“Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão no mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como Navegante Negro
Tinha a dignidade de um mestre-sala […]
Rubras cascatas
Jorravam das costas dos santos entre cantos e chibatas
Inundando o coração do pessoal do porão
Que a exemplo do feiticeiro gritava, então […]”
(Letra de O Mestre Sala dos Mares. Compositores: João Bosco e Aldir Blanc).
No último dia 12 de março, o marinheiro João Cândido, conhecido como o Almirante Negro, recebeu mais uma homenagem no Estado do Rio de Janeiro. Uma placa foi fixada no lar onde João Cândido viveu e que ainda residem seus descendentes em São João de Meriti. O muro ganhou um grafite especial em homenagem ao herói. Vale destacar que, em 2010, João Cândido foi incluído no livro de Heróis e Heróinas do Estado do RJ, Lei Estadual nº 5.808 de 25/08/2010, de autoria dos deputados da ALERJ, André Ceciliano e Waldeck Carneiro.
Segundo a Casa da Cultura da Baixada Fluminense , além dos deputados André Ceciliano e Waldeck Carneiro, estiveram presentes, o filho Candinho, outras autoridades do legislativo nacional, como o deputado Chico Dangelo, legislativos estadual, municipal, secretários, diretor do IFRJ, lideranças do movimento negro e sociais e os representantes da Casa da Cultura: Jorge Florêncio (fundador) e Diretora Letícia Florêncio. O evento iniciou na Casa da Cultura e finalizou com a inauguração da placa. Nas mídias sociais, Waldeck Carneiro escreveu:
“João Cândido, o maior líder da Revolta da Chibata, é uma inspiração na luta dos trabalhadores de todo o Brasil, principalmente negros e negras, e merece ser sempre lembrado e homenageado! Em breve, São João de Meriti também passará a contar com um Museu que contará a sua história! Viva o Almirante Negro!”.
Um breve histórico sobre João Cândido
Segundo o verbete do Centro de Documentação da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV), João Cândido nasceu em 1880, no Rio Grande do Sul, filho de ex-escravos. Ingressou na Marinha aos 14 anos por alistamento em 1895 na cidade do Rio de Janeiro. Fez carreira na Marinha e viajou por várias partes do mundo, como a Inglaterra. De início, o marinheiro recebia as instruções, depois ele passou a dar as instruções. Aos poucos, João Cândido conquistou o respeito dos colegas e elogios dos oficiais. No exterior, os marinheiros tomaram conhecimento de movimentos de marinheiros por melhores condições de trabalho e direitos humanos.
Ainda no início do século XX, a Marinha de Guerra do Brasil punia seus marinheiros duramente como se fossem escravos chegando a 25 chibatadas. Teoricamente, a Marinha também havia abolido tais castigos pelo Decreto nº 3 (16/11/1889), um dos primeiros atos legais da República. As condutas educacionais punitivas já haviam sido abolidas pelo Exército.
Durante a trajetória militar, João Cândido sofreu algumas repressões, porém ele não chegou a apanhar. Devido ao seu reconhecimento, João Cândido tornou-se líder dos marinheiros e tentou de modo pacífico resolver a situação com o presidente Nilo Peçanha (1909-1910). Foi apelidado pela impressa de Almirante Negro. Os marinheiros reivindicavam melhores condições de trabalho, contra a má alimentação e os castigos físicos. No dia 21 de novembro de 1910, o marinheiro Marcelino Rodrigues de Menezes sofreu a punição mais rígida, com 250 chibatadas, e tal ato de crueldade fez com que eclodisse a Revolta da Chibata.
O Almirante Negro tinha em seu comando, aproximadamente, 2mil e 400 homens. João Cândido acabou sendo expulso da Marinha, foi preso em condições insalubres com outros (sendo que a maioria faleceu), depois foi transferido para um hospital psiquiátrico. Foi solto e absolvido em 1912. Longe da Marinha, passou a ter uma vida dura e pobre como estivador na Praça XV. Anos depois, foi convidado a fazer parte da Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento nacionalista de extrema-direita, sendo líder no bairro da Gamboa. Faleceu em 1969, aos 89 anos, vítima de câncer.
Os poderes executivo e legislativo brasileiros, nas últimas décadas, vêm prestando homenagens e dando reconhecimento ao João Cândido, o Almirante Negro, tornando-o cada vez mais conhecido como um herói brasileiro para a população atual e futura. Em 2007, foi inaugurada uma estátua na cidade do Rio, que atualmente está na Praça XV e, em 2008, foi anistiado post-mortem no dia da Abolição da Escravatura no Brasil.
Para quem tiver interesse, recomendo: o Programa Nação (rede TVE-RS, exibido em 21/11/2014) que contou a história de João Cândido, o Almirante Negro, e a Revolta da Chibata. Este programa traz muitas informações relevantes de pesquisadores e trechos da entrevista de João Cândido dada ao Museu de Imagem e Som. Assim como recomendo o e-book: João Cândido: o mestre sala dos mares organizado, publicado e disponível gratuitamente no site da Editora da Universidade Federal Fluminense (EdUFF).
Por fim, é muito bom saber que filhos e/ou netos de escravos, como o João Cândido e outros como os escritores Carolina de Jesus e Machado de Assis são importantes para história, a cultura e a sociedade brasileira. É preciso dar o mérito a cada um e torná-los representantes da população afro-brasileira. Que suas vozes ecoem e que surjam mais personalidades negras de destaque no país!