nos convida para uma reflexão para que a partir daí possamos construir uma nova forma de viver e de pensar sobre o nosso trabalho e nosso valor pessoal diante da sociedade. E que por problemas todas as gerações passaram, passam e passarão, mas que não precisa ser assim, às custas de sofrimento e nossa saúde mental, que só servem para subsidiar e alimentar um sistema famigerado que só visa o lucro e que é onde está o cerne de todo o problema.

Os profissionais da informação

As fontes de estresse oriundas do setor de trabalho são diversas e na biblioteca não é diferente, principalmente porque esta função de prestação de serviços pode gerar conflitos com os usuários e até mesmo o ambiente e o exercício da profissão podem gerar problemas de ordem física e mental.

Alguns profissionais da informação afastam-se do trabalho por motivos de saúde, sendo diagnosticados com problemas psicológicos, porém em alguns casos estes podem ser decorrentes do estresse ocupacional que contribuiu para o surgimento da síndrome de burnout.

De acordo com Carmo e Cruz-Riascos (2021) que em seu artigo intitulado “Fatores estressores e a síndrome de burnout em bibliotecas universitárias” apontam alguns fatores estressores no trabalho desenvolvido pelos bibliotecários, os quais podem desencadear um esgotamento profissional e até levar a síndrome de burnout. Estes fatores são: as pressões orçamentárias, pesadas cargas de trabalho, atendimento a usuários difíceis, excessivas atividades administrativas, frequentes mudanças tecnológicas, falta de profissionais na unidade de informação, substituição de colegas, alterações de atividades e necessidade constante de atualização. Já os bibliotecários que atuam em bibliotecas universitárias para garantir a satisfação da comunidade acadêmica de usuários podem trabalhar sob pressão e isso pode levar à depressão, ansiedade e doenças físicas ocasionadas por exaustão prolongada.

Estes são apenas alguns fatores que podem contribuir para o aparecimento de problemas psicológicos, ainda temos os que podem acometer a saúde física do bibliotecário que são: irregularidades relativas à falta de limpeza, mobiliário inadequado, má conservação de equipamentos, degradação de acervos, como por exemplo, com excesso de umidade, problemas relativos à temperatura e luz, poeira, insetos, roedores, fungos, bactérias e produtos tóxicos que fazem da biblioteca um ambiente insalubre.

Em se tratando do período de pandemia de covid-19, no qual muitos bibliotecários tiveram sua rotina de trabalho completamente alterada, tendo que realizar home office, muitos acumularam dupla jornada, aliando o trabalho doméstico ao trabalho na biblioteca, gerando um aumento da carga de trabalho e consequentemente favorecendo o surgimento de estresse ocupacional. Além disso, devido ao isolamento social muitos bibliotecários tiveram que se reinventar em sua profissão e adaptarem-se as tecnologias de informação e comunicação, a fim de manter o atendimento aos usuários, ainda que remotamente.

Somente com a conscientização e discussão do problema e ações preventivas e medidas interventivas é que será possível evitar e/ou amenizar situações e o adoecimento destes profissionais em seu ambiente de trabalho. Ressalta-se a necessidade de intervenção e medidas protetivas nas bibliotecas universitárias do país, pois muitas estão em situação inapropriada para o retorno das atividades profissionais presenciais dos bibliotecários.

Muitas realidades profissionais são desconhecidas, por isso é de extrema importância a realização de pesquisas referentes a este tema, também devido a escassez na literatura nacional existente, a fim de que se possa compreender, identificar e atuar na prevenção de doenças e contribuir para a saúde do profissional bibliotecário.

 

REFERÊNCIAS

CARMO, Ana Gláucia de Lima Sebastião do; CRUZ-RIASCOS, Sonia. Fatores estressores e a Síndrome de Burnout em bibliotecas universitárias. Informação em Pauta, Fortaleza, v. 6, n. especial, p. 13-31, maio 2021. DOI: https://doi.org/10.36517/25253468.ip.v6iespecial.2021.67916.13-31.

PETERSEN, Anne Helen. Não aguento mais não aguentar mais: como os millennials se tornaram a geração do burnout. Rio de Janeiro: Harper Collins Brasil, 2021.

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