Boas condições de leitura são indispensáveis para um bom aprendizado, de tal modo que o desempenho dos estudantes melhora na medida em que as escolas contam com bibliotecas e outros espaços de leitura bem estruturados. Só para se ter uma ideia, uma pesquisa promovida pelo Instituto Pró-Livro mostra que as bibliotecas escolares possuem impacto muito positivo na média do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), principalmente nas escolas mais vulneráveis, aumentando o seu rendimento em 0,5 pontos.

Ainda de acordo com essa pesquisa, em relação ao Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), o desempenho dos alunos em Língua Portuguesa aumenta em 4 pontos, ou seja, o equivalente a 1/3 de um ano de aprendizado para alunos entre o 5º e o 9º ano. Nas escolas mais vulneráveis a relevância é da magnitude de 16 pontos, o que comprova o papel fundamental assumido pelas práticas de leitura nas escolas, ainda mais nesse 26 de outubro, data em que se comemora o dia da biblioteca escolar.

Pensando nisso, em 2015, durante o nosso primeiro mandato, apresentamos à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, por solicitação do Movimento Abre Biblioteca, um Projeto de Lei (PL) que visava instituir a rede de bibliotecas escolares no município. A ideia era garantir a implementação da Lei nº 12.244/2010, lei das bibliotecas escolares, que estabelece que até esse ano de 2020 todos os estabelecimentos de ensino básico, públicos e privados, deveriam ter bibliotecas.

Além do referido PL, propomos à época à Comissão de Finanças, Orçamento e Fiscalização daquela Casa uma Emenda Aditiva à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) com o objetivo de garantir previsão orçamentária na hipótese de aprovação do referido Projeto de Lei. Ocorre, entretanto, que depois de muito trabalho, apenas 12 vereadores, dos 17 necessários, assinaram o documento, resultando em um parecer contrário da referida Comissão.

Com o fim daquela legislatura e a nossa não recondução ao mandato, o PL foi arquivado, assim permanecendo até hoje. Nesse interim, a situação das bibliotecas escolares na cidade do Rio se agravou enormemente. Hoje, das 1.500 unidades de ensino básico ligadas à Prefeitura, penas três possuem bibliotecas com bibliotecários. Isso significa que apenas 0,5% das nossas escolas contam com este tipo de equipamento cultural e educacional, um verdadeiro acinte à educação da nossa cidade.

Além de precarizar o processo educacional, a ausência de bibliotecas nas escolas também precariza a vida de centenas de milhares de trabalhadores, como bibliotecários, contadores de história e mediadores de leitura, para ficar em apenas alguns exemplos, que não só poderiam, como deveriam ter nesse caso oportunidades de trabalho, com garantia de renda para si e para seus familiares, sobretudo num momento em que as políticas econômicas de sucessivos governos têm feito aumentar exponencialmente o contingente de desempregados no país.

Só para se ter uma ideia, não se conhece notícia da última vez que a Prefeitura do Rio realizou concurso público para bibliotecários e outros profissionais do livro para as escolas. Em 2008, na gestão do então prefeito Eduardo Paes, a Prefeitura do Rio realizou um concurso para bibliotecários que seriam empregados nas bibliotecas populares do Rio, mas o salário era tão baixo (cerca de R$ 1.200,00 à época), que a gestão municipal conseguiu reter poucos profissionais, que chegavam a ganhar bem melhor mesmo na iniciativa privada que, por tradição, paga muito mal a esses profissionais.

Mesmo hoje, aos poucos bibliotecários remanescentes daquele concurso, resta uma herança maldita de defasagem salarial e a ausência de um plano de carreira. Só para se ter uma ideia, passados mais de 12 anos da realização do último concurso, os proventos desses trabalhadores não ultrapassam o valor de R$. 2.203,32, o que ignora o fato da categoria contar com um piso salarial de R$ 3.158,96, estabelecido pela lei estadual nº 8.315/2019, que embora não vincule legalmente a gestão municipal, a vincula moralmente.

A gestão do prefeito Marcelo Crivella é um verdadeiro desastre no que se refere às políticas públicas de livro, leitura e bibliotecas. Além de não ter se empenhado em criar o Plano Municipal de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (PMLLLB), que tem por objetivo estabelecer as políticas mais gerais nessa área, Crivella ainda tentou censurar um livro na Bienal do Livro do Rio de Janeiro em 2019 sob a alegação de que a obra atentava contra a moral e os bons costumes.

Obviamente que este não foi um caso isolado. A tentativa de censura a um livro por parte do prefeito se coaduna com as políticas fascistas do governo Bolsonaro, de quem é aliado de primeira hora, um inimigo declarado da educação e do conhecimento, um governo que desmonta bibliotecas e ataca escritores e intelectuais, como é o caso de Paulo Freire, ao mesmo tempo em que se declara um leitor de Carlos Brilhante Ustra, um torturador da ditadura militar já condenado pela justiça brasileira.

Mas Crivella não é o único responsável pela tragédia no que se refere às bibliotecas, sejam elas públicas ou escolares. Em 2011, um decreto municipal (decreto n. 33.444/2011), editado pelo então prefeito Eduardo Paes, transformou as bibliotecas da capital fluminense em instituições híbridas, transformando algumas bibliotecas públicas em bibliotecas escolares, uma forma de dar a impressão de que a Prefeitura se adequava às exigências da Lei nº 12.244/2010, quando na verdade nada havia sido construído.

Em tempo, as bibliotecas populares estão cada vez mais defasadas, seja na infraestrutura, seja na atualização de seus acervos. Quem frequenta estes espaços percebe que eles estão abandonados pelo poder público, sem aparelhos de ar-condicionado, sem mobiliário adequado, principalmente para os portadores de necessidades especiais, como cadeirantes e cegos que ou não conseguem chegar até esses espaços ou não conseguem utilizar seus acervos que não são adaptados, com raras exceções.

Não é demais lembrar que o estado do Rio é a unidade da federação com o menor número de bibliotecas por habitante, conforme os números do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP). Por aqui, existe apenas uma biblioteca para cada 110 mil habitantes. No município do Rio de Janeiro município do Rio essa situação é ainda, pois aqui existe uma biblioteca para cada 722 mil habitantes, quando a média nacional é de uma biblioteca para cada 33 mil habitantes.

Sob a alegação de estar promovendo uma “reestruturação administrativa”, a Prefeitura extinguiu em 2017 três bibliotecas da estrutura organizacional da Secretaria Municipal de Cultura (SMC): a Biblioteca Abgar Renault, localizada no prédio da Prefeitura, na Cidade Nova; a Biblioteca Fernando Sabino, situada na Lona Cultural Municipal Herbert Vianna, no Complexo da Maré, Zona Norte da cidade, e a Biblioteca Jorge Amado, que fica dentro da Lona Cultural Municipal Sandra de Sá, em Santa Cruz, na Zona Oeste.

Essas situações fartamente documentadas e noticiadas demonstram a total falta de compromisso do prefeito Marcelo Crivella com a pauta da cultura e da educação. Por isso nosso mandado assume, como sempre assumiu, o compromisso de lutar não só por políticas públicas que contemplem os diversos segmentos da cadeia do livro, o que inclui além dos bibliotecários e das bibliotecárias, escritores, livreiros, ilustradores, diagramadores, etc., mas lutar para que o acesso ao livro, a leitura e às bibliotecas sejam encarado como algo tão importante como comer e se vestir.

Pelo direito humano à leitura, continuares lutando para que se efetive na cidade do Rio de Janeiro uma rede municipal de bibliotecas escolares, um Plano Municipal de Livro, Leitura, Literatura e Bibliotecas (PMLLLB/RJ), com previsão orçamentária para a sua execução, bem como a real e definitiva reestrutura das nossas bibliotecas populares com a valorização dos seus trabalhadores e trabalhadoras.

*Esse artigo contou com a colaboração de Chico de Paula, editor-chefe da Biblioo, que calaborou na elaboração da minuta do projeto de lei que tem por objetivo instituir na cidade do Rio de Janeiro (RJ) uma rede de bibliotecas escolares.

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