RIO – A acessibilidade em bibliotecas é tema desta entrevista com três pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que estiveram no Rio recentemente para ministrar cursos sobre o tema.

 

Emilia Sandrineli: Como vocês veem a questão da sensibilização das bibliotecas para a questão da acessibilidade?
Eliane Lourdes da Silva Moro: Acho que vai muito além da sensibilização, deve haver primeiramente uma preocupação na formação do profissional, então no curso de formação oferecer no currículo uma disciplina, seja ela eletiva ou obrigatória, que traga os conteúdos mínimos pra questão de acessibilidade e não somente acessibilidade física, porque em uma das disciplinas eles estudam a norma, por exemplo, 9050 [que regula as regras sobre Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos], mas é sobre a questão só do espaço físico, tem que ir muito além, tem que ir no atitude now, no Metodológica, e na questão principalmente de acervos acessíveis, na política de coleções. Então é importante que comece lá na formação para que esse profissional enquanto esteja no curso de Biblioteconomia já tenha esse olhar voltado, quando ele chegar lá no mundo do trabalho, em qualquer biblioteca que ele for atuar ele sabe por onde começar; pelo planejamento, pelos serviços de qualidade, que atenda as necessidades de todos os usuários.
Lizandra Brasil Estabel: Nós três atuamos em um grupo de pesquisa que se chama “Leia”, e eu acredito que na Biblioteconomia existem três palavras-chave que compõe o nome desse curso, que é leitura, informação e acessibilidade. Então a acessibilidade só vai acontecer de fato, porque ela não é só acessibilidade física, mas ela é a atitude now, ela é a Metodológica, têm várias situações onde a gente deve perceber e colocar em prática a acessibilidade, ela inicia nesse acesso da pessoa e mais do que o usuário, que é um termo que nós utilizamos, mas o acesso do cidadão à biblioteca, ela inicia pela leitura, ela inicia pela informação para que realmente esteja acessível. Então nós acreditamos em acessibilidade nos diferentes formatos e que perpassa pra todas as situações para que a pessoa realmente esteja satisfeita e atenda as suas necessidades informacionais.
Ariel Behr: Só completando o que a Lisandra falou; passa pelo perfil do profissional no momento da sua formação e de saber criar essa competência pra encarar de frente as questões de acessibilidade, sabendo não só identificar mas como operacionalizar soluções pra isso, e essa operacionalização da solução pode ser mediada tanto na própria formação quanto na prática, em capacitações já nessa prática profissional.

E. S.: Na questão dessas capacitações, um profissional que já se formou, já está inserido no mercado e ele quer trazer essas preocupações de acessibilidade pra dentro da sua instituição, pra dentro da instituição que ele trabalha, como ele pode buscar essa capacitação?
E. L. S. M.: Na própria universidade se a universidade oferecer, se tiver oferta de cursos de especialização. Por exemplo, nós lá na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, fizemos a oferta, que o Ariel e a Lisandra também participaram, de um Curso de Especialização em Bibliotecas Escolares e Acessibilidade. Então nessa volta a atualização, é um curso de atualização, de qualificação que a própria universidade tem obrigação de oferecer.

E. S.: Além da universidade existem outras instituições que você pode citar?
E. L. S. M.: São poucas, eu acho que agora esse curso que a gente está oferecendo, que contempla somente sete estados, é uma solicitação da SDH [Secretaria de Direitos Humanos], da Presidência da República, mas são poucos, porque a gente tem essa visão de que também a própria universidade não está preparada, com pessoal para a oferta desses cursos, e muitas vezes também as instituições públicas e privadas tem a dificuldade, embora se você for avaliar está tudo contido na Declaração Universal dos Direitos Humanos que é de 1948, mas são poucos agora, eu acho, que a necessidade do momento, a necessidade vai criar também a oferta e a procura.
L. B. E.: E essa necessidade tem também que acompanhar este profissional, então essa formação continuada; porque muitas vezes a gente se preocupa com a formação quando está na universidade fazendo a graduação, por exemplo, e depois quando ele está atuando profissionalmente não há uma continuidade. Então essas demandas, e é muito importante a questão da acessibilidade, no sentido que a gente sabe que a maioria dos cursos não contempla no seu currículo, que ela tenha ofertados cursos posteriormente quando eles já estiverem atuando profissionalmente, os bibliotecários.
A. B.: Só pra completar, o fato de que a professora Eliane falou de uma especialização, que é um curso para quem já é graduado, agora nós temos profissionais que não são graduados ou outros profissionais que não querem fazer uma especialização e as universidades, que são nosso meio, por isso que nós falamos tanto delas, têm disciplinas que podem ser cursadas por qualquer um, como aluno ouvinte, como aluno especial, cada universidade dá o seu nome, mas um aluno que não é aluno regular da universidade, é comunidade externa de forma geral, procura uma disciplina para se capacitar, eu acho que essa é uma forma que qualquer um pode se capacitar. Não é o caso desse nosso curso que é um curso somente para servidores públicos, mas lá dentro da universidade tem curso pra comunidade de forma geral.

E. S.: Vocês conseguem se lembrar, para poder citar agora, um bom exemplo de uma biblioteca que esteja adequadamente adaptada para atender todos os seus usuários, talvez aqui no Brasil, talvez no exterior?
L. B. E.: É complexo falar dessa questão no sentido de que nós, neste curso mesmo que é “Capacitação para Servidores Públicos Federais e Informação, Acessibilidade e Direitos Humanos”, nós estamos discutindo, por exemplo, as normas da ABNT que mesmo sendo aplicadas elas não atendem a todas as necessidades. Enfim, dificilmente nós conseguimos dizer “Essa biblioteca atende a todos os critérios de acessibilidade”, agora nós podemos dizer que aquelas que estão mais acessíveis; então eu citaria, no Brasil, eu citaria duas: a Biblioteca Pública de São Paulo, e estive visitando aqui no Rio de Janeiro e fiquei muito impressionada com a questão da acessibilidade, da Biblioteca que fica na Comunidade pacificada de Manguinhos. Essa biblioteca de Manguinhos me surpreendeu no sentido de rampas acessíveis, inclusive internamente, materiais acessíveis em braile e em áudio, que atendem inclusive pessoas cegas que estão em Niterói, e vocês que são daqui sabem a distância de Manguinhos para Niterói e eles fazem um serviço de referência e informação através das tecnologias para que as pessoas cegas não precisem se deslocar, por exemplo, de Niterói até Manguinhos, então eu acho que vocês já têm um exemplo aqui no Rio de Janeiro de uma biblioteca que atenda alguns critérios de acessibilidade.
A. B.: Vou destacar, para divulgar por ela que elas publicaram um artigo, junto com uma outra colega, que é a Tamini [Farias Nicoletti], esse ano, trazendo um checklist, que é um objeto também que a gente trabalha nesse curso de adequação para acessibilidade de bibliotecas. Então acho que nesse trabalho é uma boa referência, senão um bom exemplo prático, mas uma boa referência para se criarem bons exemplos.
E. L. S. M.: E a gente verifica que na universidade, no curso de Biblioteconomia vários acadêmicos, ao finalizar o seu Trabalho de Conclusão de Curso estão usando essa temática também, estão se voltando para essa temática pela importância que ela tem. Então agora uma das últimas orientandas minha, fez um trabalho avaliando as bibliotecas universitárias que estão no espaço físico da Reitoria, e eu poderia citar, a Lisandra citou duas bibliotecas, uma pública, uma comunitária e eu citaria uma universitária lá da nossa universidade, que é a biblioteca do curso de Arquitetura, que atende, mas no sentido de acesso, de espaço físico, de mobiliário, de equipamento, agora quando a gente fala em biblioteca acessível entram outras questões também: é a coleção do acervo, a coleção de tecnologias disponíveis, entra também a questão atitude now das pessoas que atendem esses usuários. Então, eu citaria essa universitária como exemplo, mas no sentido do espaço físico, do acesso, do mobiliário e do equipamento, não conheço as outras questões porque essa minha orientanda trabalhou nesse aspecto.
L. B. E.: Só para complementar a fala do professor Ariel, esse trabalho foi apresentado no Congresso Brasileiro de Biblioteconomia este ano, no CBBD.

E. S.: E por último, o Minc lançou recentemente, na semana passada, um Edital de Incentivo a Acessibilidade. Qual a posição de vocês a respeito desse Edital?
E. L. S. M.: Olha, o Minc já no edital anterior para bibliotecas públicas, eu acho que ele já começou a trabalhar no sentido desse edital que ele previa, que as Bibliotecas Públicas participando do edital tinham recursos de acervo. Esse acervo um acervo geral, acervo de literatura estrangeira, brasileira; no caso do Rio Grande do Sul, literatura gaúcha e eles tinham também a opção de indicar, de escolher equipamento de tecnologia e acervo para pessoas com necessidades especiais, principalmente os cegos. E eu participei como avaliadora desse edital e pude ver a grande indicação das bibliotecas públicas do meu estado para áudio livros, para livros em braile, para tecnologia de acesso a informação em braile, mas assim muito voltado para o cego; então hoje aqui mesmo foi tão interessante a fala de um dos participantes. Ele disse que quando olhava a política de acessibilidade da sua empresa ele só via o cadeirante e se a gente avaliar realmente as Normas Técnicas privilegiam o cego, o cadeirante e eu acho que nós temos que ter o olhar muito mais abrangente. Então o Minc também está nessa política pública e tomara que não seja só através de edital de indicação de material, mas que se preocupe também com a questão da formação de pessoas, porque nós temos que trabalhar com as pessoas nesse processo de interação das pessoas, do servidor, do bibliotecário que está seja na biblioteca pública, na escolar, na universitária, na especializada, na comunitária, mas que ele tenha esse olhar pra interagir com as pessoas com deficiência, principalmente nessa atitude de acesso, de acolhida, de acolhimento e oferecendo um serviço de referência e informação que atenda realmente as necessidades de todos sem exceção.
L. B. E.: E quando a professora Eliane cita todos, aqui a gente inclui, quando a gente fala de pessoas com deficiência, nós temos uma caracterização que são os cegos, os surdos, os cadeirantes, aqueles que têm deficiência intelectual e mental, mas nós acrescentamos a essa lista os idosos, em um país que está com um quantitativo bastante alto de idosos, e que só vem a crescer, nós acrescentamos aquelas pessoas que temporariamente estão em uma situação de deficiência também e também nós acrescentamos todos aqueles que estão à margem, que estão excluídos e principalmente aqui também acrescento os doentes crônicos. E quando falamos em bibliotecas todos esses são, ou deveriam ser, usuários da biblioteca. Por isso eu volto a utilizar o termo cidadãos, e quando a gente fala cidadãos a gente está pensando nos seus direitos e nos seus deveres. Então o acesso à informação está lá desde a Declaração [Universal] dos Direitos do Humanos de 1948, é para todos. Então a gente reforça essa afirmação porque nos preocupa muito a possibilidade de assim “Eu não tive na minha formação; acessibilidade me parece uma temática nova.”, que não é; então esse compromisso do profissional bibliotecário, do profissional da informação de possibilitar acessibilidade para todos, é no espaço virtual? Tem que estar em um formato acessível, é no espaço físico? Esse espaço físico tem que estar acessível e o acervo também e o atendimento, essa relação com o outro de forma que ele sinta-se acolhido e atendido nas suas necessidades.
E. L. S. M.: E quando a gente conceitua que o bibliotecário é o profissional da informação, voltada hoje pra essa informação não como um dado, mas para uma informação que traga o conhecimento e a gente conceitua que o bibliotecário é um profissional da informação e é um agente de transformação social; e ai a gente vem para o nosso referencial teórico, quando a gente estuda gestão tendo a visão do cliente tem, ai nós passamos para o usuário, e quando a gente trabalha com esse conceito de agente de transformação social nós temos que ampliar muito mais, porque o usuário é aquele que usa a biblioteca, ele já está ali, e quando a Lisandra traz a questão do cidadão e esse “para todos”, vai muito além do usuário. Então se as nossas políticas de biblioteca hoje tendem a determinados usuários nós temos que correr atrás de trabalhar essa informação, principalmente voltada para essa transformação social além dos usuários. Então ai é necessário um estudo de comunidade, quem é a comunidade que essa biblioteca atende, quais são as suas necessidades para buscar muito além daquele que usa, mas aquele que precisa.

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