Por Letícia Mendes, do G1 em São Paulo
David Bowie, “Castelo Rá-tim-bum” e “bolinhas” têm algo em comum: pessoas aguardam até quatro horas em uma fila por conta deles. No primeiro semestre de 2014, esses foram os temas de três exposições das mais populares de São Paulo (veja no gráfico ao lado). Para acadêmicos e curadores ouvidos pelo G1, as mostras blockbusters tiraram de casa um público pouco acostumado com museus.
Segundo eles, exposições com temáticas pop ajudaram a fortalecer uma nova forma de se ver e divulgar arte, via redes sociais. No Instituto Tomie Ohtake, a artista japonesa Yayoi Kusama, de 85 anos, mostrou ser a bolinha da vez. Entre 22 de maio e 27 de julho, a exposição “Obsessão infinita” foi vista por 522.136 pessoas, sendo 43 mil só no último fim de semana em cartaz. Esta foi a primeira vez que filas foram formadas na porta para uma mostra do instituto.
“Fizemos uma pesquisa recente no MIS e 50% das pessoas nunca tinham vindo aqui. 30% disseram que não frequentam museus. Queremos que as pessoas saiam com a ideia de que ir ao museu pode ser legal. Quem sabe ela vá visitar outros depois”, diz André Sturm, curador do Museu da Imagem e do Som. Ele espera que a mostra do “Castelo Rá-tim-bum”, que vai até 12 de outubro, atinja 150 mil pessoas. As exposições sobre o cineasta Stanley Kubrick e o músico David Bowie, também no MIS, conseguiram 80 mil visitantes cada, em três meses.
Segundo a Secretaria da Cultura de São Paulo, cerca de 1,4 milhão de pessoas foram a 14 dos principais museus da capital, incluindo os mais populares como MIS, Museu do Futebol, Catavento, Museu da Língua Portuguesa e Pinacoteca. Cada um desses recebeu cerca de 200 mil pessoas de janeiro a junho deste ano. Em todo o ano passado, 2,7 milhões frequentaram os espaços monitorados pela secretaria. “O público vem aumentando ano após ano”, diz a assessoria de imprensa.
Percival Tirapeli, professor do Instituto de Artes da Unesp, acredita que a grande procura de um novo público tem a ver com mudanças de regras nesses espaços culturais. “Antigamente, o museu era um lugar que você ia e tinha que ficar com a mão para trás e não podia falar alto. Agora, todas as grandes exposições têm o ‘educativo’. E a temática não precisa ser pop. O Stanley Kubrick é altamente cult e quem ia pensar que ia ser aquele sucesso”, diz Tirapeli.
“Essas filas recentes são sinal de que as exposições estão ganhando mais espaço na mídia e as pessoas estão sendo mais informadas, apesar da pouca crítica de arte”, afirma Tirapeli. André Sturm aponta que desde a política de gratuidade à realização de atividades diversificadas, em horários expandidos e em espaços externos, ajudam a incluir os museus no programa de lazer dos paulistanos. “Nosso objetivo é oferecer uma programação de qualidade, porque fazer fila é fácil. Põe uma mulher sem roupa ou gente brigando que atrai público”, diz o curador do MIS.
“Para usar o exemplo do Kubrick, que foi a primeira exposição a ter um grande resultado, não dá para dizer que ele é um popstar. E é muito bacana fazer uma exposição, com uma experiência sensorial, que satisfez não só os fãs, mas principalmente novas plateias. Muita gente que não conhecia seus filmes se interessou pela obra dele por causa da interatividade que a gente criou para a mostra. No resto do mundo, os objetos ficavam apenas expostos em vitrines”, completa o curador.
O professor Felipe Chaimovich, do curso de Artes visuais da FAAP, afirma que a formação desse novo público contribui para mudar a visão dos brasileiros sobre museu. “Em São Paulo, para desenvolver esse potencial socioeconômico, devemos enfrentar os desafios específicos nossos, como diminuir a percepção de que museus permanecerão como instituições socialmente excludentes”, diz. “O mundo pop é um fenômeno da sociedade de consumo, surgida após a Segunda Guerra. Esse mundo envolve a indústria de comunicação de massa, como a fonográfica e a televisiva. Associar o pop a um museu é encarar a temática da história contemporânea; fazê-lo com mostras de qualidade é prática adequada”, complementa Chaimovich.
Sucesso de Instagram
Um hábito que o público dessas exposições blockbusters tem é retratar cada detalhe para divulgar em várias redes sociais. Paulo Miyada, curador da exposição de Yayoi Kusama no Tomie Ohtake, diz que o próprio instituto motivou que os visitantes publicassem imagens no Instagram com uma hashtag específica: “Na prática, as selfies acabam contribuindo para a divulgação da exposição”.
Melissa Amorim, gerente de comunicação do Instagram, diz que o grande número de compartilhamentos de fotos de shows e exposições só explicitam o objetivo da plataforma. “No caso do ‘Castelo Rá-tim-bum’, por exemplo, 50% das pessoas que passaram por lá até o momento publicaram uma foto no Instagram usando hashtags como #ratimbum, #casteloratimbum ou #castelonomis. Trata-se de um número importante que mostra o lado social do brasileiro e a vontade de inspirar as demais pessoas a participar de eventos culturais na cidade”, afirma.
A exposição dos Osgêmeos, chamada “A ópera da Lua” e em cartaz na Galeria Fortes Vilaça, virou fenômeno de compartilhamentos em rede sociais. Mesmo com limite de pessoas estipulado em algumas salas, os fãs dos artistas plásticos separavam um tempo para posar com obras. “Essa é uma nova forma de ver arte que está levando museus do mundo todo a permitirem o uso de câmaras sem flash”, atesta Chaimovich.
Até o dia 29 de julho, “A ópera da Lua” reuniu 33.910 visitantes, sendo que o pico de espera na fila foi de duas horas e meia. Segundo estimativa da organização, a mostra na Fortes Vilaça deve somar 56 mil visitantes até o seu fim no dia 16 de agosto. “Com a possibilidade dessas ferramentas que são as redes sociais, o boca a boca virou o clique a clique. Um replica para o outro e, de repente, mil pessoas estão sabendo da exposição. E o mais importante é que estão sabendo por alguém que gostou. É diferente de saber pelo jornal. Alguns museus ainda têm esse preconceito, mas a gente quer mais é que as pessoas fotografem a exposição”, afirma André Sturm.