“Às vezes estamos a fazer coisas não muito agradáveis, mas com um grande sorriso” disse o professor (que é de Portugal, podem reler com sotaque!) de um curso que eu fiz essa semana.

Essa frase escapou como um exemplo no meio de uma reflexão mais densa e foi rapidamente superada pelos meus colegas de curso e pelo professor, que seguiram com o assunto principal, mas na minha mente ela ficou grudada. Como bibliotecária que faz muito mais serviços de referência do que atividades técnicas, lido com uma variedade imprevisível de usuários (nem todos agradáveis) e desempenho atividades bem diversificadas (outra vez, nem todas sempre agradáveis). Esse cotidiano do serviço de referência me leva a uma pergunta constante: como, afinal, lidar com os usuários?

Esse pequena pergunta vem acompanhada de muitas outras reflexões e sua resposta vai depender de vários fatores. O que é ótimo, pois me põe diante de diversas situações que vão me ajudando a construir um atendimento-padrão (mas não padronizado), cada vez melhor. O problema é que, em um atendimento tête-a-tête, é tudo em tempo real, as decisões precisam acontecer dentro de alguns segundos, não sobrando tanto tempo assim para as reflexões mais complexas. Somado a isso, ainda existe o problema de que nem sempre é possível atender a demanda do usuário, seja por deficiências técnicas ou devido às normas da própria instituição. E a cereja do bolo, é claro, são os “usuários difíceis”, provavelmente aqueles que já foram mal atendidos em outro lugar e já chegam irritados ou até mesmo aqueles que simplesmente carecem de um pouco de educação.

Por isso, fui criando algumas estratégias para além daquele básico que aprendi na faculdade e que foram se tornando os meus princípios particulares para atendimento.

O primeiro deles é mostrar ao usuário que estou satisfeita em atendê-lo. É claro que há dias em que se está mais disposta e outros menos, mas o principal aqui é sempre tentar me focar na ideia geral do trabalho e não naquele dia específico que pode não estar sendo o melhor dos dias: estou atuando na área que eu escolhi, trabalhando no lugar que eu escolhi e, mesmo que nem tudo sejam flores, gosto de ambos. Por que, então, atender alguém de má vontade?

O segundo é ter calma. Aos poucos foi entrando devagar na minha cabeça o fato de que o usuário que eu estou atendendo vai embora e outro virá para que eu atenda. Não posso aplicar todo o meu tempo e paciência em um atendimento e acabar sem nada para o próximo. O usuário mal-educado não vai ficar mais fácil de lidar se eu for mal-educada também e o usuário irritado por não ter sua demanda solucionada não vai entender meus motivos ou escutar as alternativas se eu também estiver irritada.

A terceira e última parte é, finalmente, o que o professor do curso disse: o sorriso. Parece papo de aeromoça e, de alguma forma, talvez esteja nesse viés mesmo: um usuário, mesmo um dos “difíceis”, acaba se tornando mais colaborativo se bem recebido. E é verdade que ele é bem recebido! Eu fico sinceramente feliz que, frente a tantas opções, aquela pessoa tenha confiado na biblioteca (e consequentemente em mim) para auxiliá-lo.

“Emilia, você está parecendo a Pollyanna!”, vocês podem estar pensando.

E eu respondo: “Eu sei!”

Às vezes o meu próprio “jogo do Feliz” me irrita, afinal, há dias e dias… Em alguns dias, os três princípios vão da teoria para a prática com a maior naturalidade; em outros, cada um deles é um desafio. É um exercício e, como todo exercício, precisa de treino!

Afinal, além de bibliotecária, eu sou uma usuária de bibliotecas e esses dois papéis estão em constante embate dentro de mim: o atendimento ideal e as minhas limitações. Meus dois lobos brigando entre si. E como a fábula conta: ganha o lobo que eu decido alimentar.

Comentários

Comentários