“Uma criança, um professor, um livro e uma caneta podem mudar o mundo”, disse Malala Yousafzai, a adolescente paquistanesa que foi alvejada pelo Taleban por promover a educação para meninas, em discurso recente na Organização das Nações Unidas (ONU). Disse ainda: “Vamos pegar nossos livros e canetas. Eles são nossas armas mais poderosas”.

Só na Síria, aproximadamente dois milhões de crianças foram obrigadas a abandonar a educação primária, segundo o Unicef. De acordo com a organização, cerca de 20% das escolas não estão funcionando. Das 22 mil unidades do país, estima-se que mais de 2,4 mil tenham sofrido danos de infraestrutura por causa da guerra, conforme notícia do site oficial da ONU Brasil.

Na República Democrática do Congo (RDC), cerca de 250 escolas foram ocupadas ou saqueadas durante os conflitos, elevando para 600 o número de unidades de ensino afetadas pelo conflito somente no ano de 2012.

Mas se os números referentes às escolas são relativamente seguros, não se pode dizer o mesmo sobre as bibliotecas e os livros.

“Em 2003, a guerra levou à extinção mais de 1 milhão de livros e 10 milhões de documentos da Biblioteca Nacional do Iraque, berço da Civilização Ocidental. Inertes, assistimos em tempo real a um verdadeiro genocídio cultural, cujas consequências para as próximas gerações serão irreparáveis”, disse Fernando Báez em seu “História Universal da Destruição dos Livros”.

Reféns dos conflitos e da miséria que assolam diversas partes do mundo, pessoas e instituições lançam mão de medidas heroicas com vistas a salvar a memória do mundo. Um desses heróis é o livreiro e bibliotecário da cidade de Timbuktu Abdel Kader Haidara, conforme noticiou recentemente a Revista Istoé. Diz a reportagem: “No final de 2012, ao testemunhar o recrudescimento do conflito entre radicais islâmicos e o governo de seu país, o Mali, no noroeste da África, ele não esperou para ver qual destino teriam os raríssimos manuscritos que ele e outros livreiros guardavam caso uma guerra de fato eclodisse. Homem de ação, Haidara reuniu os colegas de profissão e, com apoio internacional, deu início a uma incrível operação de retirada preventiva da coleção, que conta com mais de 250 mil exemplares. Foram muitas viagens entre Timbuktu e Bamako, capital do país africano para onde as obras foram levadas, até que 80% do acervo estivessem a salvo”.

Em La Gloria, município do departamento de Cesar na Colômbia, situado no Noroeste do país, Luis Soriano criou uma biblioteca itinerante que distribui livros nas costas de dois burros, Alfa e Beto. Soriano é professor de escola primária, tendo sido conquistado pela leitura ainda pequeno.

Em sua “Declaração pelo Direito às Bibliotecas”, a ALA (American Library Association), em sua Conferência Anual, realizada na cidade de Chigago, estado de Illinois, nos Estados Unidos, em julho deste ano, destacou: “Todos os dias, em inúmeras comunidades em todo o […] mundo, milhões de crianças, estudantes e adultos utilizam as bibliotecas para aprender, crescer e alcançar os seus sonhos. Além de uma vasta gama de livros, computadores e outros recursos, os usuários da biblioteca se beneficiam do ensino especializado e orientação provida por bibliotecários e funcionários da biblioteca para ajudar a expandir as suas mentes e abrir novos mundos”.

Traçando um paralelo entre as funções assumidas tanto por escolas, quanto por bibliotecas, diz a referida Declaração: “Muitas crianças e adultos aprendem a ler na escola e nas bibliotecas públicas por meio da hora do conto, projetos de pesquisa, leitura de verão, aulas e outras oportunidades. Outras pessoas vão à biblioteca para aprender as habilidades da tecnologia e das informações que poderão ajudá-los a responderem às suas dúvidas, descobrirem novos interesses, e compartilharem as suas ideias com outros indivíduos”.

De forma semelhante do Manifesto IFLA/UNESCO para biblioteca escolar diz que “A biblioteca escolar propicia informação e ideias fundamentais para seu funcionamento bem sucedido na atual sociedade, baseada na informação e no conhecimento. A biblioteca escolar habilita os estudantes para a aprendizagem ao longo da vida e desenvolve a imaginação, preparando-os para viver como cidadãos responsáveis”.

Ao destruir uma escola e/ou uma biblioteca, portanto, atenta-se de forma contundente contra os direitos humanos. Observe, entretanto, que o atentado aos direitos humanos não se dá apenas de forma ativa, mas também de forma omissiva. Assim posto, não só a destruição de escolas e bibliotecas é um atentado aos direitos humanos fundamentais, mas a sua não realização se mostra uma franca agressão aos que dependem destes instrumentos para alcançar o conhecimento e, por consequência, a autonomia enquanto sujeito.

Para finalizar, destaco que a história de nossas escolas e bibliotecas está de tal maneira relacionada que aquele que é considerado pela doutrina biblioteconômica como o primeiro bibliotecário brasileiro, o irmão Antônio da Costa, era também professor em Salvador em 1677 quando tinha apenas 33 anos. Por sinal a mesma idade que tenho hoje.

As bibliotecas e as escolas, portanto, têm uma relação estreita, para o melhor e para o pior. Ambas vivem assoladas ora pela violência, ora pelos desastres naturais, fazendo com que se exija uma atenção especial por parte do poder público para com estes instrumentos de promoção dos direitos humanos: escolas e bibliotecas.

Adaptação do original Escolas e bibliotecas como instrumentos de promoção dos direitos humanos apresentado por mim no seminário Leituras Transversas da Faculdade de Educação da Baixada Fluminense (FEBEF) em outubro de 2013.

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