No estado do Rio, apenas 18% das escolas possuem bibliotecas. Em muitas destas, além da falta de espaço, há também a falta de um bibliotecário atuando. E quando há espaço este geralmente é transformado em espaços de leitura os quais, infelizmente, são pouco utilizados pelos professores das instituições. As informações foram transmitidas durante o 5º Fórum de Bibliotecários do Rio de Janeiro, cujo tema era a biblioteca escolar, realizado na Câmara Municipal de Niterói, município da região metropolitana do Rio, no dia 17 de abril. O evento foi uma realização do Conselho Regional de Biblioteconomia 7ª região (CRB7), em parceria com a Prefeitura de Niterói e Conselho Municipal de Cultura de Niterói (CMCN).
De acordo com os palestrantes, há carência de recursos financeiros e humanos neste espaços. Daniela Spudeit, coordenadora do curso de Licenciatura em Biblioteconomia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRI) e mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), explicou que existe em torno de 188 mil escolas ativas, conforme o Censo Escolar de 2014, sendo que em 2011 tínhamos apenas 16.332 Bibliotecários registrados nos Conselhos Regionais de Biblioteconomia, o que equivale a 8% da necessidade. Além disso, Spudeit mencionou que o bibliotecário que atua em instituições de ensino precisa fazer um trabalho interdisciplinar em conjunto com pedagogos e outros profissionais na escola para promover sempre a educação e a cultura.
Para Helba Oliveira, professora da Universidade Salgado de Oliveira (Universo), especialista em Docência do Ensino Superior e bibliotecária do Arquivo Nacional, estes profissionais (bibliotecários e pedagogos) devem estar preparados para dar auxílio às crianças especiais, isto é, a biblioteca escolar deve ser acessível e inclusiva. Oliveira defendeu que, além dos alunos, a biblioteca escolar deve atender aos professores para uma formação continuada e aos pais, pois estes devem incentivar os filhos ao hábito da leitura.
Mariza Russo, professora do Curso de Biblioteconomia e Gestão de Unidades de Informação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CBG/FACC/UFRJ) e doutora em Engenharia de Produção, pela COPPE/UFRJ, explicou que devido à carência de bibliotecas públicas, a biblioteca escolar deveria atuar como biblioteca comunitária, isto é, atender a todos da comunidade, sem distinção de raça, cor, religião, como previsto pela UNESCO, incentivando e transformando o ser humano. “As bibliotecas mudam vidas”, disse ela.
Apesar de ter tido pouca divulgação, fazendo com que muitos bibliotecários não conseguissem se planejar para comparecer, o evento teve um significativo número de participantes, dentre os quais estavam bibliotecários, docentes da área, estudantes (graduação e pós- graduandos) e outros profissionais da educação, como professores e pedagogos.
Previsto na programação do evento, os parlamentares, deputados estaduais Marcelo Freixo e Waldeck Carneiro, entre outros, não compareceram, o que foi justificada pelo presidente do CRB-7, professor Marcos Miranda, como uma falha de comunicação entre os organizadores e os parlamentares.
A Lei da Biblioteca Escolar e sua implementação
A Lei da Biblioteca Escolar (Lei nº 12.244 de 24 de maio de 2010), que dispõe sobre a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino do País, sancionada no governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi bastante debatida. A lei, cujo prazo de aplicação vai até o ano de 2020, encontra dificuldades em sua implementação, sobretudo em função da carência de profissionais da área, conforme destacou o presidente do CRB7 e a Prof.ª Mariza Russo (CBG/FACC/UFRJ).
Em função desta carência, houve a criação de cursos à distância, como o da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que iniciará suas atividades em 2016. Além, disso, existe o curso de Licenciatura em Biblioteconomia, reiniciado em 2010 na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), que tem como objetivo contribuir para a formação de profissionais habilitados para atuar nas escolas em conjunto com professores e bibliotecários para proporcionar uma educação de maior qualidade e desenvolver atividades que visem a formação de competências informacionais nos alunos.
Também foi colocado pelo representante do CRB7 que se faz necessário um planejamento emergencial para as bibliotecas do estado do Rio de Janeiro, devendo se colocar minutas da pauta biblioteca escolar nos 32 municípios da unidade federativa. Além disso, Miranda mencionou a necessidade de se ter uma Especialização em Biblioteca Escolar para qualificar profissionais e de criar um repositório com trabalhos na área. Ainda neste debate, foi colocada a ausência do profissional no Plano Nacional de Livro e Leitura (PNLL), instituído em 2006 por iniciativa dos Ministérios da Cultura e da Educação do país.
As experiências com a biblioteca escolar
Segundo Cilene Oliveira, da Gerência de Mídia-Educação da Prefeitura do Rio, em 2011 as bibliotecas da capital fluminense tornaram-se híbridas, virando biblioteca escolar e pública ao mesmo tempo (decreto municipal n. 33.444 de 01 de março de 2011). Cilene mencionou que a Prefeitura está transformando as bibliotecas em extensão da escola e que houve a necessidade de reforma física e estrutural. De acordo com ela, houve aquisição de acervo novo, como o de periódicos (jornais, gibis, entre outros) e também de computadores (Biblioteca ProInfo).
A bibliotecária e professora citou a necessidade de uma formação continuada e que estão sendo realizadas reuniões mensais, visitas técnicas a outras instituições e cursos em parceria com a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). “Ainda temos muitos desafios”, disse ela. Dentre os desafios apontados por Cilene estão a questão salarial e de acervo, bem como a aquisição de um sistema para informatizar as bibliotecas.
A bibliotecária Rachel Polycarpo da Silva, responsável pela Biblioteca Flor de Papel da Superintendência de Documentação da Universidade Federal Fluminense (SDC/UFF) afirmou que das 26 bibliotecas que compõem a rede, duas são bibliotecas escolares: a Flor de Papel e a Monteiro Lobato. Segundo ela, a Biblioteca Flor de Papel é fruto de um projeto de extensão universitária entre as áreas de Biblioteconomia, Letras e outros cursos. Atendendo ao público pré-infantil da creche universitária, a biblioteca está adequada ao acesso das crianças aos livros e a literatura infantil, conforme destaca a bibliotecária.
Raquel lembrou o direito à liberdade de expressão previsto na Convenção dos Direitos das Crianças (Decreto no 99.710, de 21 de novembro de 1990), segundo o qual “esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e divulgar informações e ideias de todo tipo, independentemente de fronteiras, de forma oral, escrita ou impressa, por meio das artes ou por qualquer outro meio escolhido pela criança.”
Rachel enfatizou que a criança é uma usuária de informação, inclusive mais que o adulto, pois tudo para ela é informação, estando na fase de descobrir o mundo. A bibliotecária destacou algumas atividades da Flor de Papel, como o Varal do Livro, cujo objetivo é dinamizar o acervo; o Hospital do Livro, voltado à educação de usuários; a Fábrica de Palavras, que incentiva a ampliação do vocabulário; o Mural de Autores, onde os autores são apresentados aos leitores, entre outras.
A equipe da biblioteca preserva a formação continuada e a participação em mesas redondas sobre as bibliotecas e a educação infantil, conforme ressaltou Raquel. Segundo ela, muitos resultados foram observados desde a criação do projeto, como a alfabetização de algumas crianças, concluída ou em processo. Além disso, as crianças passam a gostar de ler e de ter a prática de ir à biblioteca, compreendendo esta como um espaço de criação. Durante a sua explanação, Rachel apresentou cada membro da equipe e afirmou que é impossível trabalhar com uma equipe reduzida.
O bibliotecário Marcelo Marques de Oliveira, representante da Fundação Municipal de Niterói, mencionou a importância de recomendações acerca das Bibliotecas Escolares no estado do Rio de Janeiro a partir da Carta de Niterói (Documento propositivo aprovado durante o I Fórum Nacional de Racionalidades Médicas e Práticas Integrativas e Complementares em Saúde em 2012), ressaltando a importância de políticas públicas para as bibliotecas públicas, escolares e comunitárias do município. Durante sua apresentação, mencionou a obra clássica da área “Miséria da biblioteca escolar” (editora Cortez, 1995), escrita pelo hoje deputado estadual Waldeck Carneiro.
Alan Cruz de Souza, bibliotecário responsável pela Biblioteca Professor Aloysio Jorge do Rio Barbosa do Colégio Pedro II, unidade Duque de Caxias, município da Baixada Fluminense, disse em seu relato que a biblioteca, quando assumida por ele, não era frequentada e o acervo era composto inicialmente pela doação da esposa do professor a qual a Biblioteca homenageia com o seu nome. Para que a biblioteca passasse a ser utilizada, segundo ele, houve a mudança do layout da mesma que ganhou um varal no qual os periódicos que chegam à instituição são exibidos e mudança de algumas “regras das bibliotecas” como “Aqui pode conversar”, “Não é proibido o uso do celular” etc.
Para aquisição de acervo, a Biblioteca fez uma parceria com a Fundação Dorina Nowill, que doa livros especiais e acessíveis. A instituição também fez parceria de empréstimo com o Centro Cultural Banco do Brasil do Rio (CCBB/RJ). Algumas atividades realizadas pela biblioteca são: 1) proteção de tela dos computadores com capas de livros e resenhas com seus respectivos números de chamada, dinamizando a informação; 2) criação da exposição “O livro além das páginas”, onde são exibidos livros que inspiraram músicas, filmes, peças de teatro, histórias em quadrinhos (HQs), assim como HQs que viraram filmes e 3) Cine Biblio, atividade em pareceria com um professor, onde é exibido um filme com temática histórica e, após a sessão, são apresentados livros com a mesma temática.
Na biblioteca foi criada a seção ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), IME (Instituto Militar de Engenharia), ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) e concursos voltados, principalmente, para alunos do 3º ano do Ensino Médio. O bibliotecário também criou listas de sugestões para a aquisição de livros através do Google Docs o que, segundo ele, está tendo uma boa receptividade por parte dos alunos e do colegiado.
Conforme destacou Alan, o Colégio Pedro II, unidade Duque de Caxias, localiza-se numa região que possui muita necessidade informacional, atendendo não só alunos da unidade, como também alunos da Baixada Fluminense como um todo. O bibliotecário mencionou a necessidade de um trabalho em equipe, pois sozinho, o profissional não dá conta.
Quanto às “Reflexões e Recomendações acerca das Bibliotecas Escolares no Estado do Rio de Janeiro: A Carta de Niterói”, proposta inicial do evento, ficou acertado com CRB7 que será promovido outro encontro com a participação de outros membros da sociedade como sindicato dos professores e a presença de parlamentares.
Ficou evidente que muitos desafios a categoria terá que enfrentar não sozinha, mas buscando ajudas e parcerias, seja com entidades e com outros profissionais da educação. Ao que parece, muitas vezes a Biblioteconomia Escolar não é vista como atrativa devido à questão salarial e a falta de recurso humano, financeiro etc., mas que é um campo onde o bibliotecário é essencial, mostrando a sua importância dentro da instituição com projetos e atividades que estimulem a participação dos alunos.
Caso como as Bibliotecas Flor de Papel e do Colégio Pedro II – Unidade Duque de Caxias, mostram exemplos de atividades criativas e possíveis para serem trabalhadas em unidades de informação de instituições de ensino com alunos de todas as idades, da creche ao Ensino Médio.
Durante o evento houve ainda homenageou 16 bibliotecários escolares e populares.