RIO – A minutos de ministrar a palestra Reinventando a Educação: Diversidade, Descolonização a convite do Coletivo Denegrir da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), o professor Muniz Sodré concedeu uma entrevista para a Revista Biblioo. Tendo passado por uma graduação em Direito, um mestrado em Sociologia da Informação e Comunicação e um doutorado em Letras, já escreveu obras que versam sobre comunicação e trazem críticas à sociedade contemporânea. Sua fala coesa e sucinta de um comunicador de tamanha experiência traz para os leitores reflexões importantes sobre educação, comunicação e sobre sua gestão como presidente da Fundação Biblioteca Nacional.

Emilia Sandrinelli: Professor, o senhor defende que a reforma da Educação precisa estar embasada no processo de descolonização do modelo europeu. Quais seriam as bases de um modelo reinventado da Educação brasileira?

Muniz Sodré: Antes de mais nada reencontrar ou se abrir será uma característica central no Brasil que é a forte heterogeneidade cultural. O Brasil é um país caracterizado pela diversidade cultural, modos de vida, etnia, cores diferentes. Essa diversidade é uma coisa moderna, contemporânea porque as novas tecnologias da informação e comunicação se abrem para o diverso. Não há nada mais diverso que o panorama da internet por exemplo. Você encontra de tudo, mas não é só encontrar de tudo, existe a possibilidade de falar com diversas pessoas a qualquer hora. Então essa diversidade do ponto de vista social e mais amplo da própria internet é fazer os saberes diferenciados darem as mãos, porque o saber que esta na academia é precípuo, subordinante de cima para baixo, forma pessoas para uma profissão, mas ao mesmo tempo isola porque separa essas pessoas dos outros. Então a primeira coisa é a questão da diversidade. Segundo é abrir mão dos modelos centrados na Europa. A própria Europa sabe que não é mais central em termos de cultura universal; não existe mais a centralidade europeia, mas na cabeça brasileira existe, tende a valorizar o que é branco, o que vem dos Estados Unidos e da Europa, como se a tecnologia fosse aplanar exclusivo neles: roupas, modas, comportamentos e também instrução. O segundo momento da descolonização deve centrar na realidade sul-americana e brasileira. A terceira seria fundar uma pedagogia que discuta os pedagogos brasileiros e muitos importantes, como Anísio Teixeira, Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Cecília Meireles. Há uma pletora de educadores importantes no Brasil inclusive do século passado com o movimento da abolição e educacional; um movimento pedagógico também por trás, ler e ver o que é o pensamento brasileiro. Eu penso em um currículo com essa questão da diversidade, ética e cultural, se abrir, portanto, para a história do negro, do índio, das populações subalternas. Isso não está na escola.

E. S.: Qual a contribuição que a TV poderia dar para a Educação atualmente? Qual seria o papel de uma TV educativa hoje em dia?

M. S.: As experiências de TVs educativas faliram. Eu não acredito em TV educativa. Acredito em uma TV viciada para animação cultural, tipo TV Cultura, mas isso não é TV educativa. A Educação é cara a cara ou então computador para determinadas matérias. Têm matérias que são mecânicas, pode aprender cálculo mecanicamente. Há coisas que as tecnologias da comunicação ajudam muito e podem modernizar a escola, mas a televisão educativa nunca deu certo. Poucas experiências funcionaram aqui ou ali, mas é uma hipótese cada vez mais abandonada.

E. S.: O modelo de Educação à distância via internet e outros meios de comunicação, estão sendo difundidos como uma forma de melhorar a qualidade da Educação ou pelo menos aumentar o alcance. Você concorda com isso? Pode ser uma solução?

M. S.: Não. É um recurso que pode funcionar para uma determinada disciplina ou curso, mas um recurso em geral instrucional. Faço a diferença entre Educação e instrução. A Educação é política e ética. Eu não vejo política e ética passarem à distância.

E. S.: Durante a sua gestão na Fundação Biblioteca Nacional que terminou em 2011, já era possível identificar os sintomas da crise que se instala atualmente? Como você vê essa crise?

M. S.: A crise de manutenção?

E. S.: Sim.
M. S.: Quando eu entrei na Biblioteca Nacional já havia um problema desse tipo. Eu entrei inclusive porque existiram crises no sistema de segurança, crise nos banheiros. Minha gestão durou cinco anos e não houve isso. Eu me dediquei por inteiro à biblioteca. Eu não fiz planos ou institutos de livros, nada disso. É difícil manter um prédio centenário com a oitava maior biblioteca do mundo, com livros para cuidar e sistemas elétricos falidos. A situação precária já estava dada ali, desde antes de mim, mas durante a minha gestão foi difícil fazer isso. Eu me esforcei para que não houvesse nenhuma crise e não houve.

E. S.: Você disse que a situação precária vinha antes da sua gestão…

M. S.: Vinha antes porque é um prédio com problemas; não de estruturas, porque é muito bem construído, é uma obra prima de construção aquele prédio. Problemas do sistema elétrico, que é cara e muito difícil a reforma, mas tem que ser feita.

E. S.: No caso dessa precariedade vir se estendendo há bastante tempo, você não acredita que seja um sinal de abandono da Cultura e da Educação que se instala no país?

M. S.: Como eu dizia, no prédio durante a minha gestão não houve problemas, não houve crise. Mas a pergunta interessa realmente a esse governo que está aí? Uma coisa como biblioteca realmente? Eu pessoalmente não acredito; o problema é esse… Hoje em dia você fazer qualquer coisa com o dinheiro público… É difícil de gerir orçamento público. Você tem instrumentos de controle do Tribunal de Contas da União [TCU]. O cara que vai gerir orçamento público está entre duas paredes que vão se apertando. É muito ruim ser gestor público; é uma tarefa difícil. No menor deslize, no menor erro é a imprensa que cai em cima, o TCU cai em cima, o povo não quer saber, o povo não é absolutamente solidário. Eu tive apenas muita sorte. É um cargo que jamais aceitaria de querer de volta. É muito duro, não compensa financeiramente; é só uma honra, presidir a biblioteca. É uma honra, mas é muito difícil, extremamente difícil. O governo está interessado em economia e não em cultura.

E. S.: Existe um movimento grande dentro da área de Biblioteconomia que preza que um presidente da Biblioteca Nacional tenha formação em Biblioteconomia. Qual a sua opinião sobre isso?

M. S.: O problema ali não é de como gerir uma pequena biblioteca. É um problema de boas conexões com o governo e com o Ministério da Cultura. É uma gestão intelectual. Não se trata de organizar tecnicamente a biblioteca; as técnicas existentes ali dentro são ótimas, tem excelentes bibliotecários. Precisamos de uma coordenação de natureza intelectual e política, então não é a profissão Biblioteconomia. Se tiver uma bibliotecária com essas características, pessoalmente não conheço nenhuma, mas deve ter… Mas não é essa a questão. Ali está cheio de grandes bibliotecários e bibliotecárias e nenhum desses foi presidente da Biblioteca Nacional.

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