Não tenho dados oficiais dos CRBs, CFB, FEBAB ou do SNBP sobre a fixação regional de profissionais bibliotécarios no Brasil, com ênfase para as periferias das grandes cidades, bem como regiões interioranas (me mandem quem as tiver). Mas não ficaria surpreso se, assim como os médicos, evidências apontassem para a grande falta de bibliotecários nessas regiões do Brasil.

Passando o olho pelo mapa das bibliotecas públicas brasileiras dá pra perceber que, assim como os cursos de formação de bibliotecários, a concentração é clara nas regiões metropolitanas litorâneas. Se há ausência de profissionais bibliotecários qualificados, é muito visível que essa demanda vêm do interior do país.

É bom ter em mente que, somente na cidade do Rio de Janeiro, existem 5 cursos de biblioteconomia (com denominações diferentes, mas a constar 64 vagas oferecidas no vestibular da UFF, 280 vagas na UNIRIO, 60 vagas na UFRJ) formando e injetando no mercado, desconsiderando a evasão ao longo do curso, mais de 400 bibliotecários todos os anos.

O grande porém é que um bacharel em biblioteconomia que se forma hoje em um grande centro urbano não está disposto a sair de sua cidade de origem para ganhar um salário que seja incompatível com o custo de vida da cidade grande. A diferença salarial entre centro e interior é significativa, então para um egresso do curso, a migração não é uma opção. Não faz sentido aceitar um salário de bibliotecário em uma cidade do interior igual ou menor do que ele ganharia como um profissional sem diploma universitário na cidade de origem (por exemplo, um gari de São Paulo ganhar igual ou mais do que um bibliotecário de uma prefeitura do interior do Roraima).

Por essas e outras é que se cria um curso de licenciatura em biblioteconomia (explicarei melhor a licenciatura em um segundo momento). Para mim, do ponto de vista da política pública do governo atual, a criação do curso de licenciatura está para os bibliotecários assim como a importação de cubanos está para os médicos brasileiros. Pouca gente sabe, mas existe em curso um curso de licenciatura em biblioteconomia. E os poucos que sabem, fazem questão de desprezá-lo.

Mas supostamente o curso de licenciatura em biblioteconomia da UNIRIO se justifica em duas medidas. A primeira sendo que o curso de bacharelado é insuficiente para a formação do técnico em biblioteconomia, que consta na lista de cursos técnicos estabelecidos pelo MEC. Como essa insuficiência foi mensurada, não sei dizer. A segunda medida é que algumas leis existentes apontam para a necessidade de o Brasil formar oito vezes mais bacharéis em biblioteconomia até 2020. Coisa impossível de ser realizada com o número atual de cursos de bacharelado em biblioteconomia. Cria-se então a licenciatura em biblioteconomia.

O Censo de 2011 indicou 16.322 bibliotecários registrados no sistema CFB. Ou seja, cerca de 20 mil bibliotecários para atender 180 milhões de habitantes, em um projeção de 2013.

O ponto crucial é que, além da escassez de bibliotecários em escala nacional, há uma enorme discrepância quando comparamos a distribuição desses profissionais em nosso território. “Enquanto as regiões do Sul e Sudeste apresentam uma taxa de 2,09 e 2,47 por 1000 habitantes, respectivamente, o Norte e Nordeste encontram-se com 2,01 e 1,2 médicos por 1000 habitantes, respectivamente, sendo que no interior esse índice é inferior a 1 médico por 1000 habitantes.”¹ Troque médico por bibliotecário e a escala é semelhante.

As consequências diretas dessa má distribuição de profissionais qualificados é que, por um lado, existe uma óbvia reserva de mercado – em alguns casos já saturada, nas grandes capitais e cidades – para os bacharéis onde os licenciados não são benvindos, e por outro lado, um óbvio mercado de trabalho para os licenciados em biblioteconomia se suas competências forem direcionadas para a formação de pessoal qualificado (técnicos em biblioteconomia) que irão trabalhar em bibliotecas onde o bacharel bibliotecário não se faz necessário ou não se faz presente.

A essa altura do campeonato, o Brasil já desistiu da importação de médicos cubanos. Os médicos estrangeiros ocuparão apenas as vagas não preenchidas por profissionais brasileiros nas periferias e no interior do Brasil.

As perguntas que me faço então:

– os bibliotecários formados, bacharéis ou licenciados, desbravam/desbravarão as regiões carentes de profissionais qualificados, quando sentem/sentirem na pele a saturação do mercado de trabalho nos grandes centros? Ou eles simplesmente mudam/mudarão de profissão?

– O CFB, FEBAB e demais entidades de classe estão preocupadas em resolver o problema da não fixação de profissionais qualificados em determinadas regiões do Brasil?

– O MEC e a ABECIN possuem algum documento que justifique a autorização para a criação de cursos de biblioteconomia em determinadas regiões, associadas à demanda local do mercado de trabalho?

– Os governos federais, estaduais e municipais estão implementando iniciativas que visam melhorar tal situação distributiva?

– O viés ideológico dos cursos de biblioteconomia incentiva a migração?

E por fim,

– O Brasil precisa de mais bibliotecas e bibliotecários?

No final das contas¹, tanto no caso dos médicos como bibliotecários, a falta de profissionais em áreas de difícil fixação e provimento é um fator emergencial para a melhoria do acesso e da assistência à saúde/informação para o povo brasileiro, mesmo entendendo que tal medida do governo atende as necessidades de forma paliativa. Somente quem não sofre na pele a desassistência pela falta de médicos/bibliotecários em nosso país é contrário à vinda de profissionais estrangeiros ou à criação de um curso de licenciatura.

Sem deixar de lado a cobrança por soluções estruturais de longo prazo², parece óbvio que a situação de abandono a que foi relegado o setor de saúde/bibliotecas nos últimos governos, inclusive no interior de estados ricos como São Paulo, não deve ser pretexto para que comunidades inteiras continuem abandonadas por mais tempo, sem poder contar nem mesmo com um clínico geral/técnico em biblioteconomia. Enquanto não se pode ter ambos, é melhor ter um médico/bibliotecário e não ter hospital/biblioteca do que ter o hospital/biblioteca e não ter o médico/bibliotecário – ou nenhum dos dois.

Referências:

1. http://levante.org.br/mocao-de-apoio-a-entrada-de-medicos-cubanos-no-brasil/

2. http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia/482036/a-polemica-dos-medicos-cubanos

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