RIO – Inteligente e proativa, Maria Alice Ciocca de Oliveira é uma daquelas profissionais que provoca orgulho entre seus pares. Tendo defendido recentemente sua dissertação de mestrado em museologia, a bibliotecária do Observatório do Valongo – OV (Instituto do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza – CCMN – da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ) destaca sua preocupação com a questão da memória das ciências: “hoje a gente tá tendo a oportunidade de olhar para trás e querer recuperar, reconstruir, ou melhor, até construir essa memória”. Não obstante, José Adolfo Snajdauf de Campos, Astrônomo e professor do OV, cativa por sua disposição intelectual. Instigado a falar sobre a história das ciências, professor Adolfo, como normalmente é tratado, não poupa conhecimento e discorre longamente sobre informações dignas de um historiador perspicaz. “Não é que a pessoa vá virar historiador de ciência, mas pelos menos que demonstre uma certa sensibilidade com essa questão”, ressalta. Cercados por raridades bibliográficas (a conversa foi gravada na Biblioteca de Obras Raras do Centro de Tecnologia da UFRJ), os dois pesquisadores falam neste Diálogos sobre as afinidades profissionais lhes impulsionaram a uma parceria que tem rendido frutos a ambos.

Chico de Paula – Eu gostaria que vocês começassem se apresentando. Falando um pouco do histórico de trabalho de vocês, mesmo que brevemente. Se vocês pudessem fazer isso…

Maria Alice C. de Oliveira – Eu sou bibliotecária da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Da unidade do Observatório do Valongo. Trabalho na universidade há dezessete anos. Terminei recentemente o mestrado. Sou mestre hoje em Museologia e Patrimônio. Basicamente isso que faço… Trabalho… Trabalho na universidade…

José Adolfo S. de Campos – Que você teve interesse pelo patrimônio do Observatório despertado.

M.A.C.O– É! Falando no aspecto do que foi desenvolvido no mestrado. Tive o interesse em trabalhar com a memória da instituição. Este tema que no momento nos liga. Eu e ao professor Adolfo. Ainda que a gente tenha trabalhado há bastante tempo. Eu fiz dezessete anos. De uma maneira bem próxima, sempre. Na própria biblioteca eu tenho a participação bastante próxima dele e de alguns outros profissionais…

C. P. – Você poderia falar do tema que liga vocês…

M.A.C.O – É, eu vou falar do tema. Mas no momento o tema que foi abordado na minha dissertação foi dos objetos de ciência e tecnologia do Observatório. Do próprio Observatório do Valongo… Da coleção, é que nos aproximou muito, eu e ao professor Adolfo. Fazendo essa pesquisa, obviamente gerou uma dissertação e agora gerando a tese de doutorado do professor. Eu no aspecto da coleção e ele no aspecto, que ele vai falar mais, no ensino da Astronomia, né? Que nos aproximou muito mais. Com isso nos aproximamos. Fizemos a pesquisa em conjunto. Certo? O que foi maravilhoso, não só na pesquisa, mas no próprio trabalho dentro do Observatório.

J. A. S. C. – Bom! Eu sou professor José Adolfo de Campos. Eu trabalho no Observatório do Valongo como professor há quase quarenta anos. Entrei como aluno em 1967. Eu poderia estar aposentado…

C. P. – Anos de chumbo no Brasil.

J. A. S. C. – O que me move, atualmente, é essa parte histórica. Sempre me interessou dentro do Observatório, porque eu vivi, pelo longo tempo que estou no Observatório… Eu vivi a história recente do Observatório. E muito vivamente podendo dizer assim. E eu sempre tive um interesse muito grande, junto com outro colega que não está aqui que é o Rundsthen (coordenador de extensão do OV), que partiu do nada e que sempre teve o interesse pela questão histórica. E ai surgiu a oportunidade, de alguns anos pra cá, de eu fazer um doutorado na área de História das Ciências, aqui no HCTE (Programa de Pós-graduação em História das Ciências e Epistemologia da COPPE/UFRJ), o que juntou a fome com a vontade de comer. Eu sempre tive vontade de explorar mais essa questão de dados, levantamento do imenso material histórico que a gente tem e que nos uniu aqui em termos de pesquisa. A Alice, porque ela também tinha interesse. Depois até… Inicialmente o seu interesse era pela história, depois é que surgiu a oportunidade dela fazer um mestrado, que fez brilhantemente. Defendeu agora. E nós, ao longo da pesquisa dela e da minha, nos ajudamos mutuamente, indo ao Arquivo Nacional, a biblioteca aqui de Obras Raras (do Centro de Tecnologia da UFRJ), ao museu da escola de Engenharia, ao protocolo (do Centro de Tecnologia da UFRJ). Nós tivemos de trabalhar ajudando um ao outro recolhendo material. E temos um projeto de extensão. Que já está no segundo ano agora. Foi aprovado. De digitalização da documentação histórica do Observatório. É muito importante pra preservação da história, pras gerações futuras. Agora até li no O Globo, como gancho, que o Museu Nacional está preocupado, e houve uma sugestão, acho que dos professores, pra digitalizar o acervo, no sentido de perenizar essa informação. Um pouco tarde. Mas, nesses órgãos públicos, só depois que pega fogo é que o pessoal se lembra.

C. P. – Coisa de Brasil, né?

M.A.C.O – Da universidade?

J. A. S. C. – Da universidade e de uma maneira em geral. A Biblioteca Nacional, acho que tem uma parte. O Museu nacional, a informação eu acho que está no jornal de hoje (edição do jornal O Globo do dia 04/04) ou de ontem, cerca de 30% [trinta por cento] do acervo digitalizado, o que não é uma verdade, mas… [risos]. Duvido que eles tenham aquele acervo gigantesco…

M.A.C.O – Assim, o trabalho que a gente vem desenvolvendo, que surgiu essa oportunidade de trabalhar com a memória… Quer dizer, já tem um tempo pra cá, no próprio Observatório, como o professor falou… Antes eu tinha essa intenção – sempre tive, né? – de reunir as informações que apareciam, né? Que iam aparecendo dentro do Observatório. E a gente ia reunindo, e com isso a biblioteca acabou ficando como um local um pouco de referência. Todo material que era encontrado, ou por mim ou por qualquer outra pessoa dentro do Observatório, acabava sendo direcionado pra biblioteca. Tipo um papel venho, em fim, é alguma coisa que não tá tendo muito utilidade, mas que se vislumbra alguma oportunidade daquilo posteriormente ser trabalhado como memória…

C. P. – Que é um antigo dilema da biblioteca…

M.A.C.O – É, mas que acabou sendo direcionado para lá. Hoje a gente tem uma quantidade enorme [risos] de material. E a gente fica meio que sem saber exatamente como vai trabalhar com esse material. Agora mesmo, dias o professor tava falando que a gente precisa sentar de novo, conversar sobre o início dos nossos projetos…

C. P. – Tecnicamente esse material não está trabalhado? Catalogado, classificado…

M.A.C.O – Muito pouquinho.

J. A. S. C. – Começou a ser catalogado, porque tem um aluno de extensão, que está trabalhando na digitalização. Esse processo foi feito assim, com uma classificação grosseira, pelo menos inicialmente, para que ele fosse arquivado no computador. Mas essa classificação diz um pouco com as eras do Observatório. Mas a gente precisa refinar um pouco. Porque a própria classificação ao longo do trabalho de digitalização foi se mostrando não eficiente em algumas áreas e obrigou a abertura de novas classificações, digamos assim. De novos campos. Mas a gente… É um trabalho que a Alice vai desenvolver mais agora que, terminada agora a parte dela de dissertação do mestrado, que certamente é a da gente botar o material na Minerva [base de dados da UFRJ]… E então um acesso mais amplo…

M.A.C.O – Esse trabalho que a gente desenvolveu, ofereceu duas oportunidades pra trabalhar com a Minerva: foram os próprios objetos, que a gente trabalha com o material tridimensional. Eu acho que é a única unidade que tem material tridimensional incluído na base. Ainda que tenha que ser feitos alguns acertos. Que eu conversei até com o pessoal nessa última reunião que a gente teve sexta-feira, pra oportunidade da gente criar uma base de dados específica para material tridimensional, e a partir daí se colocar pras outras unidades, em fim, quem tem esse material, colocar então de uma forma correta e não dá forma como tá, pois a gente ta trabalhando com uma planilha de material bibliográfico e não de objeto, de maneira dimensional. Da mesma matéria, esse material que nós temos hoje, que é de arquivo, que tem que ter esse olhar, o tratamento do material tem que ter esse olhar de arquivo, quer dizer, agente vai ter que preparar uma planilha para isso, para que a gente possa colocar adequada a essa documentação. Também ta oferecendo a oportunidade da gente trabalhar realmente dentro dessa área que é a área da documentação, que ai expande, né? Que a biblioteca acaba expandindo e eu como… Você acho que é da UNIRIO [Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro], né?

C. P. – Isso!

M.A.C.O – Mas eu sou da UFF, quer dizer, a minha formação é bibliotecária documentalista, então a gente tem uma visão na nossa formação, já mesmo para o aspecto mais amplo do tratamento da informação, não só do bibliográfico, mas também de todo o tipo de documento, né? Se considerar todo o tipo de documento.

C. P. – Que não seja necessariamente o material clássico, né? O livro, o periódico, e sim a documentação de uma forma geral.

M.A.C.O – Mas é o documento de uma forma muito mais larga, muito mais abrangente né. Como realmente portador de informação. E ai você pode extrair essas informações que nos final elas de completam, né? Como eu trabalhei na dissertação, você tem o objeto, mas o bibliográfico e o documento no arquivo, eles se complementam. Os três documentos juntos te trazem toda aquela informação, que um só não traria. Um só te traria só uma visão especifica. O bibliográfico ele traz uma visão interpretativa daquilo que você tá tratando, porque é escrito em cima de alguma coisa. O do arquivo é uma informação muitas vezes seca, ela é muito árida, que não te dá oportunidade as vezes de você ter algo mais, complementando. E o objeto que é realmente um documento é, vamos dizer assim, um documento em excelência, porque ele não pode ser alterado, ele é o que ele é. E ali você, obviamente, tem que ir junto com os outros documentos extrair aquilo que é a oportunidade que ele tem.

C. P. – Em que momento o interesse de se cruzou? Da pesquisa? Vocês se conheciam lá do observatório mesmo? O professor dando aula e você trabalhando como bibliotecária e em determinado momento o interesse de pesquisa de você se cruzou, né?. Como é que foi isso?

M. A. C. O. – Desde o início.

J. A. S. C. – É desde o início, não tem assim uma data especifica. É que foi aglutinando assim os interesses, ela tinha interesse, tinha esse material que foi surgindo, digamos assim, que havia uma parte, havia os livros que eu acho que foram o ponta-pé mais inicial da curiosidade, os livros da escola politécnica.

M.A.C.O – Eu acho que assim, a gente percebeu que existia uma oportunidade de desenvolvimento, mas como eu falei antes, nós fomos reunindo o material. Então, eu encontrava alguma coisa, a gente levava. Ai alguém disse olha ali tem um, sei lá, tem um grupo de documentos que a gente não sabe o que que é. Normalmente eu e o Rud [Rundsthen] até íamos lá, olhávamos, mas depois prof. Adolfo achou uma pessoa que é uma memória viva lá dentro do observatório [risos]. É a memória viva, é verdade, é uma pessoa mais antiga.

J. A. S. C. – Isso é um elogio? [risos]

M.A.C.O – Não, é claro que é um elogio. É uma pessoa jovem, uma pessoa jovem. Não to falando nesse aspecto de idade, é uma pessoa jovem. Mas, no entanto, é a pessoa que carrega hoje a memória do Observatório. Então, qualquer material que eu encontre, eu levo para ele. “Professor, isso daqui é o que?”. É a pessoa que vai dizer: “isso foi dessa época, foi fulano”. Até o que não está ali, ele tem a capacidade, de relembrar e reunir aquilo com outras coisas que hoje nós não temos, não tem links, mas na cabeça dele tem.

J. A. S. C. – É uma coisa que é da memória da pessoa, que vai se perdendo, né? Porque a gente… Algumas coisas eu mesmo não tinha lembranças e quando aparece o documento e ele diz “ah, mas isso é assim”. E eu tenho uma preocupação de… Minha tese de doutorado é sobre o Observatório, sobre o ensino de astronomia e a minha preocupação grande é tentar passar o máximo possível desse conhecimento. E alguma coisa é subjetiva que a gente tem e é um conhecimento tácito em alguns casos, é uma lembrança vaga de memória que às vezes vai sendo juntada com os documentos. Porque isso vai se perder. Ou seja, a gente já perdeu muita coisa sobre a história recente do observatório porque o diretor, professor Machado [Luiz Eduardo da Silva Machado, diretor do OV de 1967 a 1990], figura importante dentro do processo, fundamental no processo, diria eu, ele faleceu e nós tivemos outras pessoas que, como o professor [do OV] Silio Vaz e tal, pessoas que fizeram parte da história e que não tiveram oportunidade da gente ter um depoimento ou alguma coisa para reunir um pouco da informação que eles vivenciaram, quer dizer, coisas que não estão realmente escritas, mas que eles viveram e são fatos assim que agente coleta né, numa espécie de livro banco.

C. P. – Eu fico imaginando a importância dessa sistematização desse trabalho, né? Porque as pessoas vão passando, né? E a memória consequentemente vai se perdendo. Se você não sistematiza esse trabalho, se você não agrupa as bibliografias ou outros materiais que indiquem a memória das determinadas instituições, isso fatalmente acaba se perdendo ao longo da história.

J. A. S. C. – É… Eu queria fazer… Render aqui uma homenagem a professora Eloisa Boechat [Heloísa Maria Boechat Roberty, diretora do OV de 1996 a 2002] que foi nossa diretora, ativa ainda pesquisadora, mas que ela teve a sensibilidade de fazer projetos no CNPq para recuperação da memória instrumental. E foi o ponto de partida. Agora nós estamos, particularmente nós dois e Rud [Rundsthen], numa questão da memória documental, porque a memória instrumental, muita coisa se perdeu infelizmente, por descuido ou não valorização, coisa que eu acho mesmo em termo de Brasil, só nas últimas duas décadas as pessoas começaram a dar valor a historia das instituições, aos seus instrumentos. Coisa que antes era abandonado, jogado fora. Muitos foram roubados. Dilaptado o patrimônio. A gente mesmo não tinha essa consciência, eu faço até mea culpa, hoje em dia porque se eu tivesse conhecimento que eu tenho atualmente eu teria preservado certas coisas, teria tido uma certa preocupação maior do que tive. Mas então, a professora Eloisa deu o ponta-pé inicial para a recuperação dos instrumentos, os primeiros telescópios mais antigos, depois culminando com esse projeto com o convênio com o MAST [Museu de Astronomia e Ciências Afins]. Nosso diretor e professor Silva continuou nessa linha e graças a isso já saiu um catalogo que a gente tá trabalhando em cima e que é extremamente importante, eu acho.

M.A.C.O – Esse processo da memória é um processo que realmente é isso que o professor falou. As pessoas perdiam mesmo ou não davam importância, um processo natural. Porque hoje a gente ta tendo a oportunidade de olhar para trás e querer recuperar, reconstruir, ou melhor, até construir essa memória. Então é algo que tá acontecendo e não é só aqui. Nós estamos tendo a preocupação, não digo do documental, mas sim do instrumental, né? Nós temos essa preocupação. O Brasil tem essa preocupação mesmo. Hoje tá nascendo, de dois e… Do inicio do século 21 que realmente começou essa preocupação. Agora… É algo que você vê também fora do Brasil. Não existia tanto preocupação… Existia obviamente o material que é um material muito antigo que formou toda a historia dos instrumentos, isso tem. Isso agente vai encontrar em vários locais mesmo, numa salvaguarda, enfim. O nosso não tinha, agente ainda não têm nem legislação para isso, certo? Mas é um processo natural mesmo, que era empurrado, colocado mesmo nos corredores e dali virava uma sucata comum. Hoje nós temos… A gente passa por ai e vê quantos computadores jogados por ai que posteriormente, ou então até outros instrumentos que a gente não tá dando mesmo a importância, porque muda a técnica, né? A tecnologia muda, quer dizer, aquilo que você usava e a forma como usava e ainda pior, porque está muito mais rápido do que era antes, então as coisas vão se perder. Nossa memória hoje está tendo outro tipo de preocupação. Você hoje quase que retira daquele montante um para que você pense na memória perdida. Porque hoje a gente ta correndo atrás da memória. Quer dizer, você tira da sua gaveta, o Rundsthen mesmo, a gente têm hoje alguns instrumentos que estavam dentro de gavetas, dentro de armários. Porque ou de uma maneira afetiva ou porque trabalhei ou porque eu vejo ali que aquilo é testemunha de um processo científico e então eu vou guardar aquilo. Eu nem sei porque, mas eu vou guardar. E ai num determinado momento surgiu a oportunidade de se colocar aquilo em exposição e ter alguém que vai trabalhar aquele material.

C. P. – Eu fico imaginando a contribuição que a descoberta desses materiais trouxe para as novas gerações que estão começando a enveredar por esse campo de trabalho, que nesse caso é a astronomia… O material da astronomia. E também para os pesquisadores. Então é uma contribuição realmente concreta.

M.A.C.O – Sim, concreta. E mais, ela trabalha com a estima do profissional. Porque eu acho que hoje quando, agora a pouco tempo agente teve a semana de astronomia, e o professor foi convidado para fazer uma palestra sobre a origem do Observatório. Hoje existe um orgulho de você falar sobre a origem do Observatório.

C. P. – As pessoas desconhecem, né?

M.A.C.O – Todo mundo quer falar da origem do Observatório [risos]. Então você vê como isso mexe na estima do profissional. Quer dizer, você quer ser do Valongo. Conhecer a historia do Valongo é importante. Saber que ele foi fundado e aonde ele foi fundado e o processo. E é importante. Quando eu fui descobrindo na minha dissertação, quando eu fui vendo a importância do professor Machado, que eu falo em dois momentos. Eu falo da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, que é um determinado momento. Depois o Observatório ele é transferido na década de 20 para o morro da Conceição, na chácara do Valongo, onde hoje ele está. Daí o nome que ele recebe posteriormente: Observatório do Valongo. Antes era Observatório de Astronomia da Escola Politécnica. E ai nesse período do curso, que é a tese do professor Adolfo, a gente vê o esforço do professor Machado de fazer ciência. Acho que o professor Adolfo pode falar até com mais propriedade. E é bonito você ver isso. Quer dizer, eu trabalho nessa instituição, certo? Essa coleção que tá diante de mim fez parte disso e ver tudo aquilo que foi construído, que foi trabalhado, as pesquisas que foram feitas e tá ali. Hoje é uma peça, uma peça de uma coleção, não tem mais o uso do que deveria para o que foi criado, mas que carrega todo esse símbolo bacana que é a identidade dessa instituição.

C. P. – Esse seu empenho se alinha ao empenho dessas pessoas, né?

M. A. C. O. – Isso. Se alinha ao empenho dessas pessoas. Professor, pode falar mais desse esforço do professor Machado.

J. A. S. C. – É, o professor Machado apesar de não ter sido do curso, ele tá ligado ao curso de Astronomia, que foi fundado em 1958, e a gente comemorou há alguns anos atrás, inclusive teve um livro dos 50 anos do curso de astronomia. Ele não foi o fundador, mas ele foi uma figura fundamental, porque os fundadores foram o professor Alércio Moreira Gomes e Mário Ferreira Dias, que saem do Observatório Nacional para fundar o curso na então Faculdade Nacional de Filosofia, mas logo em seguida sai o professor Machado também do Observatório Nacional. E ele foi uma figura fundamental no sentido de que ele era, digamos assim, acabou sendo gerente, um entusiasta, um tocador do curso, porque os outros dois: um era pesquisador e se afastou logo para fazer observações, quer dizer não era uma pessoa ligada administrativamente e o outro era uma pessoa que colaborou, mas marginalmente. O professor Machado foi quem pegou o touro a unha junto com Eremildo Viana [ex-presidente da Comissão de Astronomia da Faculdade Nacional de Filosofia de 1958 a 1959] e que realmente entusiasmou e conseguiu levar um grupo de alunos inexperientes, da qual eu fazia parte, a construir uma estrutura solida. Apesar das tempestades que enfrentou pelo caminho, ele teve a característica de ser um elemento motivador, um entusiasta da astronomia e isso foi fundamental no sentido de forjar um grupo de alunos, agora mais diluído um pouco, porque começou a vir gente de outros, mas o grupo inicial que tocou o Observatório era todo formado pelo próprio curso de Astronomia. Então houve um orgulho do próprio grupo da construção da estrutura do curso. E o Observatório foi realmente um apêndice fundamental na manutenção do curso de Astronomia, que sofreu muitos problemas ao longo do tempo.

C. P. – À medida que vocês vão falando eu vou percebendo a contribuição que a pesquisa de vocês teve com relação às duas áreas, tanto à Biblioteconomia quanto à Astronomia. Num sentido mais social, por causa da memória, e outro num sentido mais técnico, também mostrando para esses novos profissionais como se trabalhava no passado. Como é que vocês vêem essa jogada, digamos assim, que essas duas áreas tiveram no desenrolar da pesquisa de vocês?

M.A.C.O – Trabalhar na biblioteca do Observatório tem essa oportunidade. É um local pequeno. Nós não temos muitos alunos e é um local prazeroso. O Observatório é um lugar muito bom de você trabalhar até no aspecto da paisagem que ele tem, no local onde ele está. E isso propicia uma proximidade entre algumas pessoas, obviamente, isso é natural que algumas pessoas se aproximem mais e outras menos. A biblioteca, ela, por conta disso, tem também essa possibilidade de trazer, não só do próprio professor ou do aluno, mas também de uma parceria assim, de uma conversa que a gente senta e conversa, não só de coisas do Observatório, mas outras coisas que dá a oportunidade de fazer a parceria, de chegar até nesse ponto. Quem trabalha na biblioteca não está preso só as coisas que estão sendo feitas ali, mas também a pessoa que tá dando aula presa somente à aquilo. Dá a oportunidade de você construir outras possibilidades de trabalho.

C. P. – O fazer diário, né?

M.A.C.O – Exatamente. Que proporcionou essa possibilidade da gente fazer, além dá proximidade… Da afinidade.

J. A. S. C. – É porque o Observatório é um pequeno recanto, não é um órgão dentro de uma estrutura grande como aqui no Fundão [cidade universitária da UFRJ que fica em uma ilha na Baia de Guanabara], cuja arquitetura é inóspita. Quer dizer, não favorece a proximidade das pessoas. As pessoas chegam no fundão e quando acaba a aula querem sair daqui o mais rapidamente possível para ver se conseguem vencer o engarrafamento ali, dependendo do horário [risos]. Mas, basicamente, as pessoas esperam que com novos planos se torne um ambiente mais aconchegante. O Observatório por ser pequeno e uma área muito agradável fisicamente, bonita, com árvores pássaros, então favorece as pessoas a sentarem, a conversarem entre si. É mais aconchegante. E da conversa nasce a luz. Nasce a oportunidade de pesquisa, interesse. Mesmo quem não tem interesse especifico por história, às vezes, se manifesta porque quer saber a história da instituição. É uma coisa mais recente. Tá em desenvolvimento ainda. A gente pode dizer que não é um ambiente… A ideia não atingiu a todo mundo de maneira igual, mas têm pessoas que têm se mostrado mais sensíveis e pelo desconhecimento mesmo, que agente tá tendo oportunidade de fazer alguma artigo e outras coisas, até para a Universidade. A universidade não conhece esse meio, esse plano das memórias ai é uma coisa… Os livros de memória da universidade é uma coisa relativamente recente e diria ai um tanto quanto incipiente que a própria estrutura aqui da BOR [Biblioteca de Obras Raras do CT/UFRJ] também deve sentir até pelo número de pessoas que procura. E tem um acervo riquíssimo. Isso em outros países seria uma coisa preciosíssima e a gente até nem dá valor a isso.

C. P. – Eu fico imaginando sobre essa questão do reconhecimento, talvez seja uma coisa que a Biblioteconomia compartilhe com a Astronomia também no Brasil. Sempre na busca de um maior reconhecimento, de um maior respeito pelo fazer mesmo, pela prática diária. Que é uma coisa que a gente tem mais ou menos em comum.

M.A.C.O – Uma coisa que eu queria, como bibliotecária, falar da minha experiência nesses anos todos trabalhando como bibliotecária, não só no Observatório, mas que eu vejo que a parceria realmente com o profissional… Porque na profissão nós trabalhamos… Hoje eu tô na Astronomia, amanha eu posso estar na Engenharia. Eu já trabalhei com Medicina. Eu já trabalhei com Educação. Eu já trabalhei com comércio Exterior. Então eu já caminhei em vários aspectos, em vários campos e o fundamental, eu vejo que é a parceria com o profissional que a gente trabalha. Isso é fundamental. Porque hoje, o trabalho que está sendo desenvolvido entre eu e o professor Adolfo, entre o Rundsthen, entre outras pessoas envolvidas na memória e até despertando outras pessoas que a gente nem imaginaria que algum dia a pessoa teria realmente interesse para essa área e, no entanto, tá surgindo o interesse. Acredito que não é só o nosso incentivo, mas é o momento que proporciona alguma coisa que talvez tenha sido feita. Mas o importante para o bibliotecário é entender que a parceria com o profissional da área que ele tá trabalhando é fundamental. Se ele não tiver, se ele trabalhar sozinho ele não vai atingir, ele não vai conseguir chegar, porque nós não dominamos. O certo é que nós não dominamos. Nós dominamos técnicas de trabalho da informação. Eu não sou da astronomia. Não domino a área de astronomia, com certeza, até hoje, 17 anos trabalhando no Observatório e eu hoje não domino. Eu tenho a humildade de chegar para um professor e dizer “É isto aqui? Dessa forma o aluno tem condições de recuperar a informação? Professor Adolfo, como é que é formada a instituição? Em que momento?” Inúmeras vezes, quantas vezes for necessárias. Mas eu não trabalho sozinha. É uma área que não se trabalha só. A gente precisa sempre do auxílio do profissional da área que a gente tá trabalhando.

C. P. – E isso faz valer o aspecto interdisciplinar da profissão de bibliotecário mesmo, né?

M.A.C.O – Isso é a profissão de bibliotecário!

J. A. S. C. – Mas também tem outro aspecto: assim como o bibliotecário precisa do profissional, o profissional precisa do bibliotecário para entender em certas coisas. Precisa do auxílio do bibliotecário. Você pode dominar a Astronomia em alguma área, mas agente não domina essa área de classificação, de arquivologia, enfim, tem muitas coisas que agente precisa contar… As duas partes têm que colaborar. Hoje em dia… Não é só nessa área, mas nas ciências mesmo, falando em termos quase científicos, a colaboração é o mote da vez. Antigamente, os artigos, você pode ver, de uma pessoa só. A pessoa escrevia sozinha. Hoje em dia trabalho solitário é uma coisa raríssima em revistas, geralmente têm três ou quatro pessoas trabalhando ou auxiliando, mesmo sendo em termos disciplinar ou não, mesmo na área de Astronomia. É muito raro as pessoas dizerem hoje em dia “esse é meu trabalho, só meu!”. Não se faz isso. Hoje se troca experiências. O que é fundamental porque são visões complementares, que eu acho que no caso de história ou de qualquer outra, as visões complementares são importantes para dar a visão do todo, globalização.

C. P. – Quais outros aspectos vocês poderiam ressaltar na questão do trabalho que vocês fizeram em conjunto, até para animar os futuros profissionais de ambas as áreas a se motivarem mesmo, a se engajar… Não ver como, tanto a Biblioteconomia, como a Astronomia, como aquela coisa distante, fora da realidade, mas uma coisa concreta do fazer diário como um profissional mesmo?

M.A.C.O – Bom, acho que eu já até falei um pouco antes dessa parceria fundamental. O aspecto principal que eu gostaria assim, eu como profissional, experiente já, que eu gostaria muito de passar isso para as pessoas mesmo. Primeiro que ser bibliotecário para mim, não me vejo fazendo outra coisa, por mais que eu pense o que eu gostaria de fazer, eu descubro que eu seria de novo bibliotecária. Porque é a oportunidade que você tem disso: de hoje trabalhar numa área, amanhã estar trabalhando em outra área, e obviamente, ser movida por essa curiosidade que tem que ser parte do perfil do bibliotecário. Não pode deixar de ter. Então hoje eu me vejo de uma forma… Me sinto de uma forma muito realizada com a oportunidade de ter sido pesquisadora. Porque eu exerci aquilo que a vida profissional inteira eu estimulei nas outras pessoas, que foi pesquisar para que as pessoas pudessem utilizar aquilo nas suas pesquisas. Eu tive a oportunidade de exercer isso, me utilizar de outras pessoas que fizeram pesquisa, trazendo a pesquisa para mim, eu do lado de cá, e me utilizar também daquilo tudo que eu aprendi, o que facilitou enormemente, e a gente sabe disso. A nossa dupla foi uma producente por conta que ele tinha um conhecimento muito grande da área, que eu não teria condições de fazer a pesquisa sem ele do meu lado, com certeza. Porque o fato de ele conseguir chegar no documento, mas não conseguir identificar no documento algumas coisas, isso era absolutamente natural. Como ver coisas, porque eu quando a gente fazia pesquisas na Biblioteca Nacional, eu não fotografava só o material que era o que a gente tava procurando, normalmente me chamava atenção coisas de livros, de compra de livros, na própria biblioteca aqui, na biblioteca de Obras Raras, eu dizia: “olha isso aqui compro para, naquela época, a Escola Politécnica”. E fotografei várias: compras, notas de compras de livros que devem estar aqui ainda hoje, né? E isso por quê? Porque eu tinha como bibliotecária uma visão voltada, mais sensível para aquilo. E outras coisas às vezes eu não tinha, e, no entanto, levava até ele ou ele mesmo no fazer dele lá, chamava atenção para aquilo. Então é realmente a oportunidade de juntar as duas coisas. O profissional pesquisador que tem mais conhecimento, que agente sabe que o cientista é pesquisador também, muitas vezes até muitos mais do que a gente na área dele. Mas ter a oportunidade de juntar, né? Essas duas coisas. Foi maravilhoso! Eu acho que é o que tem que fazer. O bibliotecário tem que sair da sua técnica e ser pesquisador. Se utilizar da oportunidade que ele tem, mais do que qualquer outro em propriedade na profissão para exercer.

J. A. S. C. – Mas eu acho que é uma das coisas importantes para que dê certo essa parceria é que aja entusiasmo no que se faz. A pessoa fazer a pesquisa só por fazer, quer dizer, sem um mínimo de motivação não chega a bom tema. É preciso que agente tenha um entusiasmo, uma curiosidade pelo que está fazendo. E isso pode parecer normal em termos de pesquisador na área de ciência, mas na área de história é preciso. É engraçado… Até quero chamar atenção para um aspecto que é mais ou menos complementar: história das ciências tem uma dicotomia, alias é um problema até de abordagem, porque são duas visões que se chocam. A visão do historiador é um tanto quanto vezes política, sem preocupação demasiada com as minúcias dos fatos. Ele procura às vezes fazer interpretações, eu não estou generalizando muito, mas é em linhas gerais, sem preocupação com pequenos detalhes. Ele procura ver às vezes o global e tal. Tem uma grande capacidade de normalmente descrever coisas que… Encher páginas e páginas com pouca informação, ou seja, com duas ou três informações você escreve um artigo de dez páginas. O cientista, até pela natureza, porque geralmente os artigos científicos são curtos e objetivos, então ele costuma ser muito seco na sua maneira de escrever: “fulano, referencia tal, mediu, deu tanto, porque deu tanto, fez isso, fez aquilo”. Os artigos normalmente científicos são extremamente compactos, cheios de referências, mas compactos, minuciosos porque se a referencia não for exata, o pessoal da comunidade não deixa ele sobreviver muito tempo, né? Então, tem uma certa visão fluida do historiador e em compensação o cientista também se olhar para a natureza ele não consegue fazer… Ele pesquisa muito bem, mas na hora de florear um pouco pavão, ele fica com dificuldade para fazer. Então são visões complementares, mas que são meio opostas e as pessoas das duas áreas vêem essa área de interseção, que é a historia da ciência de uma maneira negativa. O cientista diz: “ah isso ai… quem faz historia da ciência tá fazendo historinha, conto de fadas, tal”. E o pessoal da historia diz: “ah, isso ai não tem nenhum valor, o pessoal cientista não sabe escrever historia, não conhece a historia”. Então o pessoal que trabalha na interface é bombardeado pelos dois lados. E isso é em termos, você não se encaixa. Basta ver, se você entrar na revista… No Capes, o sistema Qualis. Você não tem historia da ciência lá para escolher. Você tem ou história, periódicos de historia ou periódicos da ciência, no caso, Astronomia em geral. Não tem periódico. Tá tudo meio perdido como interdisciplinar. É uma coisa assim vaga que mistura psicologia. É complicado. E a gente… Quem é pesquisador da área interdisciplinar sofre porque quando ele vai pedir um recurso, o pessoal da historia diz assim: “ah, isso aqui não é história”. Ai você vai para a área de ciências: “ah, isso aqui não é área de ciência, isso é historinha”. Então você é bombardeado pelos dois lados.

C. P. – Frankenstein Científico [risos].

J. A. S. C. – Mais ou menos. Tá havendo uma melhora e eu acho que aqui em termo de Brasil, o HCTE foi um ganho e acho que está se consolidando visto que o número de candidatos aqui a cada ano tá 40, 50… E é uma área muito ampla, tem abordagens diversas, mas eu acho que eu tenho que fazer uma referência ao professor Filgueiras [Carlos Alberto Lombardi Filgueiras, professor aposentado da pós HCTE), que ele foi um pioneiro aqui no Brasil, porque ele é um pesquisador, no sentido clássico de química, com trabalhos publicados na área específica, de valor e foi ele um dos que deu a partida na questão de historia. É historiador, no sentido de história da ciência que ele tem trabalho. E ele enfrentou muitas dificuldades para… Uma pena que ele tenha de aposentado.

M. A. C. O. – Professor, em relação ao pessoal do Observatório, agente sente uma mudança, na maneira de verem isso hoje…

J. A. S. C. – Eu acho que algumas pessoas mudaram. Havia a visão que eu tô dizendo de: “ah, vamos fazer historia, mas não é um cientista, então o cara não sabe nada, então tá querendo fazer uma historinha para boi dormir”. Tá num processo que eu diria letamente, mas tá valorizando. O próprio fato da gente ter comemorado 50 do curso com a publicação de um livro

M.A.C.O – A própria coleção, né?

J. A. S. C. – A coleção que é um investimento que a gente já tem de vários anos que começou com a Eloisa da recuperação dos instrumentos. O livro também que tá muito bonito.

C. P. – Material que tá agora compondo alguns acervos.

J. A. S. C. – Letamente a gente tá implantando uma certa cultura e tem pessoas que têm demonstrado… Se aproximado, digamos assim. Têm demonstrado interesse. Eu acho que é uma… Não é que a pessoa vá virar historiador de ciência, mas pelos menos que demonstre uma certa sensibilidade com essa questão. Coisas que antes algumas pessoas eram profundamente insensíveis.

M.A.C.O – É verdade. A gente tem hoje… Até vislumbra alguns alunos que já se interessam por isso.

J. A. S. C. – Embora ainda sem muita propaganda.

C. P. – Durante toda a conversa, a contribuição que a gente percebe é inestimável. Sobre tudo para essa questão da valorização da ciência, a questão da valorização da memória, e até o fato de vocês estarem dando esse depoimento já é mais um passo no sentido dessa questão da valorização da memória mesmo. E foi realmente muito bom. Não tô nem no tom de despedida. Vocês fiquem a vontade para falar, mas para encerrar o nosso diálogo aqui, no nosso entendimento foi bastante proveitoso.

M.A.C.O – Para a gente também. A oportunidade…

J. A. S. C. – Estamos começando e a gente espera que a revista de vocês seja o primeiro número de uma série infinita. E é importante para valorização de todas as áreas, a Biblioteconomia… As bibliotecas estão passando por um processo de transição muito grande, que eu não sei onde vai dar, não sou especialista da área, mas certamente que o papel tá sendo substituído pelo digital e o digital a gente no momento não está tento um preocupação de preservar a documentação digital, que é um negócio complicado.

M.A.C.O – Engraça. A base da memória é a nostalgia. O fato da gente sentir a nostalgia e buscar isso é isso! Em qualquer momento é isso, acho que a gente sofre já. O bibliotecário, quer dizer, eu, sou bibliotecária do papel. Eu quando estudei eu já estudei com computador, não era o PC, né? Era um computador de grande porte, de perfurar. Portran. Isso foi quando eu estudei na UFF. Não sou tão velha assim [risos], mas as coisas caminharam de uma maneira…

J. A. S. C. – Muito rapidamente [risos].

M.A.C.O – E hoje, quer dizer, a menos de dez anos a gente trabalhava com PC, eu me lembro disso, tem a internet ai para mostrar isso para a gente e hoje minha filha já não quer mais um PC, agora ela quer aquele…

Chico de PaulaIpad, né?

M.A.C.OTablet. Ela tá querendo. E eu também, obviamente. Não é só ela [risos]. Minha coluna agradece, né? Porque agora eu não preciso mais do laptop ou netbook, enfim. Porque com certeza, nós bibliotecários, os antigos estamos com uma nostalgia do papel. Principalmente agora com o ipad e o tablete, porque agente realmente agora eu acho que tá percebendo a possibilidade de você substituir um pouco mais o livro. Porque antes, com o monitor e tudo, a coisa ficava um pouco longe, eu acho, mas com isso…

J. A. S. C. – É muito desagradável ler qualquer coisa no monitor, eu sou da geração que prefiro ler no papel…

M.A.C.O – Sim, mas eu também. Mas uma coisa muito interessante que aconteceu comigo com a dissertação foi que eu tinha uma dificuldade muito grande em escrever no computador. Ainda que eu não goste de escrever, mas eu tinha uma dificuldade muito grande de iniciar o meu o pensamento no computador. E ai eu iniciava no papel. Fazia nos meus bloquinhos lá, e aquilo eu revirava, revirava, não sei quanto vezes. Ai quando dava o embrião, ai o embrião ia para lá ai a coisa deslanchava. Num dado momento, eu não tinha mais como fazer aquilo, porque não dava, eu não podia ta carregando aquela quantidade de papel para lá para cá, então eu tinha que optar em escrever no computador. E eu fiz toda a minha dissertação, absolutamente toda ela, sem imprimir, eu só imprimi no final e mandei tudo. Não imprimia. Ficava olhando ali na tela o tempo inteiro lendo, consertando, fazendo versões, tudo… Eu me surpreendi com isso, porque eu achei que eu não teria essa capacidade de fazer isso. É claro que algumas coisas iam para o papel e tudo, mas, no entanto, eu mudei, eu me senti na obrigação de fazer isso, não tinha outra opção, e mudei completamente, fiz toda a dissertação. Então, ler hoje… Você ter a oportunidade de ter num negocinho que é dessa finurinha, menos do que o livro, mais leve do que o livro, e você ter uma biblioteca ali.

J. A. S. C. – É, exatamente, mas isso impõe a modificações radicais no modo de pensar na própria biblioteca. O bibliotecário também tem que ter uma visão diferente. Ainda existe, eu não sei se é por função da época do papel, existe uma dificuldade da gente quando faz pesquisa bibliografia, agente encontra é que os museus, arquivos, tem um resistência, que eu bato nesse tema, uma resistência a digitalização que é gigantesca. Impõe dificuldade para agente manusear o livro, ou o documento. O documento não pode ser manuseado, não pode ser fotografado, não pode ser escaneado, não é digitalizado…

M.A.C.O – Não pode ser olhado… [risos]

J. A. S. C. – É, não pode ser olhado… Ele vai desaparecer por mais que agente tenha… Pelo menos que fique a memória dessa documento na forma digital, porque as pessoas falam: “ah, mas é microfilme”. Mas microfilme já está desaparecendo. Já ninguém mais faz microfilme. É arcaico. Ai a pessoa diz: “ah, mais no meio digital some”. Sim o CD some, mas ele é reprodutível. É aquele negócio, você pode ter em 10 milhões de lugares o arquivo da UFRJ, por exemplo. E ai vai sumir numa e tá lá no computador que vai passando de pai para filho, novas gerações, vai gravando em novos meios, cada vez mais existem novos tipo. Segurança, né? Deus que me livre, mas se acontece um fogo aqui acabou. Isso daí não se estendeu para historia, com alguma muita sorte que o prédio da Reitoria [da UFRJ], a capela, não pegou fogo no arquivo.

M.A.C.O – Não pegou fogo, mas caiu água, professor. E a gente não sabe o que é pior, se é a água e o fogo.

J. A. S. C. – É, não, mas parece que foi só nos arquivos administrativos e são recuperáveis, mas não são tão antigos. Óbvio que se cair água de repente num desses que tão aqui, isso é um problema. Você precisa de um treinamento para não jogar água aqui, se não agente salva o que? Não salva né.

M.A.C.O – Dentro do projeto de pesquisa que nós fizemos, dos locais que nós andamos, alguns muitos acessíveis, outros nada acessíveis, outros, depois de muita conversa, acessíveis. Mas assim há que se dizer que foi muito louvável o trabalho que nós fizemos com o Arquivo Nacional. Maravilhoso! As pessoas, a disponibilidade. Professor Adolfo fotografou uma quantidade enorme de… A historia do Observatório. Se não fosse isso teria sido impossível fazer a minha dissertação e acho que grande parte da nossa pesquisa. Então tem que se deixar registrado que o trabalho deles é maravilho. O trabalho de vocês aqui da BOR também, maravilhoso. A possibilidade que agente tem de andar pelo acervo, porque muitas vezes nós ralamos o que queremos. Eu to falando como pesquisador, não to falando como bibliotecária. Nós queremos um determinado assunto, mas você não tem como entrar na minha cabeça. Olha a importância que tem do bibliotecário ser pesquisador, de entender o que vai na cabeça do pesquisador. Porque muitas vezes você quer impedir: “ah, olha aqui, eu tenho mais não quero, porque vai destruir, você vai mexer, a tua mão tá engordurada, você vai respirar em cima”. Mas de alguma forma… O que importa é passar a informação. Então você tem que pensar nisso: se você não pode manusear livro, não pode manusear o documento, então você tem que arrumar uma maneira de disponibilizar. De alguma forma! Você vai ter que achar uma maneira, nem que seja transcrever, copiar, enfim, de falar mais ou menos o que tem ali, para a pessoa ver mais ou menos se tem necessidade ou não de ver esse documento.

J. A. S. C. – É, porque se não a informação morre, morre com o papel que não é eterno, por mais que você faça a conservação é o destino acabar. Daqui a mais cinquenta ou cem anos, e infelizmente a maioria dos nossos arquivos não tem assim um padrão de conservação maravilhoso, mas vai acabar mesmo com qualquer padrão, vai acabar. Mesmo o Arquivo Nacional que tem desinfecção, eu já peguei arquivo que tá rendilhado. De traça. A gente mal consegue ver algumas palavras ali, praticamente tá guardado, mas já era. Aquela informação morreu.

M.A.C.O – Na museologia, uma das teorias, é a teoria de uso que você deve usar algo que, traz um determinado debate entre eles, porque eles questionam se você não deveria colocar determinadas peças para uso, porque o uso ele conversa, ele preserva e então é o caso do livro também. O livro quando não é usado muitas vezes quando vai ser usado não tem mais condições.

J. A. S. C. – É, porque bem ou mal é arejado. De repente tem uma traça que quando usado você pode até detectar.

M.A.C.O – Sem pensar no teor intelectual do livro que é repassado e chega ao ciclo final da ciência da informação, na questão bibliográfica, que é o conhecimento, gerar conhecimento, novamente. O ciclo informacional é gerar conhecimento…

C. P. – Muito interessante. Ressalto mais uma vez que seria um papo para horas de conversa, mas por conta de toda limitação de qualquer mídia tem, infelizmente agente tem que encerar, mas agradeço muito a colaboração.

J. A. S. C. – Nós que agradecemos, com certeza.

M.A.C.O – Agradeço muito a oportunidade de chamar e de nós participarmos do primeiro número ai, estou muito orgulhosa por vocês e também lisonjeada.

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