Até ir parar atrás das grades, ele jamais tinha lido um livro na vida. Nenhunzinho que fosse. Mesmo trabalhando na universidade – era bedel -, as portas que davam acesso ao prédio da biblioteca não eram exatamente algo que lhe despertasse a atenção.

Do vício para o tráfico de drogas, e daí para os roubos, foi um pulo só. E o mundo pareceu desabar de uma hora para outra na cabeça do rapaz bonito de classe média, condenado a doze anos e dois meses de cadeia.

Quase como castigo, tocou a Florindo Cassimiro, ao chegar à prisão, aos 30 anos, trabalhar como monitor de sala de aula e, como tal, participar das reuniões mensais do clube de leitura – o que, no caso dele, soava como uma pena adicional.

Para não pagar mico diante dos outros presos no encontro seguinte do clube, o rapaz leu o livro escolhido do mês nada menos do que quatro vezes, uma após outra. Não era uma obra qualquer: era a brochura “Sejamos Todos Feministas”, da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, que seria esmiuçado pela humorada  machista do lugar.

O moço foi bem, impressionou com sua fala mansa e, desde então, não parou mais de ler. No ano e sete meses seguintes que passou trancafiado na penitenciária de Serra Azul, interior de São Paulo, devoraria perto de 80 livros. Transferido, mais tarde, para o regime semiaberto em Jardinópolis, sua sanha leitora só fez crescer, e chegou à marca de 147 livros sorvidos desde que se descobrira um leitor tardio deles.

Lá conseguiu trabalho na biblioteca da casa de detenção e ajudou a fundar novos clubes de leitura. Enquanto catalogava e arrumava, não sem sofreguidão, milhares de títulos novos e usados nas prateleiras, estante a estante, descobriria a nova paixão e profissão em seu futuro fora das grades: a biblioteconomia!

Não por coincidência, quem agora assina sua folha de estágio é um ex-agente penitenciário, Ciro Monteiro, bibliotecário de formação, hoje à frente da Biblioteca Sinhá Junqueira, em Ribeirão Preto (SP). Foi Ciro quem o incentivou em seus tempos de cárcere.

Prestes a se tornar, ao que se sabe, o primeiro bibliotecário a obter sua graduação quase que inteiramente na prisão, Florindo é a demonstração contundente do poder de transformação dos livros e da leitura:

“Cada livro que leio é uma experiência fascinante”, ele diz, enquanto sonha com os próximos passos: o mestrado; depois, o doutorado; e, sempre que possível, trabalhar em algum projeto social, como o Clube de Leitura Palavra Mágica, no qual atuou em boa parte de seus sete anos, oito meses e um dia atrás das grades.

“Os livros nos fazem livres”, diz, com autoridade e sem receio de cometer algum trocadilho infame.

Morando só no apartamento no centro de Campinas, não muito longe de sua São José do Rio Pardo, que ficou para trás, assim como o passado nebuloso, o futuro bibliotecário – que ainda tem pela frente cinco anos de condicional para cumprir – faz planos para publicar seu livro de estreia – o romance “Amor Sem Limites”, em fase de revisão e à procura de editora.

Pra quem acredita que o que se passa dentro do cárcere não deve atravessar os muros da penitenciária, Florindo Cassimiro tem uma notícia: ele continua lendo, agora em liberdade, um livro por semana – o mais recente deles é “A Garota Inglesa”, de Daniel Silva.

Desse vício, ele diz que não abre mão.

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