RIO – Num final de tarde de verão no Rio de Janeiro, o ônibus estaciona em plena Linha Vermelha, via expressa que liga a Zona Oeste ao Centro da cidade, em meio ao engarrafamento que se estende por quilômetros. Assolado pelo tédio, saco do bolso um celular, desses de tecnologia razoável. Com alguns toques, vejo abrir-se diante de meus olhos uma estante com obras variadas que vão da Literatura à Política, passando pela Educação, pela Geografia, pela História, pelo Direito, entre outros.

Um livro colocado entre os destaques da biblioteca virtual me chama a atenção. É a Nova Toupeira, do sociólogo Emir Sader. Clico sobre ele e, em poucos segundos, a obra aparece diante dos meus, convidando-me a folheá-lo. E é isso que faço. Com toques na tela do aparelho, vou folheando página por página. A leitura se estende até onde a paciência me permite. Volto à estante e abro mais duas ou três obras. A variedade títulos me surpreende. Campos de busca me convidam a pesquisar assuntos, autores e editoras de meu interesse.

Além das obras escritas, também encontro conteúdos multimídia, como vídeos e áudios. Com facilidade, consigo acessar cada item que me interessa. Ali também tenho às mãos notícias de agências de notícias, como a France-Press, por exemplo. Me surpreendo e concluo estar diante de algo inovador. Seria essa a biblioteca do futuro? Muito provavelmente a resposta só poderá ser dada daqui há alguns anos ou até mesmo décadas. Todas essas facilidades estão sendo trazidas por um projeto ambicioso, chamado Nuvem de Livros.

Concebida há cerca de quatro anos pela Gol Mobili, empresa do Grupo Gol (o mesmo da companhia aérea), a Nuvem nasceu de uma reflexão de seus idealizadores sobre a sociedade brasileira, no conjunto das suas contradições, como me explica Roberto Bahiense, diretor de relações institucionais da empresa: “A partir de uma análise profunda da realidade brasileira […], nos ocorreu, então, diante da inexorabilidade do livro digital, dar um passo determinado em direção a isso, no sentido de apresentar ao conjunto da sociedade civil brasileira uma plataforma que pudesse atender a demandas emergenciais”.

Mas que demandas emergenciais são essas? A primeira delas seria a carência de bibliotecas escolares no Brasil, a despeito da Lei nº 12.244 de 2010, que determina a existência de uma biblioteca, com bibliotecário, até o ano de 2020, numa relação de um livro por aluno matriculado. De acordo com os últimos dados do Censo do Ministério da Educação (MEC), há hoje 200 mil escolas, públicas e privadas, e dessas, 65% não tem biblioteca. “Nós estamos falando de 15 milhões de crianças e jovens que não têm uma sala de leitura na escola onde está matriculado”, me explica Bahiense. O executivo enxerga outros problemas na Lei e ilustra sua preocupação com um exemplo: “Daqui a sete anos, uma escola, numa região de exclusão social, na periferia de uma grande metrópole, como o Rio de Janeiro, ela terá que ter, caso tenha alunos matriculados, 1472 livros, que é o que dispõe a Lei”. Entretanto, explica ele, “o professor vai chegar à sala de aula, querendo discutir, por exemplo, a questão indigenista e indicar um determinado conteúdo, Quarup, por exemplo, do Antônio Callado, e vai haver um livro numa escola”, lamenta.

Composta de sete mil obras atualmente, a Nuvem de Livros se propõe a corrigir essa que seria uma distorção, contribuindo, inclusive, para a economia de recursos públicos. Ao invés   de comprar acervos repetidos, os governos e os particulares fariam um único investimento. É claro que a questão não é tão simples assim, tendo em vista os outros interesses que estão em jogo, como o das indústrias que desenvolvem os dispositivos de leitura, como os ipads e os e-readers, por exemplo.

A segunda demanda emergencial apontada por Bahiense é aquela que diz respeito à chamada nova classe média. Ou seja, 60 milhões de indivíduos, que nos últimos vinte anos deram um salto qualitativo de vida, sendo incluídos na sociedade do consumo. “Esses indivíduos querem de forma obstinada dar aos seus filhos hoje, consumidos uma série de itens que eles desejavam, dar aquilo que a sociedade não lhes deu no passado, que é acesso ao conhecimento”, me explica.

A resistência do mercado editorial

A terceira e última preocupação sobre a qual os idealizadores da Nuvem têm se debruçado se refere aos alunos dos campi virtuais. São aqueles indivíduos que estão matriculados em instituições muitas vezes localizadas a quilômetros de distância de seu domicílio. Esses muitas vezes não conseguem desenvolver os seus estudos como desejado, pelo simples fato de não disporem de uma biblioteca adequada próxima.

São 80 milhões de usuários em potencial, os quais a Nuvem pretende alcança através da articulação com empresa e com governos. Mas o trabalho não é fácil. Mesmo dominado a tecnologia necessária ao desenvolvimento do serviço, primeiro é preciso superar a resistência dos editores, que ainda encaram com certa desconfiança a ideia do livro digital, mesmo diante de sua emergência.

De acordo Bahiense, “generalizou-se no imaginário coletivo do editor do Brasil, de forma muito justificada, o temor diante dessa possível migração do conteúdo em suporte físico para o suporte digital”. Isso “porque começou a se imaginar que se isso não ocorresse de uma forma muito consequente, responsável, se o conteúdo nessa migração não estivesse muito bem capsulado, poderia acontecer no mercado do livro o que aconteceu triste e lamentavelmente com o mercado fonográfico com o iTunes que transformou a indústria fonográfica em terra arrasada”.

A questão da segurança também se mostrou desde o início uma preocupação dos editores, que temiam ver suas obras distribuídas na internet sem a devida retribuição, como lhes garante a Lei de Direitos Autorais. Pensando nisso, a Nuvem investiu dinheiro, talento e muito esforço no desenvolvimento de um DRM proprietário. O que a princípio parecia algo arriscado, se mostrou como a decisão mais acertada. A partir daí, os horizontes se abriram e os editores viram no projeto uma nova forma de lucrar, pois a plataforma remunera editores e autores pelo aluguel da leitura do conteúdo em suporte digital. É o que se tem mais próximo de uma biblioteca digital.

Os diferenciais

Bibliotecas virtuais se multiplicam pela internet, de forma menos ou mais organizada. Além disso, o mercado de e-books já é uma realidade, permitindo que muitas pessoas possam fazer aquisições ou simplesmente ler obras de forma gratuita na rede. Com isso, a Nuvem teve, desde o início, de ser pensada como algo diferente. E quais são essas diferenças? A primeira e talvez mais importante são as curadorias: uma de literatura, uma de acessibilidade, uma de saúde e uma de educação. A função dessas curadorias, cada uma na sua área do saber, é identificar quais são os conteúdos mais pertinentes para Nuvem, impedindo que conteúdos sem qualidade suficiente possam atrapalhar a oferta. “Como nós queremos oferecer uma biblioteca substantiva, adensada, respeitada, nós não temos conteúdos que possam comprometer a nossa proposta”, ressalta Bahiense.

Ele explica que em outras plataformas como Google, Amazon e Kobo existem livros para vender, mas livros quaisquer. Nestes o cliente encontraria obras extraordinárias, obras muito competentes, obras boas, obras razoáveis e obras muito ruins, pois estes se comportam como um grande mercado do livro. “Já a Nuvem não. O exercício da curadoria, sendo muito rigoroso, faz com que a Nuvem tenha o melhor da produção literária. Porque é isso que a gente quer oferecer para a sociedade brasileira”, esclarece com entusiasmo.

Para acessar a Nuvem é muito simples e barato. Basta ter um dispositivo de informática ou de telefonia como note ou netbook, um tablet IOS ou Android ou mesmo um smartphone com conexão de internet. A Vivo, que é a empresa líder em telecom no país, com uma base de 70 milhões de usuário, oferece a todos o seus clientes o acesso a Nuvem de Livros por um preço módico. Com R$ 1,99 por semana (a primeira semana é grátis), o usuário tem a disposição o catalogo de pelo menos 80 editoras diferentes.

Em relação ao papel dos bibliotecários, a Nuvem só pode ser feita por conta da estrutura de bibliotecários envolvidos no projeto, sobretudo em relação a um aspecto que tem sido negligenciado por todas as outras plataformas de livros digitais, que é a questão dos metadados. A Nuvem apostou muito em metadados, exatamente para criar uma relação amigável com o usuário. Um idoso ou alguém que não tenha nenhuma experiência no trato desses decives poderá acessar a Nuvem e entender o seu mecanismo de usabilidade e navegabilidade bem rapidamente. “Foram os nossos executivos formados pela faculdade de Biblioteconomia que puderam nos ajudar a fazer isso”, destaca Bahiense.

Revista Biblioo na Nuvem?

Dentro de alguns dias a equipe da Revista Biblioo pretende anunciar sua parceria com a Nuvem de Livros. A ideia é que nosso leitor tenha a disposição, por meio de um canal novo, o conteúdo da publicação que já é referência entre os bibliotecários. Além disso, estudamos a possibilidade de oferecer conteúdo exclusivo para os assinantes da Nuvem, como uma forma de diversificar nossos produtos.

Os leitores não perdem por esperar.

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