Por Fabiano Ristow de O Globo

Posta em evidência em Hollywood após a não indicação de atores negros ao Oscar, a falta de diversidade no cinema não é uma questão exclusivamente americana. Uma pesquisa apontou que a ausência de artistas negros no audiovisual brasileiro, tanto na frente quanto atrás das câmeras, é preocupante. O panorama fica ainda mais crítico quando o fator gênero, além da raça, entra na equação.

Conforme antecipou a coluna de Ancelmo Gois, os números do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Geema), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), mostram que, de 2002 a 2014, homens brancos dominaram o elenco principal das 20 maiores bilheterias de cada ano. Ao todo, eles representam 45% dos papéis mais relevantes. Depois vêm mulheres brancas (35%), homens negros (15%) e, por último, mulheres negras (apenas 5%). Em 2002, 2008 e 2013, simplesmente nenhum filme analisado pelos pesquisadores foi protagonizado por uma mulher negra.

A discrepância é mais gritante quando se olha para os diretores e roteiristas: 84% dos cineastas são homens brancos; 14%, mulheres brancas; e 2%, homens negros. Isso mesmo: nenhuma diretora negra aparece no comando de uma produção de grande bilheteria nos 13 anos analisados pelo estudo. Também não assinou roteiro algum. Já os homens brancos foram responsáveis por 69% dos textos.

— O que saltou aos olhos é que não é só uma problema racial, mas mais ainda de gênero — diz Márcia Rangel Cândido, coautora do estudo ao lado de Verônica Toste, sob coordenação de João Feres Júnior e Luiz Augusto Campos. — Vimos nos debates que a pesquisa suscitou que o problema é sério e pouco discutido, praticamente um tabu.

CINCO DIRETORES NEGROS

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) define uma pessoa como negra pelo critério de autoclassificação. Já os autores do estudo se basearam na heteroclassificação, quando eles próprios definem a cor de pele, a partir de discussões internas. Num país miscigenado como o Brasil, a linha nem sempre é óbvia. Assim, os pardos também foram incluídos entre os negros. Os diretores identificados neste grupo foram apenas cinco: Jeferson De (“Bróder”, 2010), Fábio Barreto (“A paixão de Jacobina”, 2002, e “Lula, o filho do Brasil”, 2009), Estevão Ciavatta (“Made in China”, 2014), Enrique Fernández (“O banheiro do Papa”, 2007) e Joel Zito Araújo (“Filhas do vento”, 2004).

Joel Zito, que também é ativista do movimento negro, vê no passado colonial a origem da falta de diversidade no cinema nacional.

— É um problema da cultura latino-americana, não só brasileira. O projeto de colonização tem como base o branqueamento da população. Essa mentalidade se refletiu em romances, na TV e até em livros didáticos, nos quais o menino negro apareceu muitas vezes com os pés no chão, como um morador de rua. No fundo de uma igreja, os santos são louros e de olhos azuis. É uma segregação que atinge todos os segmentos, inclusive, é claro, o audiovisual.

O último longa-metragem de ficção de Joel Zito foi justamente “Filhas do vento”, estrelado por nomes como Taís Araújo, Thalma de Freitas, Rocco Pitanga e Milton Gonçalves. Desde então, dirigiu apenas documentários. Ele diz que incluir artistas negros no elenco principal traz dificuldades para conseguir financiamento.

— Vivi isso durante toda a minha história. Só este ano devo conseguir voltar à ficção. Tenho três roteiros prontos, mas ainda tento captar (recursos) — afirma o diretor.

cultura

Em dezembro, a Secretaria do Audiovisual lançou o Longa Afirmativo, edital que deve destinar até R$ 3,7 milhão a três longas-metragens dirigidos por cineastas negros. As inscrições ficam abertas até o dia 13 deste mês. A Agência Nacional do Cinema (Ancine) ressalta ainda que, em 2013, lançou o Edital Carmen Santos, que destinou R$ 990 mil a dez curtas e seis médias-metragens.

Segundo Joel Zito, o panorama tem mudado para melhor nos últimos anos, por causa de ações afirmativas e de discursos de celebridades proeminentes, como Lázaro Ramos e Taís Araújo:

— Eles estão dentro da indústria, atuando pela promoção da identidade negra como algo positivo. Parte da geração do passado era acomodada e até sentia certa vergonha — opina ele, lembrando que a própria polêmica do Oscar é uma forma de incutir no imaginário coletivo a importância da diversidade. — Não é um acontecimento que afeta apenas os americanos.

Os pesquisadores perceberam ainda que, mesmo quando há papéis para negros, eles comumente vêm embalados em estereótipos.

— Muitas atrizes pardas são contratadas para interpretar prostitutas, por exemplo — diz Márcia.

O estudo não se debruçou sobre 2015, mas basta analisar os lançamentos do ano passado para concluir que ainda há o que melhorar.

Cintia Rosa foi a protagonista de “O fim e os meios”, de Murilo Salles, em que ela interpreta uma jornalista negra que cobre política em Brasília. A cor de pele da personagem é irrelevante para a trama, o que Cintia vê como algo raro e positivo.

— O preconceito não vem só da cor. A mulher sofre e tem pouco espaço, principalmente a negra. O preconceito sequer é velado, está na cara das pessoas. Fui uma das poucas atrizes negras que protagonizaram um filme, além de não ter feito um papel estereotipado, como empregada ou bandida. A pele sequer era mencionada no roteiro. Portanto, considero esse trabalho um marco na minha carreira profissional. E que fique de alerta para que os diretores escalem mais mulheres negras — pede Cintia.

LISTA DE PROTAGONISTAS NEGRAS:

A partir dos dados obtidos pelo Geema, a pesquisadora Márcia Rangel Candido estudou em sua dissertação a presença de protagonistas negras de 2012 a 2014. Elas representam apenas 7% das 257 obras analisadas. Foram excluídos documentários e filmes infantis. Veja abaixo a lista das atrizes:

Cor preta (termo utilizado pelo IBGE):

“Flordelis: Basta uma palavra para mudar” (2009) – Flordelis

“Antônia” (2007) – Negra Li e Leilah Moreno

“Ó paí ó” (2007) – Luciana Souza

“Mulheres do Brasil” (2006) – Roberta Rodrigues

“Filhas do vento” (2005) – Talma de Freitas e Léa Garcia (interpretam o mesmo personagem em fases distintas da vida), Thaís Araújo e Ruth de Souza (interpretam o mesmo personagem em fases distintas da vida).

“Quanto vale ou é por quilo” (2005) – Ana Carbatti

“Bendito fruto” (2005) – Zezeh Barbosa

“As alegres comadres” (2003) – Elisa Lucinda

Cor parda:

“Made in China” (2014) – Regina Casé

“Totalmente inocentes” (2012) – Mariana Rios

“Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios” (2012) – Camila Pitanga

“Capitães de areia” (2012) – Alessandra Storch

“Baixio das Bestas” (2007) – Dira Paes

“Saneamento básico” (2007) – Camila Pitanga

“Ó pai ó” (2007) – Dira Paes

“Mulheres do Brasil” (2006) – Camila Pitanga

“Narradores de Javé” (2004) – Luci Pereira

“Amarelo manga” (2003) – Dira Paes

Caso à parte (classificada por alguns pesquisadores como branca e por outros como parda):

“Amor por acaso” (2010) e “Mais uma vez amor” (2005) – Juliana Paes

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