A Lei nº 12.244, de 24 de maio de 2010, determinou a universalização das bibliotecas nas instituições de ensino básico do país num prazo de dez anos. A referida legislação traz uma conceituação da biblioteca escolar, a obrigatoriedade de um título por aluno matriculado e coloca a responsabilidade de cumprimento da lei sob os sistemas de ensino público e privado. A lei não foi regulamentada por decreto, como manda a boa prática administrativa.

Somente após decorridos oito anos de publicação da Lei, o Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB) publicou a Resolução 199/2018, que define os parâmetros de bibliotecas escolares. Apesar dessa normativa, a legislação não traz instrumentos de monitoramento e orçamentários que possibilitem sua aplicação. A Resolução do CFB também carece de conexão com o Plano Nacional de Educação (PNE), que foi promulgado em 2014 por meio da Lei nº 13.005/2014. O PNE, que precisa ser melhor monitorado nos dados e recursos, apresenta uma oportunidade para a aplicação da lei das bibliotecas escolares.

Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 9.484/2018, de autoria da deputada federal Laura Carneiro (DEM-RJ), que prevê a alteração da Lei 12.244/2010 para inserir nova definição de biblioteca escolar e criar o Sistema Nacional de Bibliotecas Escolares (SNBE). A mudança da definição da biblioteca escolar não irá efetivar o direito à informação no ambiente escolar e não irá somar efetividade à lei já disponível. A proposta do SNBE é interessante, mas o projeto não menciona se o sistema será na estrutura do Ministério da Educação ou Cultura. Ponto de destaque do projeto é a união com o PNE, com relação a metas e recursos.

Plano Nacional de Educação

O Plano Nacional de Educação (PNE) é regulamentado pela Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, com vigência até 2024. Estabelece diretrizes, metas e estratégias que devem reger as iniciativas na área da educação. Destaca-se que no 10º artigo assevera que “O plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios serão formulados de maneira a assegurar a consignação de dotações orçamentárias compatíveis com as diretrizes, metas e estratégias deste PNE e com os respectivos planos de educação, a fim de viabilizar sua plena execução”.

Com a previsão legal de que os orçamentos se destinem a cumprir as metas e estratégias do PNE a fim de viabilizar sua plena execução, é importante destacar as metas e estratégias que estão diretamente relacionadas a bibliotecas e leitura:

Meta 6: oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos, 25% (vinte e cinco por cento) dos (as) alunos (as) da educação básica.

6.3) institucionalizar e manter, em regime de colaboração, programa nacional de ampliação e reestruturação das escolas públicas, por meio da instalação de quadras poliesportivas, laboratórios, inclusive de informática, espaços para atividades culturais, bibliotecas, auditórios, cozinhas, refeitórios, banheiros e outros equipamentos, bem como da produção de material didático e da formação de recursos humanos para a educação em tempo integral;

6.4) fomentar a articulação da escola com os diferentes espaços educativos, culturais e esportivos e com equipamentos públicos, como centros comunitários, bibliotecas, praças, parques, museus, teatros, cinemas e planetários;

Meta 7: fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a atingir as seguintes médias nacionais para o Ideb:

7.20) prover equipamentos e recursos tecnológicos digitais para a utilização pedagógica no ambiente escolar a todas as escolas públicas da educação básica, criando, inclusive, mecanismos para implementação das condições necessárias para a universalização das bibliotecas nas instituições educacionais, com acesso a redes digitais de computadores, inclusive a internet;

7.33) promover, com especial ênfase, em consonância com as diretrizes do Plano Nacional do Livro e da Leitura, a formação de leitores e leitoras e a capacitação de professores e professoras, bibliotecários e bibliotecárias e agentes da comunidade para atuar como mediadores e mediadoras da leitura, de acordo com a especificidade das diferentes etapas do desenvolvimento e da aprendizagem;

Meta 16: formar, em nível de pós-graduação, 50% (cinquenta por cento) dos professores da educação básica, até o último ano de vigência deste PNE, e garantir a todos (as) os (as) profissionais da educação básica formação continuada em sua área de atuação, considerando as necessidades, demandas e contextualizações dos sistemas de ensino.

16.6) fortalecer a formação dos professores e das professoras das escolas públicas de educação básica, por meio da implementação das ações do Plano Nacional do Livro e Leitura e da instituição de programa nacional de disponibilização de recursos para acesso a bens culturais pelo magistério público.

Para acompanhamento das metas do PNE, o Ministério da Educação, por meio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), desenvolve o Censo da Educação Básica que, por meio de autodeclaração de gestores, abrange ensino regular (educação infantil, ensino fundamental e médio); educação especial – modalidade substitutiva; educação de Jovens e Adultos (EJA) e educação profissional (cursos técnicos e cursos de formação inicial continuada ou qualificação profissional). No formulário de cadastro da escola consta a seguinte questão sobre dependências físicas existentes na escola que será utilizada para calcular a existência de bibliotecas e salas de leitura:

Formulário sobre as dependências físicas existentes na escola. Fonte: Censo Escolar

O formulário não traz indicações de preenchimento e a definição legal de biblioteca escolar para auxiliar o preenchimento. Essa falta de indicações pode ocasionar erros de preenchimento por causa de percepções equivocadas do respondente sobre o que seria a biblioteca ou sala de leitura. Seria interessante que esse formulário fosse preenchido com a participação da comunidade escolar, como controle da qualidade da inserção de dados.

O Censo da Educação Básica aponta que em 2019 eram contabilizadas no Brasil 180.610 escolas de educação básica. Desse total, a rede municipal é responsável por 60% das escolas, seguida da rede privada com 22,9%. O ensino médio é ofertado por apenas 28.860 escolas. As escolas de pequeno porte (até 50 matrículas) são mais encontradas nas regiões Norte e Nordeste. Os estados com o maior percentual de escolas de pequeno porte são Acre, Amazonas e Roraima.

O Censo também assinala que o percentual de escolas de ensino fundamental com biblioteca ou sala de leitura é de 41,4% na rede municipal, na rede privada 80,5% e estadual 81,4%. De acordo com os dados do Censo, 100% das escolas federais têm bibliotecas ou salas de leitura. Esse percentual é de 81,4 % nas escolas estaduais, 41,4 % nas municipais e nas escolas privadas 80,5 %.

Percentual de escolas que apresentam biblioteca/sala de leitura, por município – Brasil – 2019. Fonte: Censo da educação básica 2019

O Observatório do PNE, que é um projeto de advocacy e monitoramento do Plano Nacional de Educação (PNE) desenvolvido pelo “Todos Pela Educação”, em que pese a importância do seu trabalho, não analisa as metas de leitura e bibliotecas. Esse observatório é mantido por meio de parcerias com instituições como a Fundação Itaú Social, Fundação Lemann, Fundação Roberto Marinho, Fundação Telefônica Vivo e Instituto Unibanco.

O “Todos Pela Educação” também publica o Anuário Brasileiro da Educação Básica, que em sua última edição informa que 45,7% das escolas públicas de ensino básico contam com bibliotecas ou salas de leituras. No entanto, a publicação não menciona a(s) fonte9s) dos dados, forma(s) de cálculo(s) e base(s) sobre a qual calcula o percentual. As diferentes formas de apresentação de cálculos geram incerteza sobre o atendimento das metas do PNE e por isso conduzem a necessidade de melhor monitoramento.

Com base nos microdados do Censo Escolar, o Anuário demonstra, em questionários autorreferidos por gestores, que nos estabelecimentos de ensino fundamental da rede pública 48% tinham biblioteca e/ou sala de leitura, 27,3% só biblioteca, 14,5% somente a sala de leitura e 6,3% dispunham de sala de leitura e biblioteca. No ensino médio, também na rede pública, 85,7% os gestores informaram que tinham biblioteca e/ou sala de leitura, 53,7% somente a biblioteca, 20,6% somente a sala de leitura e 11,3% informaram que dispunham de sala de leitura e biblioteca. E na educação integral os gestores informaram que 53,1% tinham biblioteca e/ou sala de leitura.

A diferença de apresentação de dados tende a ser maléfica para a implantação de bibliotecas escolares e o atendimento das metas do PNE. Os dados informados pelo Censo irão impactar diretamente na destinação orçamentária para atendimento das metas do PNE. É importante assinalar que a qualidade dos instrumentos e da coleta dos dados são requisitos para a validade dos dados apresentados. Sendo um instrumento que objetiva aferir o atendimento de uma lei federal, os gestores que respondem ao questionário podem ser tensionados a informar uma situação melhor do que aquela que a realidade com receio de represálias.

Como mecanismo de controle aos dados informados no Censo, o INEP por meio da Portaria 503/2018, instituiu a verificação in loco do Censo Escolar. Este consiste na realização de visitas técnicas às Secretarias de Educação e instituições de ensino, tendo como base a Taxa de Risco do Censo Escolar, bem como da existência de irregularidades/inconsistências relatadas por órgãos de controle e denúncias externas. A verificação in loco tem como objetivo: verificar e avaliar as informações declaradas ao Censo Escolar e oferecer, eventualmente, capacitação sobre o Censo Escolar e o sistema eletrônico de coleta de dados.

A verificação é feita pelo INEP, secretarias estaduais e municipais de educação e por docentes e/ou colaboradores eventuais em decorrência do exercício da docência ou pesquisa no ensino básico ou superior, público ou privado. A verificação dos dados, regulamentada por meio da Portaria 235/2011 do INEP, coloca a responsabilidade de validação dos dados para as secretarias municipais e estaduais de educação. Percebe-se que falta ao Censo instrumentos de auditoria externa dos dados, principalmente das metas referentes à leitura e bibliotecas para somar ao trabalho já realizado pelo “Todos pela Educação”.

No Paraná, Mariana Yukari Noguti, que é estatística do Ministério Público daquele estado (MPPR), compilou as informações paranaenses obtidas através dos microdados do Censo Escolar de 2018, em aplicativo na Plataforma Atuação. O aplicativo Bibliotecas x Escolas – PR permite visualizar individualmente a situação atual de cada município. Esse tipo de ação é fundamental para aferir o atendimento da lei de universalização de bibliotecas. Com base nesse panorama, propomos algumas ações estratégicas que podem contribuir efetivamente para a universalização das bibliotecas escolares num prazo de dez anos.

Ações propostas

  1. Realizar monitoramento das metas do PNE relacionados à leitura e bibliotecas;
  2. Monitorar as metas da agenda 2030 relacionadas à leitura e bibliotecas;
  3. Monitorar os investimentos para atendimento das metas do PNE relacionadas à leitura e bibliotecas;
  4. Desenvolver e implementar estratégias para a formação profissional e técnica na qualificação de bibliotecários;
  5. Ampliar, fortalecer e qualificar o advocacy em torno das bibliotecas escolares;
  6. Fomentar iniciativas intersetoriais no âmbito público e privado, visando o desencadeamento de intervenções e ações articuladas que promovam e estimulem condições para funcionamento e manutenção de bibliotecas escolares;
  7. Garantir o comprometimento dos gestores federais, estaduais e municipais no cumprimento das metas do PNE, especialmente no que tange às bibliotecas e salas de leitura;
  8. Criar estratégia de comunicação das metas do PNE e dos canais de denúncia;
  9. Propiciar aos conselhos de educação informações para criticar a qualidade das bibliotecas escolares;
  10. Construir mecanismos de controle social participativo de estudantes e cuidadores de bibliotecas escolares;
  11. Propiciar relacionamento entre o sistema CFB/CRB com o INEP de forma a conduzir denúncias para verificações in loco.

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