O trabalho do bibliotecário (o profissional que atua em unidades de informação, especificamente as bibliotecas) envolve a realização rotineira de atividades que englobam o uso das tecnologias de informação além de oferecer contato direto com o acervo físico (livros, periódicos, etc.). O acervo das bibliotecas é composto por materiais que se degradam com o tempo devido a sua utilização e pelo manuseio do homem. Quando o acervo de uma biblioteca não recebe tratamento e higienização adequados para sua conservação e preservação e o bibliotecário não utiliza equipamentos de proteção individual para a sua manipulação pode estar vulnerável a riscos de contaminação por agentes biológicos e patógenos. Por essas características as bibliotecas são consideradas um ambiente insalubre.

O direito à saúde é reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um direito humano que assim a conceitua: saúde é o completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença (DEJOURS, 1986).

A literatura aponta que a baixa produtividade sobre este tema acarreta a invisibilidade do fenômeno, ocasionando impactos como o não reconhecimento dos problemas de saúde adquiridos pelos profissionais ao exercerem suas atividades laborais, ou seja, problemas resultantes da exposição ocupacional, que são esquecidos por parte das autoridades jurídicas. Percebe-se que as preocupações relacionadas ao bem-estar do profissional associadas ao ambiente de trabalho são fatores esquecidos também nas produções em Biblioteconomia. (SOUZA; SILVA, 2007).

O trabalho do bibliotecário não está inserido dentre aqueles de “grande massa”, portanto há raros textos tanto no Brasil quanto no exterior sobre a análise das funções e dos ambientes de trabalho destes profissionais. De acordo com Souza e Silva (2007, p. 129) podemos verificar que:

Isso parece ter relação com a limitada visibilidade social do bibliotecário, que pode decorrer de fatores como: ser ele parte de uma profissão com pequeno contingente de profissionais, quando comparada a outras profissões do setor de ciências sociais aplicadas; advir de uma educação universitária que, no país ou no exterior, conta com pequeno número de escolas; fazer parte de uma contexto cultural em que predomina a informalidade nas transações discursivas, etc. Isso contribui para um relativo desconhecimento da população sobre essa profissão, o que, no caso brasileiro, também colabora no sentido de que seu ambiente de trabalho ainda não seja o mais apropriado em termos de proporcionar bem-estar ocupacional em todas as circunstâncias e em todas as organizações empregadoras.

Neste sentido a biossegurança vem a ser o conjunto de teorias e práticas que atuam na prevenção aos riscos oriundos de todas as atividades ligadas aos seres vivos e ao meio ambiente objetivando sua segurança. A biossegurança normalmente é usada na área da saúde, medicina e enfermagem, indicando normas para a realização de atividades em laboratórios de pesquisas clínicas a fim de oferecer segurança aos seus pesquisadores e a prevenção de eventuais contaminações ao meio ambiente (SANTANA, 2014).

Da mesma maneira as práticas de biossegurança podem ser aplicadas na biblioteca e auxiliar na prevenção e segurança dos profissionais e usuários envolvidos. Por se tratar de um ambiente que oferece riscos à saúde é importante conscientizar toda a classe profissional o quanto antes para este tema que é pouco abordado pela literatura científica da área de Biblioteconomia. Para isso é importante ressaltar a inclusão desta temática como disciplina dos cursos de graduação para que desde então os futuros bibliotecários possam estar conscientes dos possíveis riscos relacionados a sua saúde para assim proteger-se. Segundo Rodrigues (2002, p. 14) a educação superior deve ser aquela que “não atenda apenas às demandas do mercado, mas, que sem desconsiderá-las, esteja fundamentalmente comprometida com a formação de um cidadão imbuído de valores éticos”.

O ensino de Biblioteconomia no Brasil teve início no século XX, na Biblioteca Nacional (BN) no Rio de Janeiro por meio de cursos livres na área. Em 1911 ganhou o status de curso universitário e em 1915 iniciou suas atividades tendo sido formulado com base no curso francês oferecido pela École Nationale des Chartes (OLIVEIRA; CARVALHO; SOUZA, 2009). A UNIRIO na década de 1970 herdou o curso de Biblioteconomia da BN, sendo então vinculado a uma instituição de ensino superior. O ensino de Biblioteconomia no Brasil completou cem anos de existência, demonstrando avanços como a criação de um curso à distância pela Universidade Aberta do Brasil (UAB).

A grade curricular dos cursos de Biblioteconomia no Brasil é composta tanto por disciplinas técnicas, relativas ao fazer profissional do bibliotecário como disciplinas de caráter humanístico e cultural. Disciplinas que abordem questões relativas aos riscos ocupacionais no ambiente de trabalho e sua relação com o profissional da informação ainda são pouco abordadas. Geralmente o foco é nos acervos, sua conservação e preservação, enquanto a saúde física e mental do bibliotecário parece estar em segundo plano.

Segundo Duarte et. al. (2016) quando se reflete sobre as questões do currículo do curso de Biblioteconomia devemos levar em conta a necessidade de se repensar uma lógica curricular segmentada que não preenche as necessidades formacionais dos profissionais bibliotecários e que os discentes participem ativamente da estruturação e transformações do currículo de forma a atender as demandas contemporâneas da profissão.

Ao se analisar as disciplinas que contribuem para a formação profissional dos bibliotecários é importante que as possibilidades de práticas bibliotecárias e também outras questões que envolvam o profissional como sua saúde física no ambiente de trabalho vá de encontro com as demandas atuais. Infere-se que os futuros profissionais sendo capacitados para os riscos e práticas de segurança à saúde já em sua formação inicial estarão aptos a exercerem a profissão muito mais conscientes de seus direitos.

O bibliotecário deve adotar uma postura crítica perante os desafios impostos pela profissão, atuando de maneira participativa na organização da qual faça parte e reivindicando por seus direitos de segurança à saúde em seu ambiente de trabalho. Neste sentido, os discentes e futuros profissionais também devem participar na formação curricular do curso e acompanharem as transformações do cenário atual.

Sendo assim para Arroyo (2008 apud Duarte et. al., 2016, p. 160) currículo “é o conjunto de matérias ou disciplinas ministradas em determinado curso […], abrangendo os planos de estudo e de ação, programa de ensino, conteúdos […], metodologias, instrumentos e estratégias, projetos e atividades diversificadas”.

Dentre outras reflexões em torno da formação curricular, Coll (1996 apud Duarte et. al., 2016, p. 160) enfatiza que:

  • O currículo é um projeto, não está pronto e deve ser construído com a permanente participação de docentes e discentes;
  • O currículo é abrangente, não compreende apenas as matérias e os conteúdos do conhecimento, mas também sua organização;
  • O currículo é um guia, um instrumento para orientar a prática educativa devendo ser modificado quando necessário;
  • O currículo é um instrumento a serviço do formador/educador para orientar no processo de ensino-aprendizagem, construir identidades e modificar o próprio currículo de acordo com as aptidões, interesses e características culturais dos discentes.

A formação dos futuros bibliotecários é responsabilidade não só dos docentes, mas também dos discentes que devem assumir uma postura crítica e proativa estando qualificados principalmente para saber se relacionarem e superarem as divergências e dificuldades da profissão (DUARTE et. al., 2016).

A biblioteca por sua natureza é considerada um ambiente insalubre pois abriga um acervo suscetível a infestação de pragas assim como o ambiente de trabalho devido a fatores ergonômicos. No caso do acervo constituído predominantemente de escritos impressos, a autora afirma que: “O papel, mesmo que possua todas as propriedades físicas e químicas que o façam durar séculos sofre a influência de condições ambientais que podem prejudica-los” (CORUJEIRA, 1971, p. 13). A autora também atribui as causas da deterioração de documentos a três fatores: “1) Físicos – umidade, temperatura e luz; 2) Químicos – acidez do papel e tintas de escrever; 3) Biológicos – insetos, microrganismos, homem” (CORUJEIRA, 1971, p. 13).

Neste sentido o ambiente de trabalho dos bibliotecários pode ser considerado insalubre, visto que é composto por papéis, livros, revistas, jornais além de outros materiais com facilidade de atrair e acumular mofo, poeira, fungos, bactérias e outros agentes agressores para o acervo, mas principalmente para a saúde do profissional (SANTOS, 2007).

Os ambientes fechados, especialmente as bibliotecas, apresentam além de seu acervo uma ampla diversidade de fontes poluentes, sendo considerados multifacetados pois contém elementos como temperatura, iluminação e ruído dentre suas características. De acordo com o autor:

A forma de ocupação destes ambientes favorece os processos de poluição, impondo frequentemente o acúmulo de grandes quantidades de papéis além de outras características culturais que estão transformando estes ambientes de trabalho em locais insalubres, os quais vêm proporcionando a seus usuários uma qualidade de vida insatisfatória (SIQUEIRA, 1998, p. 244).

Diversos estudos indicam que um dos profissionais mais atingidos por doenças ocupacionais são o bibliotecário e o técnico de biblioteca e que doenças ocupacionais relacionadas a riscos químicos, físicos, ergonômicos, biológicos e mecânicos estão afetando cada vez mais a saúde física e mental destes profissionais. Alguns autores afirmam serem os riscos biológicos e mecânicos os mais frequentes no ambiente de trabalho dos profissionais da informação. Independentemente do tipo de risco é preciso conhecê-los para então elaborar ações visando a sua eliminação e/ou minimização. Os riscos ocupacionais são facilmente identificados desde que haja um acompanhamento sistemático do local de trabalho por meio de profissionais responsáveis pela gestão da segurança e saúde da organização (ULGUIM; MUNIZ; WINIK, 2018).

Sendo assim temos diversos agentes causadores de doenças ocupacionais que geralmente dependem da frequência com que ocorrem e do histórico de saúde do trabalhador tais como suas condições de saúde, idade, sexo, entre outros. As doenças ocupacionais podem ser classificadas de acordo com o seu tipo de risco que podem ser:

  • Riscos físicos: frio, calor, ruído, umidade, pressões normais, radiações;
  • Riscos químicos: gases, vapores, poeiras, fumos, névoas, produtos químicos em geral;
  • Riscos biológicos: vírus, bactérias, fungos, parasitas, protozoários, bacilos;
  • Riscos ergonômicos: postura, esforço físico, ritmo de trabalho, transporte de peso (WEBSTER, 1998).

A OMS elenca as doenças ocupacionais em duas principais categorias: doença profissional e doença relacionada ao trabalho, na qual a primeira refere-se a doenças “inerentes” a atividade profissional e a segunda corresponde às doenças que se manifestam devido a vários agentes causadores dentre eles os laborais (BRASIL, 2001).

Deste modo os bibliotecários podem adquirir doenças profissionais e de trabalho devido a rotina de seu dia a dia e ao ambiente ao qual estão constantemente expostos.

Vindo de encontro aos riscos ocupacionais encontrados nos ambientes de trabalho, de acordo com Teixeira e Valle (2017) a biossegurança é considerada o conjunto de ações destinadas à prevenção, minimização ou eliminação de riscos ligados às atividades de pesquisa, ensino e prestação de serviços visando à saúde do homem e a qualidade dos resultados. Seu propósito fundamental é garantir a segurança dos profissionais em suas atividades laborais seja para os procedimentos nos quais atuem quanto para o ambiente. Estas ações quando aplicadas em unidades de informação podem prevenir e/ou minimizar os efeitos nocivos inerentes ao trabalho e ao espaço da biblioteca refletindo na qualidade do trabalho do bibliotecário.

Da mesma forma Chaves (2016, p. 3 apud SILVA, 2019, p. 39) reitera que:

A biossegurança tem o papel fundamental na promoção à saúde, uma vez que aborda medidas de controle de infecção para proteção dos funcionários que atuam na rede laboratorial, além de colaborar para a preservação do meio ambiente, no que se refere ao descarte de resíduos proveniente desse ambiente, contribuindo para a redução de riscos à saúde.

O termo biossegurança possui relação com a segurança do trabalho visto que “bio” significa vida e, portanto, podemos inferir que abrange toda a segurança e proteção à vida em diferentes atividades. Apesar de o conceito de biossegurança ser mais difundido nos ambientes médicos e hospitalares é possível aplicá-los em outros ambientes tais como as bibliotecas que oferecem também riscos aos seus profissionais e usuários. Do mesmo modo a autora ratifica que as bibliotecas são ambientes que oferecem riscos aos seus profissionais, sendo assim:

Os estabelecimentos que são abertos ao público e que prestam serviço à sociedade, objetivando informação, conhecimento e educação, devem considerar que os objetos aí reunidos, do mesmo modo os trabalhadores que os mantêm, conservam, analisam e guardam, estarão expostos às mais diversas formas e condições de contato com agentes de risco. O planejamento dos ambientes e o uso de equipamentos de proteção no espaço onde os objetos receberão tratamento para preservação, e posteriormente exposição, deverão seguir padrões técnicos e estruturais que garantam tanto a segurança do trabalhador quanto dos objetos em questão (SILVA, 2012, p. 143).

Além disso Souza e Silva (2007, p. 134) enfatizam a importância da conscientização da classe de bibliotecários quanto as medidas de prevenção e segurança:

Ter a consciência disso deveria levá-lo a recomendar e, em último caso, a exigir, um mínimo de medidas de segurança no ambiente em que trabalha, independente das atividades que desempenhe. Ainda que nem todos os bibliotecários exerçam funções de conservadores e preservadores de acervo, mas também como processadores técnicos, bibliotecários de referência, revisores, professores, consultores, entre outras atividades, todos devem priorizar o cuidado de sua saúde ou diferentes ações de caráter físico-psíquicas, como em esforços repetitivos, posicionamento corporal, motivação, sedentarismo, stress, entre muitos agravantes que se manifestam no ambiente ocupacional.

Apesar de muitas instituições públicas e privadas apresentarem uma realidade muito aquém do que se espera cabe ao bibliotecário lembrar-se de que além de seu papel social, ele possui um corpo físico e uma mente que necessitam de atenção e cuidados especiais.

Refletir a respeito da constituição dos currículos do curso de Biblioteconomia no Brasil atravessa os objetivos do ensino superior sendo necessário o diálogo entre as esferas profissional e governamental. Por um lado, a formação do bibliotecário deve ser capaz de oferecer conhecimentos e competências para atender as demandas da sociedade. Por outro não se pode deixar de lado a importância da proteção e segurança à saúde do bibliotecário em seu ambiente de trabalho.

A discussão a respeito da inserção da biossegurança nos currículos de Biblioteconomia é uma indicação de possíveis mudanças que precisam ser instaladas e que se dará por meio da formação de um bibliotecário capaz de atuar mais criticamente.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Ações programáticas e Estratégicas. Área Técnica de Saúde do Trabalhador. Lesões por Esforços Repetitivos (LER) e Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT). Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2001. 36 p.

CORUJEIRA, Lindaura Alban. Conserve e restaure seus documentos. Salvador: Itapuã, 1971. 92 p.

DEJOURS, Christophe. Por um novo conceito de saúde. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional. n. 54, v. 14, p. 7-11, abr./jun., 1986.

DUARTE, Emeide Nóbrega et. al. Ciência da Informação, Brasília, DF, v. 45 n. 3, p.156-171, set./dez. 2016.

OLIVEIRA, Marlene; CARVALHO, Gabrielle Francinne; SOUZA, Gustavo Tanus. Trajetória histórica do ensino da Biblioteconomia no Brasil. Informação & Sociedade: Estudos, João Pessoa, v. 19, n. 3, p. 13- 24, set./dez. 2009.

RODRIGUES, Mara Eliane Fonseca. A formação profissional em Biblioteconomia: superando limites e construindo possibilidades. Encontros Bibli, Florianópolis, n.13, p.13-24, 2002.

SANTANA, Rogério. Biossegurança em Biblioteconomia: uma abordagem para conservação de acervos, profissionais e usuários em bibliotecas. Rio de Janeiro, 2014. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Biblioteconomia). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Escola de Biblioteconomia. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2014.

SANTOS, Jociene Xavier dos. O profissional bibliotecário e os desafios de um ambiente insalubre. Salvador, 2007. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Biblioteconomia). Universidade Federal da Bahia, Instituto de Ciência da Informação. Salvador: UFBA, 2007.

SILVA, Francelina Helena Alvarenga Lima e. Biossegurança e biosseguridade em bibliotecas, arquivos e museus. In: SILVA, Maria Celina S. M. Segurança de acervos culturais. Rio de Janeiro, MAST, 2012. p. 143-166.

______, Rayssa Tavares da. Biossegurança para os alunos de Biblioteconomia da UNIRIO: uma proposta para sua inserção desde os primeiros períodos de graduação. Rio de Janeiro, 2019. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Biblioteconomia). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Escola de Biblioteconomia. Rio de Janeiro: UNIRIO, 2019.

SIQUEIRA, Luiz Fernando de Góes. O controle de qualidade do ar de interiores e a saúde ocupacional. In: VIEIRA, Sebastião Ivone (Org.). Medicina básica do trabalho. Curitiba: Gênesis, 1998. v. 5, p. 241-245.

SOUZA, Francisco das Chagas de; SILVA, Paula Sanhudo da. O trabalho do bibliotecário e os riscos potenciais a sua saúde integral em torno do campo da ergonomia. Em Questão, Porto Alegre, v.13, n.1, p. 127-146, jan./ jun. 2007.

TEIXEIRA, Pedro; VALLE, Silvio (Orgs). Biossegurança: uma abordagem multidisciplinar. 2.ed. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2017.

ULGUIM, Fernanda Oliveira; MUNIZ, Carine; WIKIN, Verônica. Doenças ocupacionais: contexto histórico e realidade da região dos Vales/RS. Revista Saúde, Santa Maria, v. 44, n. 3, 2018.

WEBSTER, Marcelo Fontanella. Princípios de segurança e higiene do trabalho. In: VIEIRA, Sebastião Ivone (Org.). Medicina básica do trabalho. 2.ed. Curitiba: Gênesis, 1998. v. 5, p. 257-268.

Comentários

Comentários