Chico de Paula: Moreno, como vocês se apresenta?
Moreno Barros: Eu me apresento como bibliotecário. Talvez no dia-dia meu trabalho seja mais o de um documentalista, mas de qualquer forma, não me vejo como pesquisador, como cientista, como professor mais do que como me vejo como bibliotecário.

C. P.: Que tipo de leitor você é? É daqueles que se apega ao livro tradicional, ou pra você não importa o suporte?
M. B.: Eu sou leitor de não-ficção. Sou leitor de blogs. Tenho poucos livros em casa, sigo a 1º lei de Ranganathan: li, passo pra frente.  Ainda tenho apego aos livros impressos, gosto do design das capas, da tipografia. Mas tenho comigo que nossa geração é a última a ter esse fetiche.
Quando o mercado editorial bancar um kindle ou um ipad a preço módico, não fará mais sentido produzir livros impressos. Ou seja, os livros impressos acabam porque não vale mais a pena distribuí-los, e serão os grandes editores que irão alterar a dinâmica do livro como objeto, não nós, consumidores.  Mas pra mim não importa o suporte e sim a experiência. É como a música, não importa se é vinil, cd, mp3. O que importa é a música. Com os textos a mesma coisa, pouco me importa se é impresso, se é facebook, se é ipad. O que não dá é pra viver sem.

C. P.: Você é conhecido por sua visão crítica. Como você avalia o momento atual da Biblioteconomia?
M. B.: O momento atual da biblioteconomia é que ela precisa de bons exemplos. E é aí que minha crítica entra. Porque as pessoas precisam reconhecer os bons exemplos para ter como parâmetro positivo. E meu papel é evidenciar as boas práticas e trabalhar para que as não tão boas possam melhorar, se elas forem promissoras.
A maior parte dos problemas das bibliotecas requer muito pouco em termos de eficiência estratégica (o tripé melhor gestão de staff, melhor gestão do espaço físico, melhor gestão das coleções) e nós continuamos presos na pirâmide de subordinações – porque as bibliotecas e bibliotecários sempre estão subordinadas a uma dinastia superiora e não conseguem a flexibilidade que necessitam para implantar um modelo de experimentação. Quem sabe as bibliotecas possam experimentar mais, sem medo de interferir na missão clássica de conectar livros e pessoas?
Uma outra questão é definir os reais problemas da biblioteconomia e das bibliotecas. A gente nem mesmo sabe se tem problemas, e quando achamos que temos, não sabemos o que fazer para resolvê-los.O atual momento da Biblioteconomia é como sempre foi: suficiente dentro de suas cercanias, monopolizador das soluções para os problemas que ela mesmo cria e com um potencial enorme de tornar as pessoas melhores.  Ou seja, desde sempre os bibliotecários têm a faca e o queijo nas mãos.

C. P.: A geração de bibliotecários, da qual você faz parte, é mais consciente do seu papel social ou esses indivíduos ainda são muito alienados?
M. B.: Acho que a alienação é grande, mas não vejo os colegas como mesquinhos. É que cada um assume um tipo de compromisso, e não consegue alinhar seus compromissos individuais com os de outros bibliotecários.
Não temos consciência de nosso papel social porque não conseguimos visualizar o impacto do nosso trabalho na evolução e bem estar social. Ou seja, se você faz bem o seu trabalho mesmo atuando em uma grande empresa privada, está tão engajado quanto um bibliotecário que criou uma biblioteca comunitária na favela – mas fica parecendo que só o cara da favela que é o grande ator social. Mas esses dois profissionais poderiam estar resolvendo problemas juntos e propondo soluções em conjunto. E isso não acontece.
No mais, acho que aqui também cai o problema da ausência de parâmetros, porque os bibliotecários propriamente, grande parte, não são leitores e não frequentam bibliotecas que não os seus postos de trabalho. Então não conseguem dar sua contribuição à sociedade, já que não conseguem enxergar de que maneira poderiam fazer isso.
O papel social seria brigar por melhores bibliotecas, melhores produtos e serviços. E essa faxina começa de dentro pra fora. Eu fico imaginando que, para nós, da dita classe média, é muito mais cômodo matricular nossos filhos em escolas particulares, para que não tenham que competir com os filhos dos pobres no futuro. Quando na verdade deveríamos todos matricular nossos filhos em escolas públicas e exigir ensino de qualidade para todos.
É como eu me sinto comprando um livro no Submarino. Meu papel social é mostrar que “Jogos Vorazes” poderia muito bem estar disponível para empréstimo na biblioteca mais próxima da minha casa, e não ficar nem um pouco surpreso por isso.

C. P.: Um dos temas em que você mais se engaja é o das chamadas novas tecnologia. Você não acha que existe muito deslumbramento em relação a esses aparatos?
M. B.: Não, pelo contrário. Acho que existe muito potencial desperdiçado, por conta das nossas deficiências técnicas, humanas e institucionais. É vergonhoso hoje, 2012, que a gente ainda não tenha um verdadeiro catálogo coletivo nacional (nos moldes do worldcat, ou até do estante virtual), é lamentável que se invista bastante dinheiro público em projetos de digitalização de acervos sem saber quem está sendo beneficiado por esses objetos digitais, é entristecedor que ainda não tenhamos uma frente de serviços com base em telefonia celular quando o Brasil possui mais celulares do que habitantes, é inconveniente que me exijam 2 fotos 3×4 para inscrição na biblioteca quando uma webcam que custa míseros R$10 no mercado eletrônico popular eliminaria a exigência. E etc, etc. Tudo isso é tecnologia de informação e comunicação que poderia estar sendo usada plenamenta para melhor prestação de serviço bibliotecário.
O nosso discurso é de que “o Brasil é muito grande, muito distinto” e isso engessa as iniciativas inovadoras. É como se tivéssemos sempre nivelando por baixo e quando nos damos conta, perdemos o bonde da história.
Lembra quando as pessoas não tinham telefone fixo, mas passaram direto para os celulares? Lembra quando as pessoas tinham telefone celular com toque polifônico e isso era o supra sumo da tecnologia? Pois bem, essas pessoas pulam etapas se necessário, e elas se adaptam, não ficam pra trás presas em tecnologias ultrapassadas. As bibliotecas podem muito bem fazer o mesmo.
Como eu disse não são os bibliotecários que ditam tendências, mas o mercado. Nós temos que nos preparar para avaliar e seguir as melhores tendências, que casam com os nossos princípios profissionais.

C. P.: Com o advento das Novas Tecnologias de Informação, o fim da biblioteca está próximo, como preceituou o jornalista Luís Antonio Giron em seu polêmico artigo?
M. B.: A biblioteca pública como conhecemos já morreu, ou já nasceu morta, convenhamos, salvo raríssimas exceções. Em muitos casos, eu gasto menos hoje comprando um livro no Submarino do que me deslocando da minha casa para a minha biblioteca de bairro (R$3 de ida, R$3 de volta para o empréstimo; R$3 de ida, R$3 de volta para a devolução), que muito provavelmente não possuirá o título que desejo.
O que se discute hoje é a mudança de um modelo de gestão de acervos impressos para acervos digitais. Obviamente que no contexto tecnológico não faz mais sentido abrigar coleções impressas em um espaço físico central quando os arquivos digitais podem ser distribuidos remotamente.
Sendo assim, precisamos resgatar a ideia da biblioteca como uma espaço de conexão de inteligências. Veja a biblioteca pública de Botafogo, que oferece dezenas de oficinas e shows e debates e tudo mais. O CCSP. Isso é muito mais do que novas tecnologia de informação. Uma biblioteca que é substituível por tecnologia deveria mesmo ser.
A biblioteca tem que ser mais do que conectar pessoas e livros, porque isso o google faz melhor que a gente e precisamos ser gratos. A biblioteca tem que conectar pessoas, tem que ser um working center (não existe shopping center? pois então). Um biblioteca como templo de sublimação da herança intelectual humana está fadada a se tornar um museu de livros.

C. P.: Em que projetos você está envolvido atualmente?
M. B.: Estou envolvido com projetos do Sistema Nacional de Biblioteca Públicas, auxiliando na definição de parâmetros e diretrizes para as bibliotecas públicas e na criação de uma plataforma aberta de consulta pública para a questão do acesso à informação no Brasil; estou ministrando oficinas sobre curadoria digital como minha tática para que um grupo de bibliotecários especializados possa usar a sua bagagem técnica e cultural como facilitador no processo de desvendamento dos tesouros escondidos nas bibliotecas digitais brasileiras; estou editando oinformalidades.com, que é um site onde eu compilo textos que encontro na internet,   com a ideia de ser uma referência nas estratégicas “avant garde” da biblioteconomia brasileira; estou passando o bastão do BiblioCamp, que esse ano vai acontecer em Florianópolis; estou tocando a frente do BSF no facebook, com a meta de se manter como o maior canal de reconhecimento da biblioteconomia na internet.
Fora isso tem muitas outras coisas que eu penso e quero fazer, mas simplesmente não há tempo hábil. Por exemplo, quero propor uma frente de trabalho bibliotecário voluntário; quero criar um programinha no youtube com entrevistas de bibliotecários (tipo o this week in libraries); quero editar um livro anual com os melhores posts produzidos pelos bibliotecários blogueiros brasileiros; quero adaptar um software de automação para bibliotecas de pequeno porte (tipo winisis, versão 2012); quero criar a bibliografia digital do Edson Nery; quero encontrar com o Eike na rua e convecê-lo a ser o Carnegie brasileiro.

C. P.: Um dos projetos mais proeminentes que você participa e que ajudou a fundar é o Bibliotecários Sem Fronteira. Como surgiu o BSF e que tipo de discussão ele se propõe?
M. B.: O BSF surgiu como um veículo de comunicação da biblioteconomia para o público não-bibliotecário. Mas ele acabou seguindo a linha da comunicação interprofissional, servindo como um mural de publicações efêmeras e informais, que não se enquadraria nem teria as credenciais suficientes para figurar nas revistas tradicionais acadêmicas da área. Então ele acaba estimulando esse tipo de discussão, não-intencional, de que um canal de comunicação distinto dos meios formais ainda pode alcançar autoridade e reconhecimento.
As discussões nada mais são do que pedaços de interesses dos editores individuais, com a expectativa de compartilhar essas informações. Digamos que eu me sinta privilegiado por conhecer algo, por ler algo, por descobrir algo e eu simplesmente quero compartilhar esse privilegio com meus colegas de profissão escrevendo em um blog. O BSF é isso.
O curioso é que hoje, graças à nossa longevidade, o blog acabou retornando às origens, se tornando um ponto de entrada no google para pessoas que querem conhecer e saber mais sobre biblioteconomia.
Nós recebemos dezenas de emails mensalmente, e sentimos que as pessoas recorrem à nós por nos reconhecerem como profissionais da área, capazes de oferecer dicas e informações valiosas.

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