RIO – Dona de um sotaque mineiro inconfundível, Bernadete Campello é sem dúvida uma das maiores referências entre estudantes e profissionais quando o assunto são as Fontes de Informação. Entretanto, uma de suas facetas pouco abordada pelos professores em sala de aula é o de pesquisadora do tema da biblioteca escolar. Sobre este assunto, Campello tem dedicado boa parte do seu tempo, sobretudo em virtude do grupo de pesquisa que coordena na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Recentemente ela esteve no Rio de Janeiro onde proferiu uma palestra sobre o assunto, ocasião na qual concedeu esta entrevista com exclusividade para a Biblioo.

Chico de Paula: Qual a importância de discutir a biblioteca escolar hoje?

Bernadete Campello: Eu considero que hoje, com todos os problemas que nós temos com a educação no Brasil, a biblioteca precisa se colocar como um espaço que contribui para educação. Nós vamos precisar de todos os recursos para melhorar a qualidade da educação no Brasil. Penso que a biblioteca escolar é um espaço privilegiado para isso, dadas às diversas circunstâncias; uma delas é a necessidade que a escola hoje tem de implementar metodologias construtivistas de aprendizagem e a biblioteca é um espaço quase que obrigatório para esse tipo de experiência para isso.

C. P.: Umas das conquistas para a biblioteca escolar foi a criação da Lei 12244/10, mas agora tramita no Congresso Nacional um projeto de lei complementar mudando alguns dispositivos da Lei 12244/10. Qual a percepção da senhora em relação a isso?

B. C.: Confesso que fiquei muito entusiasmada com a lei. Isso porque embora tivesse certa ojeriza, digamos assim, de tudo que é obrigatório, penso que aqui no Brasil existem algumas coisas que precisam ser impostas pela lei. A questão que me preocupa mais do que esse projeto em tramitação é a nossa capacidade de formar bibliotecários capazes de enfrentar os desafios que a educação brasileira e a biblioteca escolar precisam encarar. Quando a escola reconhecer que os bibliotecários podem ajudar, vai ser uma coisa natural e as próprias escolas vão querer ter suas bibliotecas, os seus espaços, principalmente agora que a tecnologia vai facilitar muito a vida da biblioteca. A biblioteca é um espaço caro, a manutenção de uma biblioteca é um custo elevado. Hoje vejo a tecnologia como uma grande aliada da biblioteca no sentido de torná-la mais acessível em termos de custo, em termos gerenciais de manter uma biblioteca. Porque hoje é perfeitamente possível manter uma biblioteca virtual; ela é um espaço físico ainda muito importante, mas nós podemos com criatividade ter boas coleções virtuais que podem resolver os problemas.

C. P.: Em relação a atuação dos Sindicatos e dos Conselhos, na opinião da senhora, essas instituições tem atentado para importância das bibliotecas escolares?

B. C.: Muito! Principalmente na gestão da Nêmora Rodrigues. Lançaram aquele projeto mobilizador da biblioteca escolar. Na verdade foi o que desaguou nessa Lei e considero importante. Então está sendo um envolvimento muito grande do Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB) na questão da biblioteca escolar, porque estão percebendo que é onde vai ampliar o mercado de trabalho do bibliotecário.

C. P.: A senhora também é professora na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Em relação aos cursos de graduação, eles estão olhando para a questão da biblioteca escolar? Estão inserindo em seus currículos? Estão dando a atenção devida?

B. C.: Posso responder em relação ao currículo do curso de Biblioteconomia da UFMG, pois não tenho estudos mais aprofundados de outros cursos. Na UFMG temos certa preocupação. Algumas disciplinas optativas atendem essa questão da biblioteca escolar. Temos um grupo de estudos que coordeno, Grupo de Estudos em Biblioteca Escolar, pesquisamos, produzimos publicações e trabalhos de extensão nessa área. Tenho conhecimento que no curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), coordenado pela Mariza Russo, tem um perfil e uma preocupação voltada para formar bibliotecários para a biblioteca escolar. Agora em geral no Brasil os cursos são generalistas. É uma característica de nossa profissão. Nós queremos que os bibliotecários saiam preparados para trabalhar em qualquer biblioteca. Não queremos especializá-los durante a graduação. Isso é uma grande vantagem porque o aluno sai podendo trabalhar em qualquer biblioteca, mas isso não acontece somente na Biblioteconomia. Esse aluno vai ter que complementar sua formação em cursos de especialização por conta própria ou estudando sozinho. Enfim, ele vai ter que apurar como qualquer outro curso precisa fazer isso, então do ponto de vista básico o aluno sai preparado para trabalhar em uma biblioteca escolar, mas é claro precisando investir em questões específicas daquela área.

C. P.: Um dos dilemas que foi trazido para questão da biblioteca escolar foi a quantidade de profissionais para atender às demandas das instituições de ensino que temos no Brasil hoje. Calcula-se que são em torno de trinta mil profissionais para um universo de duzentos mil estabelecimentos de ensino. Por conta disso, temos uma questão que é a alocação de professores nas bibliotecas. A senhora acredita que isso é um problema de fato ou os professores, a exemplo do que acontecem em outros países, podem de alguma forma ser preparados para assumirem algumas bibliotecas?

B. C.: Os professores são uma categoria que precisam estar presentes na biblioteca para apoiar o bibliotecário nos projetos pedagógicos da biblioteca. Como a formação do bibliotecário é mais extensa do que isso, acho difícil o professor substituir o bibliotecário em todas as suas funções. O bibliotecário é um profissional preparado para organizar a biblioteca, isso é o mais importante? Não sei! Mas isso é necessário. Nós não podemos ter bibliotecas bagunçadas. Se queremos a biblioteca escolar como um laboratório de aprendizagem, temos que ter acervos organizados de forma padronizada, bibliograficamente correta. Então acho muito difícil o professor conseguir trabalhar em todas as funções que o bibliotecário está preparado para fazer.

C. P.: No grupo de pesquisa que a senhora coordena vocês já chegaram a alguns resultados importantes em relação à imagem e a discussão política da biblioteca escolar no Brasil?

B. C.: A nossa ação mais visível nesse aspecto foi a criação dos padrões para biblioteca escolar que nós fizemos há dois anos atrás. Dentro desse projeto mobilizador do CFB, a Nêmora Rodrigues nos procurou pedindo uma parceria e propomos realizar a questão dos padrões, porque eu estava muito preocupada com o fato de ninguém saber o que é uma biblioteca, do próprio espaço físico, da função… Não tinha como explicar. Não existiam padrões. O que é uma biblioteca? O que a distingue de uma sala de leitura? Com os padrões que nós desenhamos isso ficou definido e me parece uma ação política, porque hoje temos condições de dizer o que é e o que não é uma biblioteca. O documento foi referendado pelo CFB e reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC) como algo importante. Agora nós podemos dizer o Brasil tem tantas bibliotecas e se o governo desejar fazer uma estatística com base nos padrões, hoje ele vai poder dizer isso é uma biblioteca ou isso não é uma biblioteca. Penso que é um instrumento político. Hoje nós bibliotecários podemos dizer o que é uma biblioteca escolar. Temos um documento claro e legitimo que foi feito com base em dados da realidade e aspectos teóricos do que entendemos o que seja uma biblioteca escolar. Esse documento reflete bem a possibilidade do que seja a biblioteca escolar hoje no Brasil.

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