Ele se envolveu no desenvolvimento de um memorial para sua bisavó, que foi perseguida e assassinada em um campo de concentração na Alemanha nazista. Esta entrevista é uma história sobre a tentativa de lutar pela memória, sobre o processo de busca de informações para lembrar aqueles que foram assassinados.

T. me recebeu em seu apartamento em Berlim após nosso contato ter sido estabelecido pela equipe do museu local responsável pela organização da instalação da “pedra de tropeço” na região. A seu pedido, eu manterei o seu anonimato.

Esta entrevista, que agora estou compartilhando com o público da Revista Biblioo, destaca pontos fundamentais sobre nosso trabalho como bibliotecários e profissionais da informação, tais como a dimensão política de nosso trabalho, a importância de preservar as coleções, e também a necessidade urgente de acuidade e precisão nos metadados que produzimos. 

Nós somos os operadores técnicos desta memória cultural, somos aqueles que preservam as mídias, que lidamos com a informação, que criamos o conhecimento sobre determinada coleção e que gerenciamos as instituições. Quando lidamos com coleções de memoriais, arquivos do Estado, estantes e mais estantes de documentação, nós estamos lidando com pelo menos duas escalas de complexidade: principalmente as histórias dos sujeitos, famílias e grupos, mas também os traumas culturais da sociedade como um todo.

Eu entendo que é fundamental partir da dimensão destas escalas, agir com base em princípios políticos sólidos que não nos permitem recuar ou ceder, trabalhar com as informações sensíveis sobre violência estatal, regimes políticos e também com a sensibilidade de apoiar indivíduos em suas diferentes demandas por reparação, memória e justiça. 

No entanto, esta conversa com T. mostra a sensibilidade destas exigências vindas de outro agente desta memória. Ele descreve as razões dos seus mais de três anos dedicados à pesquisa sobre a biografia de sua bisavó e de toda sua família. Nessa conversa eu não discuti procedimentos e aspectos técnicos, mas a trajetória de uma pessoa que, mobilizada pelo desejo de homenagear sua bisavó, realizou uma pesquisa profunda e sensível que agora está a caminho de se tornar um memorial. 

Você poderia me contar um pouco sobre você: sua infância, sua juventude, onde você cresceu? 

Eu cresci aqui em Berlim, não muito longe do endereço da minha bisavó. Minha avó ia frequentemente a este lugar. Naturalmente, sem que eu soubesse naquela época, quando criança, qual era a história por trás disso. Ela sempre me disse que adorava esta área. Em minha juventude e na infância, nunca se falou sobre este tema. O Terceiro Reich era um enorme tabu.  

Tive uma experiência interessante na escola, que foi no início dos anos 60, quando freqüentei a escola primária. Uma garota veio à escola e sentou-se ao meu lado e nós éramos amigos muito próximos. Nós sempre compartilhávamos as merendas. E então ela me deu um abacate, algo que não existia em Berlim naquela época. Ninguém sabia o que fazer com isso. Contei aos meus pais sobre isso e lhes mostrei, e é claro que eles ficaram muito intrigados com a procedência deste abacate, e então eu lhes disse: “Esta é uma menina de Israel”, e meus pais ficaram horrorizados que logo uma menina de Israel, mesmo tendo todos os lugares para surgir, aparecesse na escola e se sentasse exatamente ao meu lado. Eles então intervieram na escola para me impedir de sentar ao lado dessa garota e me disseram para parar de fazer contato com ela. 

Eu fui surpreendido por isto na época, não o entendi e só mais tarde ficou claro que este medo ainda existia, especialmente com minha avó, que algo como isso aconteceria novamente. Ela dizia isso repetidas vezes quando se falava nesse assunto. No decorrer da minha juventude também houve mais esclarecimento sobre os acontecimentos, houve muito mais discussão. Haviam as reportagens do Shoah, haviam também as reportagens de televisão e os novos filmes. 

Minha avó ainda não queria falar sobre este assunto. Ela apenas disse que não queria que nada fosse publicado ou que nada fosse dito porque tudo aquilo poderia acontecer novamente. Aconteceu com ela e ela não acreditava que isso não pudesse se repetir. Depois entendi porque era tão difícil falar sobre tais assuntos. Porque havia simplesmente esta ansiedade e isto não se conformava com ela. O que também resultou do fato de que, no período pós-guerra, os idosos da Alemanha nazista continuaram a trabalhar em determinadas posições. Houve então uma compensação por tudo que houve nesse período. Minha avó teve que usar a estrela amarela…Houve uma compensação para a residência de minha bisavó. 

O processo legal sobre essa compensação foi bastante brutal, porque os juízes então perguntaram se a SS foi capaz de confiscar os móveis. Nesse processo dizia que ela era dona de um aparelho de rádio, o que na verdade era proibido há muito tempo. E minha avó teve que lidar com isso e ainda teve que se justificar pelo fato de que as leis nazistas não foram respeitadas por minha bisavó. Em retrospectiva, eu acho isso bastante violento.

Você me disse em seu e-mail que estas mobilizações e memórias chegaram tarde demais para você. Qual foi sua motivação para pesquisar e falar sobre sua família e suas experiências? 

Isto está relacionado ao meu pai. A relação com meu pai foi muito tensa durante grande parte da minha vida. Meu pai foi muito autoritário na minha infância. Saí de casa de meus pais quando eu tinha 18 anos, o que foi o mais cedo que pude fazer. Levei algum tempo para me aproximar novamente da minha família. 

Quando fiz 50 anos, houve um momento ruim na minha vida, e fui para a terapia. Uma das coisas que eu deveria fazer nesta terapia era me colocar no lugar de meu pai. Eu também deveria me colocar no lugar de meu pai, como era para ele naquela época, ser perseguido, esconder-se com sua mãe, como ele tinha que proteger sua mãe, por assim dizer, e refletir sobre todo este tempo. 

Então eu acho que entendi um pouco mais porque ele queria me educar da maneira que ele me educou. Portanto, eu sempre deveria ser melhor do que todos os outros, provavelmente ele tinha que ser. Acho que ele herdou muito daquela época. E então foi um pouco mais fácil para mim entendê-lo e durante esta terapia decidi perguntar-lhe se poderíamos ir juntos a Theresienstadt para juntos ver Theresienstadt, a fim de acompanhar o que realmente aconteceu com sua bisavó. Esse foi mais ou menos o começo desta história. 

Desde que me mudei para o Bairro da Baviera, vim a saber que minha bisavó morava praticamente a uma rua de distância de mim, e contei ao meu pai sobre isso. Acho que fez muito bem ao meu pai que ele não o visse mais como uma mácula, mas que eu estava muito interessado e disposto a falar com ele sobre aquele tempo. 

Foto pessoal de uma cerimônia de instalação de uma instalação de pedra de tropeço em Berlim.

Como as questões desta época começaram a surgir para você em sua família? 

Eu amo minha avó. Essa foi uma pessoa de referência muito forte em minha vida. Ela também vivia na mesma casa, no passado. Vivíamos na casa da frente e ela vivia na casa do jardim com seu marido. Lá também havia um pequeno jardim, eles moravam no andar térreo. Um pequeno jardim de quintal, e eu me diverti muito brincando lá quando era criança. Ela era uma mulher amorosa que me mimou muito, mas também me contou muito, e tudo se tornou mais interessante só depois, porque acho que ela não podia falar com ninguém sobre este momento difícil. 

E eu, como quem não experimentou tudo aquilo, e de repente ela começou a falar de seus irmãos e de como seu irmão era maravilhoso e que homem bonito ele era. Eu sempre perguntava algo: “Onde ele está? O que é…” e depois sempre terminava a conversa. Mas ela sempre me dizia algumas coisas que tinha vivido durante aquele tempo e eu não conseguia entender, só muito mais tarde é que entendi esses antecedentes e o seu sofrimento. Minha avó também tomou drogas psicotrópicas depois de 1945 a fim de suprimir estas tristezas. 

Eu tive a sorte de ir para a terapia e chegar a um entendimento sobre essas coisas, naquela época não assim que tais coisas eram tratadas. Foi tudo muito reprimido. E isso só foi possível em parte com remédios contra os distúrbios do sono e ataques de pânico, etc., que aconteciam repetidamente.

Durante nossa conversa, fiquei particularmente impressionada com a quantidade de documentos diferentes que ele havia coletado dos mais diferentes e mais remotos arquivos. E também uma pintura muito bonita, a pintura de uma mulher alegre. Ele havia me falado sobre a pintura em nosso primeiro e-mail. 

Você poderia me contar sobre essa pintura?

Esta é uma pintura a óleo. Foi pintada no local onde minha bisavó nasceu. Foi em Czernowitz, na antiga Áustria. Hoje é a Ucrânia. Esta foto veio então comigo para Berlim, onde ela ainda é retratada em sua juventude. 

Esta foto estava sempre pendurada acima do sofá dos meus avós. Era bastante respeitada. Mas sobre ela também me disseram: “Esta é sua bisavó, que infelizmente você não pode mais ver” Mas os motivos, é claro, não eram  contados, e sim apenas que ela simplesmente não vive mais e que é uma grande pena que eu não possa mais vê-la. 

Esta foto veio depois da morte de minha avó para meus pais. Desde que meus pais chegaram há meio ano atrás em uma residência de repouso, onde a foto já não cabia mais, eu então a assumi como um membro da família. Este quadro é algo como uma cultura de lembrança da injustiça que aconteceu naquela época.

Em que medida a experiência de sua família durante o Nacional Socialismo influencia sua vida hoje?

Sim, isso é sempre difícil de ser compreendido. Eu me formei em pedagogia/ trabalho social como uma profissão social. Minha irmã também escolheu uma profissão muito relacionada ao social, como enfermeira. Talvez no contexto do desejo de melhorar o mundo. Mas essa também era uma idéia básica em minha juventude naquela época, de qualquer forma. Muitos queriam criar um mundo melhor.

Éramos todos contra as guerras, contra a Guerra no Vietnã. Nós queríamos mudar a sociedade. Havia esse espírito de otimismo e, em última análise, também levou a uma reavaliação do Terceiro Reich e a um questionamento de “Como foi possível chegar a isso? Como poderia acontecer que não fosse um tema de conversa por tanto tempo e que fosse omitido, recalcado”? Isso também me motivou a olhar para os bastidores e dizer: “O que era então?”, “O que era então, o que é hoje?”. O que é hoje novamente que está crescendo”? Isso também me assusta um pouco, para ser honesto, que para que essas velhas histórias se reacendem exatamente como naquela época, portanto com todas as suas consequências. 

Ainda estou otimista, no entanto. Ainda assim, esta repetição da minha avó está presente: “Está tudo voltando! E mesmo que vivamos livremente aqui, esse também foi o caso na época da República de Weimar. Também havia ali grandes liberdades, um grande espírito de otimismo, e mesmo assim veio o Nacional-socialismo”.

Acho que isso era algo em que as pessoas também não acreditavam naquela época. Mesmo que as coisas estejam indo bem agora, não será completamente diferente daqui a alguns anos? Às vezes eu mesmo me pego que isto continua vindo assim: “Talvez tudo volte,  talvez aquilo tudo retorne”. Espero que não, é claro, e não acho que esse seja o maior perigo agora. Mas acho que é preciso ter cuidado e que é preciso enfrentar especialmente os adolescentes e as crianças com este tempo. 

Não para que eles se sintam culpados como alemães, mas que tenham que tomar cuidado para que algo assim não volte a acontecer.

Em sua pesquisa, T. tratou de dados biográficos, tais como a confirmação da data de nascimento, que ele encontrou, mas de forma inconsistente, e nomes com diferentes grafias até que a data e a causa da morte fossem confirmadas. Além dessas dificuldades, que são comuns na pesquisa de identidade e vítimas, fatores externos também têm impacto, como as constantes mudanças geográficas que a Europa experimentou desde os anos 30, e também questões idiomáticas e barreiras lingüísticas.

Você poderia me contar um pouco sobre o processo de sua pesquisa para a biografia de sua família? Você utilizou coleções e arquivos públicos? Que materiais você utilizou para esta reconstrução biográfica? 

Bom, eu descobri o nome de minha bisavó pela primeira vez quando eu estava trabalhando no Bairro da Baviera, aqui em Schonenberg. Aqui na prefeitura há uma documentação que deu origem à exposição “Nós éramos vizinhos”. Ela é uma exposição permanente, então fui lá e fiz algumas pesquisas. As histórias de vida são descritas em detalhes, mas minha bisavó não está incluída. No entanto, você pode aprender muito sobre esta área residencial.

A exposição se chama “Nós éramos vizinhos” no sentido de que muitos judeus viviam aqui e que eles eram bons vizinhos e, de repente, todos tiveram que partir. Depois eu fiz terapia e tive o desejo de ir a Theresienstadt para vê-la com meu pai. Foi muito deprimente. Theresienstadt é um lugar bastante assustador. Não há sinal de vida lá naquele espaço. Tudo continua a deteriorar-se em grande medida, mas ainda existem alguns museus e alguns espaços para lidar sobre o tema. Então era possível entender definitivamente como as pessoas estavam alojadas ali. 

Minha bisavó, era mais velha, também tinha dificuldades de locomoção. Por causa de seu quadril, que não podia mais ser operado e tratado, ela só podia andar com uma bengala. Havia ali quartos com camas de três andares e eu não queria imaginar como ela poderia sobreviver ali e, no final, ela sobreviveu mesmo apenas alguns meses.

Na sua opinião, qual a importância dos arquivos, bibliotecas e museus na preservação da memória? 

É importante de toda forma. 

Eu também estive em Auschwitz, porque os irmãos de minha avó morreram na Polônia. Ou melhor, no caso de um que nós conhecemos, no caso do outro não sabemos se ele morreu no Gueto de Varsóvia ou em um campo de concentração. Penso que devemos continuar mostrando que tipo de perversidade estava por trás da construção de uma fábrica para matar pessoas. 

Eu acho que não há praticamente nenhum outro equivalente e que as pessoas devem continuar conscientes do sistema que estava por trás dele. Eu também acho o Museu Judaico muito interessante aqui em Berlim. Acho que eles fazem grandes exposições. Eles são muito ativos e muito bem posicionados. Esta experiência também está ligada ao meu trabalho atual. Eu trabalho na administração de um abrigo para refugiados. Naquela época eu também fui ao Museu Judaico com crianças e jovens. Principalmente os jovens árabes. Cozinhamos juntos pão judeu, pão árabe, e eles encontraram muitas coisas que são as mesmas em sua cultura como na cultura judaica. Assim, por exemplo, também este pão e não comer carne de porco, etc. Até mesmo os pais não acharam tão bom no início, é claro, mas depois, as crianças voltaram tão empolgadas, que eles se acostumaram com essa abordagem. 

Nestas abordagens, você pode realmente ver como é importante ensinar. E, claro, esses locais também são importantes para alunos mais velhos, outras pessoas que podem ir lá fazer suas pesquisas.

Como os outros membros de sua família lidaram com sua iniciativa? Eles apoiaram suas pesquisas e sua iniciativa com a pedra de tropeço?

Eles ficaram realmente muito orgulhosos por eu estar tão envolvido. Evidentemente, isso também está relacionado ao fato de que tudo isso aconteceu depois que minha avó faleceu. Eu já mencionei que amo muito minha avó e sei que minha avó não teria querido isto. Isso também é um conflito profundo. Porque, você sabe, isso é exatamente o oposto do que ela costumava dizer. “Mantenha um perfil discreto”.

Não fale com ninguém sobre isso, não deixe ninguém saber”. Mesmo quando seu marido morreu, que era meu avô, que no final também ajudou minha avó a sobreviver… Era um “casamento misto”, então ele era protestante e minha avó era judia, e é claro que lhe disseram para se separar de sua esposa judia e ele não fez isso. Mas sempre poderia ter acontecido de ele ter sido morto como um soldado na guerra. 

Minha avó, por exemplo, me disse uma vez que tinha que conseguir cartões de racionamento de alimentos e que as mulheres judias geralmente ficavam ali e eram então classificadas de acordo com a lista de homens mortos. Eles descobriram na distribuição de alimentos que seu marido havia sido morto em ação e imediatamente levada embora. Neste sentimento, ela sempre ia buscar os alimentos. Você não sabia se voltaria quando recebia aqueles cartões de racionamento. Ela também queria me mostrar seu fardo, eu acho, como era ruim para eles até que se esconderam nas montanhas Harz. Ela e seu filho passaram os últimos anos escondidos nas montanhas Harz durante o último ano e meio da guerra. Porque meu avô disse então que achava tudo muito arriscado em Berlim. Claro, a guerra estava se tornando cada vez mais difícil. Ele também queria que eles deixassem Berlim e se escondessem. 

No funeral do meu avô, o padre quis mencionar que meu avô a apoiou em tempos difíceis, e mesmo assim minha avó disse: “Não, pelo amor de Deus”, ela não queria que algo assim fosse dito no funeral, porque então todos perguntariam: “Que tempos difíceis então?” e assim por diante. Isso era pesado demais para ela ouvir e relembrar. O que estamos fazendo aqui agora, ela provavelmente rejeitaria totalmente, ela diria: “Pelo amor de Deus, o que você está fazendo?”. Ela está morta agora… e ainda acho que poderíamos ter conversado com ela. Sim, talvez ela estivesse disposta a isso. Ela era uma mulher muito aberta.

Nessa altura havia acampamentos em Berlim e embora ela já fosse muito velha, estava sempre ao lado dos jovens e dos perseguidos e dos fracos. Penso que isso foi também o resultado desse tempo, que ela era extremamente sensível a quando alguém estava em desvantagem ou quando alguém tinha dificuldades. Quer fossem dificuldades econômicas ou políticas, não importava. Ela também foi sempre muito generosa. Ela sempre disse que se tem de gastar o dinheiro. Ela viveu um pouco mais no momento. Mais ou menos, “Quem sabe o que o amanhã trará”. Ela também nos dava dinheiro, para nós ainda crianças. Mesmo que não recebesse muita mesada dos meus pais, da minha avó eu poderia sempre ir e dizer que preciso de dinheiro para alguma coisa e conseguia-o.

O que pensa das iniciativas e da forma como a Alemanha lida com a memória do nacional-socialismo e do Holocausto? 

Eu acredito que demorou um pouco para lidarmos com tudo isso. Eu considero problemático que, nos tempos em que estas pessoas ainda estavam vivas, não fossem consideradas responsáveis. As pessoas não olharam tão de perto para elas ou melhor, não as reprimiram.

Quando as pessoas têm mais de 90 anos, é difícil dizer novamente, agora vamos ao tribunal para ver o que aconteceu 50 anos antes. Na verdade, tudo isto deveria ter acontecido muito mais cedo. Foram apenas as circunstâncias políticas que levaram a isso. Na minha opinião, era demasiado tarde. Mas bem, isso está a acontecer agora. Penso que temos de viver com isso. No final, também é importante hoje em dia. Porque as Pedras de Tropeço são em parte profanados e ainda provocam provocações ou ainda há pessoas que negam toda esta história. Isso é inimaginável para mim depois de todas as provas e do material ilustrativo nos museus. 

Pode ver como é importante poder ir a Auschwitz e vê-lo. Mesmo que as pessoas pensem que é tudo inventado, é isso que torna tudo isto tão improvável. Se já lá esteve, então pode ver exatamente o que se fez ali e que a minúcia alemã foi usada para matar pessoas, e já não se pode negar isso. 

E por isso, sim, claro, é importante ter estas iniciativas. Não para transmitir a culpa a crianças e jovens uma e outra vez, mas simplesmente para transmitir o conhecimento. Porque as pessoas que lá viviam em breve deixarão de existir e depois haverá apenas um museu ou uma biblioteca onde se pode ler algo do gênero, onde se pode pedir emprestado um livro e saber mais sobre isso. 

Por que razão escolheu homenagear e recordar a sua família com uma “Pedra de tropeço”? Você acredita que estes memoriais podem contribuir para a sensibilização das gerações futuras? 

Eu acho que é muito impressionante e às vezes também assustador ver quantas pedras de tropeço estão em frente a uma casa e ver quantos, mesmo agora mesmo em Berlim. Quantas pessoas foram assassinadas e que isto é mais uma vez mostrado de forma gráfica. O que eu tive dificuldades, ou onde eu pensei por um momento, foram algumas das declarações que vieram da comunidade judaica, que as pessoas pisam nessas pedras de tropeço, porque elas ficam no chão e todos andam sobre elas com seus sapatos. Eu acho que para mim mesmo, isso é uma coisa, você deveria ter algo assim em sua mente. 

Eu também pensei nisso, mas ainda era algo que eu mencionei aqui no contexto, a tal coisa do retorno. Talvez uma placa comemorativa também seja aceitável. Mas agora isso não é comum em Berlim, essas pedras de tropeço, é então um lugar onde você também pode ir. Onde eu sei que minha bisavó morava e onde ela gostaria de ter voltado e onde ela gostaria de continuar vivendo e então pelo menos esta pedra está lá. Não há uma sepultura. 

As pessoas são enterradas em valas comuns e este é ao menos um lugar onde se pode dizer que há algo dessa pessoa. Isso me levou a dizer: “Ótimo, então existe essa pedra de tropeço”. Onde talvez você possa colocar uma flor, que é o que eu vejo aqui na rua. Em certos momentos, mais ou menos no Natal, há uma vela sobre a pedra de tropeço. Há também pessoas nas casas que lidam com isso e depois colocam algo lá e eu não acho que sejam os parentes das vítimas. Eles não vivem lá agora, isso seria uma grande coincidência. Mas são simplesmente pessoas que as vêem e também se interessam por elas.

*Nossa entrevista foi realizada em agosto de 2020. A pedra de tropeço para a sua bisavó foi instalada em outubro de 2020. A versão original desse texto está no idioma alemão, no link do blog “Bibliotecas em Memoriais”.

Comentários

Comentários