Neste domingo (17) é comemorado o Dia Internacional de Luta contra a LGBTfobia, uma data para celebrar a diversidade contra todos os tipos de preconceito, sobretudo no Brasil, considerado um dos países que mais discrimina e mata pessoas LGBTs no mundo.

A data coincide com o dia em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) retirou o termo “homossexualismo” de sua Classificação Internacional de Doenças (CID), isso em 1990, informa o bibliotecário da Universidade Federal do Maranhão e doutor em Políticas Públicas, Carlos Wellington Martins.

“Só para atestar o atraso no avanço das pautas que tratam de orientações sexuais e identidades de gênero, apenas em 1990 a homossexualidade foi despatologizada e somente em 2019 a transexualidade deixa de ser considerada um transtorno mental”, explica Carlos.

Mas apesar dos avanços, o bibliotecário destaca que atualmente as pessoas estão menos reticentes em revelar seu preconceito e em alguns casos, de forma violenta e agressiva, seja verbal ou física, fato que se liga ao momento político que vivemos.

“O chefe do executivo já demonstrou em várias ocasiões (antes e depois de eleito) que não governa para a população LGBTQIA+ e que as demandas desse segmento sequer serão trabalhadas durante a sua gestão e ao proferir palavras de cunho lgbtfóbico chancela a violência que cada vez cresce no país”, critica.

Sobre as bibliotecárias e os bibliotecários, Carlos destaca que estas(es) têm um papel importante na construção dessa sociedade pautada em uma cultura de paz, respeito e tolerância, haja vista, as(os) profissionais atuarem em espaços culturais e educacionais que possibilitam a realização de um trabalho de base.

Nesta entrevista à Biblioo, Carlos destaca que o Brasil sempre figurou na lista de países que mais mata LGBTQIA+ no mundo, ocupando em muitos anos a primeira posição na perpetração de violência contra este grupo social. Confira a entrevista!

No 17 de maio se celebra o Dia Internacional contra a LGBTfobia. Qual o significado dessa data para nós brasileiros?

O dia 17/05 é uma data simbólica para a população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros, Queers, Intersexuais, Agêneros, Assexuais (LGBTQIA+) e demais identidades de gênero e orientações sexuais  por fazer menção a data em que a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou o termo “homossexualismo” de sua Classificação Internacional de Doenças (CID), isso em 1990, e, dessa forma, a despatologizou e tornou equivocado e obsoleto a utilização do termo com o sufixo ismo.

A data atua como um momento de reflexão e ação para que se possa criar uma cultura de paz, acabando com a violência contra LGBTQIA+, principalmente em um país que ainda insiste em uma cultura lgbtfóbica. Só para atestar o atraso no avanço das pautas que tratam de orientações sexuais e identidades de gênero, apenas em 1990 a homossexualidade foi despatologizada e somente em 2019 a transexualidade deixa de ser considerada um transtorno mental, no entanto, integra agora o capítulo sobre “condições relacionadas à saúde sexual” como uma incongruência de gênero. Ou seja, há muito ainda a se fazer no campo de informação, conscientização e políticas públicas

Nos últimos anos se viu explodir no Brasil a violência contra a população LGBT. A que você atribui esse fato?

O Brasil sempre figurou na lista de países que mais mata LGBTQIA+ no mundo, ocupando em muitos anos a primeira posição, contrastando com a imagem de país acolhedor e libertário. Segundo dados do Grupo Gay da Bahia (GGB), em 2019, a cada 26 horas um LGBTQIA+ é assassinado ou cometeu suicídio por conta da violência perpetrada, isso mesmo com a criminalização da LGBTfobia realizada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que evidencia que em conjunto com a lei outras medidas devem ser tomadas.

Como exemplo temos as campanhas de conscientização mais incisivas com a sociedade em geral, capacitação e treinamento para com os órgãos que atuam no recebimento da denúncia e na efetivação da investigação como delegacias, defensorias, ministério público e demais agentes, vale ressaltar que essa violência tem raiz cultural que precisa ser combatida, também, pelo viés educacional com a discussão de gênero, diversidade e sexualidade nos espaços educacionais.

Em que medida essa onda de violência contra a população LGBT tem relação com o momento político que vivemos?

Além do patriarcado, do machismo e da masculinidade tóxica enraizada na sociedade brasileira, testemunhamos o crescimento de uma onda conservadora e reacionária que se materializa no estímulo ao ódio às minorias políticas, no esvaziamento do debate sobre as questões desta população, bem como influi na invisibilidade desses sujeitos sociais no cenário político.

O que se percebe, atualmente, é que as pessoas estão menos reticentes em revelar seu preconceito e em alguns casos, de forma violenta e agressiva seja verbal ou física. O chefe do executivo já demonstrou em várias ocasiões (antes e depois de eleito) que não governa para a população LGBTQIA+ e que as demandas desse segmento sequer serão trabalhadas durante a sua gestão e ao proferir palavras de cunho lgbtfóbico chancela a violência que cada vez cresce no país.

Qual é ou qual deveria ser o papel dos profissionais da informação, especialmente os bibliotecários, em relação a essa questão?

Nesse tocante as bibliotecárias e bibliotecários tem um papel importante  na construção dessa sociedade pautada em uma cultura de paz, respeito e tolerância, haja vista, as profissionais atuarem em espaços culturais e educacionais que possibilitam a realização de um trabalho de base não só possibilitando o acesso a informação, mas bem como permitir que estes espaços possibilitem a construção de conhecimento por parte de todos os sujeitos sociais envolvidos no processo.

Para tanto ações culturais que tenham os LGBTQIA+ como protagonistas, produção de material informativo, um acervo afinado com as demandas dessa população e uma atitude mais cidadã com as questões que envolvam os direitos de uma sociedade mais plural e diversa são necessárias e coaduna com o juramento que a área faz quando frisa a dignidade humana. Vale pontuar que existem algumas iniciativas e ações efetivadas por profissionais em algumas regiões do país mas que por vários motivos não são publicizadas e conhecidas por grande parte dos colegas.

Que ações estão em curso no Brasil hoje envolvendo a biblioteconomia e questão LGBT que você destacaria?

Apesar de ainda haver um silenciamento e uma posição periférica da discussão das demandas sociais LGBTQIA+ na biblioteconomia, vemos o avanço em alguns aspectos como o crescente interesse de discentes, docentes, técnicos em realizar pesquisas acerca da temática com a socialização destes estudos em eventos na área, mas ainda são em número bastante pequeno, tanto que a primeira publicação a contar com textos escritos por profissionais da Ciência da Informação (CI) que são LGBTQIA+ e abordam sobre a temática referente às suas orientações sexuais e identidades de gênero ocorreu somente em 2019 pelo selo Nyota sob o título “Do invisível ao visível​: saberes e fazeres das questões LGBTQIA+ na Ciência da Informação”.

Qualquer consulta aos Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs) dos cursos de biblioteconomia revela que grande parte deles não possuem em sua matriz curricular disciplinas que tratem de gênero, sexualidade e diversidade o que aponta uma lacuna gritante na formação deste profissional. Uma ação salutar é a criação do Grupo de Trabalho (GT) “Bibliotecas pela Diversidade e Enfoque de Gênero” (GT-BDEG), pela Federação de Associação de Associações de Bibliotecários, Cientistas da Informação e Instituições (FEBAB).

Esse grupo se propõe a: 1) Criar um documento norteador de ações e orientações de atendimento baseadas nas leis vigentes nos níveis municipal, estadual e federal; 2) Compilar todas as ações e experiências promovidas pelas bibliotecas em todo o Brasil em um documento para publicação; 3) Criar bibliografia básica de literatura LGBTQIA+; 4) Realizar relatórios anuais para consulta pública para entender a relação da comunidade com a biblioteca, especialmente a biblioteca pública; 5) Promover palestras, cursos e ações voluntárias em conjunto as associações estaduais filiadas à FEBAB, escolas de biblioteconomia e ONGs. Esperamos que seja o fortalecimento do debate e da ação entre a Biblioteconomia e as demandas sociais LGBTQIA+.

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