O machismo tem origens intrigantes e não é ‘cometido’ apenas de homem para mulher. É uma combinação de fatos e atitudes que torna o homem machista, mas não se espante pelo que vai ler agora: há mulheres machista! Algumas muito mais que alguns homens. Versarei a seguir algumas teorias do machismo, na visão de alguns autores.

Partiremos na busca das origens do machismo como uma definição de um “teórico da masculinidade”: Robert Connell. Segundo ele, “o machismo é um ideal masculino que enfatiza a dominação sobre as mulheres, a competição entre os homens, a exibição de agressividade, a sexualidade predadora e o jogo duplo” (citador por Castañeda).

Analisemos com calma cada parte do fragmento citado acima. “Ideal masculino que enfatiza dominação sobre a mulher…”. Bom, não precisa escrever compêndios para saber que o homem se arroga ser superior às mulheres. Essa ideia de superioridade vem de tempos remotos, desde a Grécia Antiga, onde as mulheres eram relegadas a quase clandestinidade.

“A competição entre os homens…”. Se formos ficar na Grécia antiga, poderemos extrair desse tempo exemplos de competição entre os homens. A sociedade grega tinha uma clara divisão entre os homens considerados cidadãos e os escravos. Se isso não configura competição entre os homens, passemos para exemplos mais atuais. Quem nunca viu ou ouviu (quando não participou) de disputas para saber quem “pegava” mais mulheres numa festa, viagem ou coisa que o valha? Isso é ou não disputa entre homens?!

“A exibição da agressividade…”. Lembro-me agora das disputas entre gladiadores para saber quem era o mais forte entre todos. Todavia quero me atentar a exemplos de nosso tempo. Qual lugar neste país não tem um grupinho de rapazes malhados, que na maioria das vezes pertence às classes sociais mais elevadas, gostam de festas e curtição, e sempre acabam espancando uns e outros que cruzam o seu caminho depois de uma noite regada a muito álcool e outras substâncias?! Sempre conheci esses grupinhos como os “pitboys”. Eles sempre precisam massacrar alguém na pancada para satisfazerem suas necessidades físicas e para mostrarem que são homens.

“A sexualidade predadora e o jogo duplo”.  O adolescente que não “pega” mais de uma garota é taxado como maricas, mulherzinha, que foi criado pela avó (não há nenhuma relação em ser criado pela avó e consequentemente o rapaz “virar” gay, mas muitos usam essa frase de modo pejorativo e vexatório). Quantas vezes eu ouvi isso nas ruas e até mesmo falei… Ao homem (principalmente adolescente), é cobrado que fiquei com muitas mulheres, que “pegue” todas; se assim não o fizer, fica com a reputação manchada no grupo de amigos, na escola e entre os familiares.

Umas das primeiras coisas que alguns pais fazem com seus filhos, tão logo esses atingem a puberdade, é leva-los nas “casas de massagem”, “whiskeria”, prostíbulos. Jovens de 13, 14, 15 anos são levados pelos pais, que satisfeitos, apresentam seus “touros” novos as mais experientes messalinas… E ai do menino que disser que não quer ir, pois além de envergonhar o pai com a recusa, pode ter sua conduta comparada a um homossexual; aí sim, o pior castigo para alguns pais.

É curioso perceber a repulsa que alguns homens têm dos homossexuais (ao ponto de nem tocar numa pessoa que tenha essa orientação sexual), devido a atração que os mesmos têm por pessoas do mesmo sexo. Entretanto, esses mesmos homens têm quase adoração por ícones masculinos; na música, no esporte, em outros segmentos da sociedade.

Marilyn Frey, filósofa feminista norte americana, escreveu um texto na década de 1980 que ilustra bem o que foi escrito acima: “Dizer que um homem é heterossexual implica somente que ele mantem relações sexuais exclusivamente com o sexo oposto, ou seja, mulheres. Tudo ou quase tudo que é próprio do amor, a maioria dos heteros reservam exclusivamente para outros homens. As pessoas que eles admiram, respeitam, adoram, veneram, honram, que eles imitam, idolatram e com quem criam vínculo mais profundo, a quem estão dispostos a aprender, aqueles cujo respeito, admiração, reconhecimento, honra, reverencia e amor eles desejam: estes são, em sua maioria esmagadora, outros homens. Em suas relações com mulher, o que é visto como respeito é gentileza, generosidade ou paternalismo, o que é visto como honra é a colocação da mulher em uma redoma. Das mulheres eles querem devoção, servitude e sexo. A cultura heterossexual masculina é homoafetiva, ela cultiva o amor pelos homens”.

A participação feminina no machismo é tão fundamental para a manutenção do mesmo quanto a participação masculina. É comum dizer que por trás de um homem há sempre uma mulher; de fato isso é verdade, até mesmo para se referir ao machista. A mulher que precisa da aprovação do homem, que é insegura, e pauta a sua identidade na do marido, ajuda a manter o status quo do machismo.

Recorro a mais um fragmento do livro O machismo invisível, da mexicana Mariana Castañeda: “Todos os papéis masculinos associados ao machismo têm um correspondente feminino. Encontramos o exemplo mais comum na mulher psicologicamente insegura cuja identidade depende do marido, que duvida de si mesma, busca continuamente a atenção e aprovação do marido, do pai ou do irmão, teme-o e aceita suas regras do jogo sem questionar, ‘para não causar problemas’. O correspondente feminino do machismo é um dos seus pilares centrais: sem a mulher submissa e dependente, em termos econômicos e/ou emocionais, tal conduta não pareceria tão natural, nem se expressaria de modo tão espontâneo”.

Em minhas andanças por este país (não conheço muitos lugares, mas andei muito por onde fui), percebi alguns exemplos em que a mulher atua como “agente defensor” do machismo. Pude perceber mais nitidamente que na Região Sudeste (de onde sou natural e que vivi 29 anos), algumas mulheres até têm atitudes machistas, mas uma parcela significativa (me refiro às pessoas com que tive contato e conheço) nadam contra a maré, ou seja, não perpetuam a lógica machista.

Já na Região Nordeste (tomo a liberdade de colocar toda a região, embora conheça apenas dois estados, tenho contato com pessoas de outros estados que me fornecem um panorama de como estas sociedades são), onde estou morando, atualmente, fica claro perceber como a mulher (novamente me refiro às que conheço e tenho contato) tem um papel preponderante na manutenção do machismo. Frases do tipo: “ele pode ficar na rua até tarde porque ele é homem”, “as meninas não podem ver, só os meninos, porque eles são homens”, e por aí vai, são recorrentes no cotidiano daqui.

Sabe-se que o machismo perpetua-se claramente por conta da sociedade. Não é um machista que cria uma sociedade, é a sociedade que cria o ser machista, seja homem ou seja mulher. Só uma mudança profunda nas estruturas da sociedade poderá mudar a longo prazo o panorama que vivemos atualmente. É válido lembrar que tanto o homem quanto a mulher são vítimas do machismo (as mulheres infinitamente mais), que repito, emana da sociedade como num todo. “Numa sociedade machista todos são vítimas do machismo, inclusive os homens, quer o percebam ou não. Por conseguinte, para que o machismo continue existindo, é necessário que a sociedade inteira participe dele; e, para que desapareça, é necessário que a sociedade inteira mude de atitude por meio de uma reflexão profunda”, alertaMarina Castañeda.

O machismo, tal como o conhecemos, tem sua origem no patriarcado, e suas raízes estão bem fixadas na terra chamada sociedade. Enfrentar este conceito ideológico é tarefa de todos nós: homens e mulheres conscientes de que não somos diferentes; nem piores e nem melhores do que ninguém.

Para alguns homens que combatem o machismo diariamente, o exercício para não proferir palavras machistas, e o cuidado com as atitudes, para que não sejam agressivas e igualmente machistas, é grande e cuidadoso. Sempre me vejo em choque comigo mesmo, me corrigindo acerca de alguma atitude machista que por ventura eu possa cometer.

É difícil sim não ter nenhuma característica de machista; somos criados com a mentalidade de que o homem precisa ir à rua para conseguir o sustento da família, enquanto a mulher fica em casa, cuidando da mesma e dos filhos. A Organização Mundial do Trabalho divulgou o resultado de uma pesquisa em que fica claro que a mulher trabalha 30h a mais do que os homens, isso por que ela além de trabalhar fora, precisa fazer as coisas em casa quando chega.

Eu não poderia terminar este artigo sem citar mais uma mulher guerreira e militante: “que sejamos socialmente iguais e humanamente diferentes!”, Rosa Luxemburgo.

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