RIO – Diariamente diversos brasileiros portadores de necessidades especiais se deparam com limitações no seu direito de ir e vir, de acessar bens culturais e até mesmo de consumir pelo simples fato de não disporem de instrumentos e/ou infraestrutura básica que dê conta de tais necessidades. Com as bibliotecas não é diferente. Ora os impedimentos são de ordem física, como a falta de elevadores e rampas de acesso, bem como a ausência de livros em braile, áudio-livros ou mesmo computadores adaptados; ora são de ordem profissional, uma vez que nem sempre se encontra pessoas capacitadas para lidar com a questão.

A acessibilidade é um tema que está na ordem do dia. Isso porque o contingente de portadores de deficiência – que por sinal precisam ter acesso aos serviços básicos como qualquer outra pessoa – é estimada hoje em 650 milhões em todo mundo. Só no Brasil são cerca de 45,6 milhões de pessoas que declararam ter ao menos um tipo de deficiência, o que corresponde a 23,9% da população brasileira, conforme os dados do último Censo. A maior parte delas vive em áreas urbanas (38.473.702), exatamente onde estão concentradas quase que a totalidade das bibliotecas e outros bens culturais.

Embora incipientes alguns passos importantes já começam a ser dados para superar esse dilema. Exemplo disso foi a promulgação da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo (Decreto nº 6.949/2009), assinados em Nova York, em 30 de março de 2007 pelo governo brasileiro. Por essa Convenção fica estabelecido, entre outras coisas, que os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência de participar na vida cultural, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, tomando estes todas as medidas apropriadas para que as pessoas com deficiência possam ter acesso a locais que ofereçam serviços ou eventos culturais, tais como teatros, museus, cinemas e bibliotecas.

No ano passado o Ministério da Cultura (MinC) lançou alguns editais de incentivo à acessibilidade em bibliotecas públicas e à produção e distribuição de livros voltados a pessoas com deficiência visual. Os recursos totalizaram R$ 4,2 milhões, sendo que deste valor R$ 1,5 milhão se destinava a produção, difusão e distribuição de livros acessíveis como os que proporcionam descrição ou narração em formatos como braile, livro falado ou outro formato que seja acessível a quem tem deficiência visual.

Comentando a questão à época, a ministra da Cultura Marta Suplicy disse que “mais que destinação de recursos, esses editais são simbólicos para que as pessoas cegas do nosso país possam usufruir do grande prazer que é a leitura”.

Bibliotecária e pesquisadora do tema da acessibilidade em bibliotecas, Eliane Lourdes da Silva Moro torce para que não seja só através de edital de indicação de material que o MinC se faça presente nas políticas públicas de acesso aos bens culturais, mas também através da preocupação com a questão da formação de pessoas. “Nós temos que trabalhar nesse processo de interação das pessoas, do servidor, do bibliotecário que está seja na biblioteca pública, na escolar, na universitária, na especializada, na comunitária, mas que ele tenha esse olhar pra interagir com as pessoas com deficiência, principalmente nessa atitude de acesso, de acolhida, de acolhimento e oferecendo um serviço de referência e informação que atenda realmente as necessidades de todos sem exceção”, afirma ela.

Se preparando para enfrentar o problema

A propósito, um dos temas mais importantes em relação à acessibilidade às bibliotecas diz respeito à necessidade de formação de profissionais para lidar com a questão. No caso dos bibliotecários, Eliane Lourdes entende que é importante que a formação comece ainda na faculdade: “deve haver primeiramente uma preocupação na formação do profissional, então no curso de formação oferecer no currículo uma disciplina, seja ela eletiva ou obrigatória, que traga os conteúdos mínimos pra questão de acessibilidade e não somente acessibilidade física, porque em uma das disciplinas eles estudam a norma, por exemplo, 9050 [que regula as regras sobre Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos], mas é sobre a questão só do espaço físico, tem que ir muito além, tem que ir no atitude now, no metodológica, e na questão principalmente de acervos acessíveis, na política de coleções”.

Segundo ela, o objetivo dessa medida seria para que esse profissional enquanto estudante de Biblioteconomia volte o seu olhar para a questão, para que “quando ele chegue lá no mundo do trabalho, em qualquer biblioteca, que ele for atuar, ele sabe por onde começar; pelo planejamento, pelos serviços de qualidade, que atenda as necessidades de todos os usuários”.

Conforme Lizandra Brasil Estabel, que também pesquisa o tema, a acessibilidade só vai acontecer de fato quando houver preparo para o bom atendimento. Isso porque a acessibilidade não é só física. Segundo ela, existem várias situações onde se deve perceber e colocar em prática a acessibilidade: “ela inicia nesse acesso da pessoa e mais do que o usuário, que é um termo que nós utilizamos, mas o acesso do cidadão à biblioteca, ela inicia pela leitura, ela inicia pela informação para que realmente esteja acessível”.

O grande problema que se apresenta em relação à formação diz respeito exatamente aos formadores. São poucas instituições dedicadas ao tema, sendo a universidade uma das principais instituições dedicada à qualificação. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul, por exemplo, conta com um Curso de Especialização em Bibliotecas Escolares e Acessibilidade, mas que é voltado apenas a servidores públicos, embora conte com outros cursos do mesmo gênero para outros públicos, inclusive os não graduados, como esclarece Ariel Behr, que compõe o grupo de pesquisa da UFRGS juntamente com Lizandra e Eliane.

Mas existem outras instituições dedicadas a esse trabalho, como é o caso do Senac São Paulo que oferece um curso livre sobre o tema e que promoverá no mês de abril o VIII SENABRAILLE : Cultura, Inclusão e Educação, cujo “objetivo é continuar o diálogo proposto pelas edições  anteriores,  pensando nas tipologias das bibliotecas e suas formas de incluir, divulgando práticas bem sucedidas na área de acessibilidade”.

Os bons exemplos

Apontada como exemplo de acessibilidade, a Biblioteca Parque de Manguinhos no Rio de Janeiro se apresenta como uma exceção num universo de limitação ao acesso aos bens culturais. De acordo com Lisandra Brasil, que esteve visitando bibliotecas no Rio, a Biblioteca Parque de Manguinhos, localizada na comunidade de mesmo nome, na Zona Norte da cidade, foi uma das que mais lhe chamou a atenção pela acessibilidade que garante aos seus frequentadores.

“Essa Biblioteca de Manguinhos me surpreendeu no sentido de rampas acessíveis, inclusive internamente, materiais acessíveis em braile e em áudio, que atendem inclusive pessoas cegas que estão em Niterói, e vocês que são daqui sabem a distância de Manguinhos para Niterói e eles fazem um serviço de referência e informação através das tecnologias para que as pessoas cegas não precisem se deslocar, por exemplo, de Niterói até Manguinhos, então eu acho que vocês já têm um exemplo aqui no Rio de Janeiro de uma biblioteca que atenda alguns critérios de acessibilidade”, destaca.

Biblioteca Parque de Mangunhos

Outro exemplo citado pela pesquisadora é a Biblioteca Pública de São Paulo que também dispõe de infraestrutura de acessibilidade aos usuários portadores de necessidades especiais.

Acessibilidade em bibliotecas - img3

Biblioteca de São Paulo

Eliane Lourdes cita também outra biblioteca que, a seu julgamento, é exemplos de acessibilidade: a Biblioteca do Curso de Arquitetura da UFRGS, que segundo ela, garante um bom acesso aos usuários com necessidades especiais: “Eu citaria essa [biblioteca] universitária como exemplo, mas no sentido do espaço físico, do acesso, do mobiliário e do equipamento”.

Clique aqui para ler integralmente as entrevistas com Eliane Lourdes, Ariel Behr e Lizandra Brasil que compuseram essa matéria.

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