O legado de Abraham Weintraub, destituído hoje (17) do cargo de ministro da Educação, é de destruição. Tal qual a bomba jogada sobre Hiroshima, não se tira nenhuma coisa boa de sua passagem pela pasta. Sua última medida, seguindo a cartilha do também ministro (do Meio Ambiente) Ricardo Salles, foi, por uma canetada na via infraconstitucional, retroagir nas ações afirmativas na pós-graduação, revogando a Portaria que regulamentava o tema.

Vamos pensar juntos sobre o conteúdo da Portaria 13, de 11 de maio de 2016. A referida Portaria foi publicada há quatro anos na gestão do então ministro da Educação, Aloísio Mercadante, no ano do golpe. A normativa determinava que no prazo de 90 dias as instituições de ensino deveriam apresentar propostas para a inclusão de negros, indígenas e pessoas com deficiência na pós-graduação, bem como criar comissões próprias com a finalidade de dar continuidade ao processo de discussão e aperfeiçoamento das Ações Afirmativas propostas.

Ficou incumbido à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) a elaboração periódica do censo discente para auferir a inclusão desses grupos sociais e ao Ministério da Educação ficou determinada a criação de um Grupo de Trabalho para acompanhar e monitorar as ações determinadas pela Portaria.

Vamos por partes, como faz a Ana Maria Braga nas suas receitas. No 41º Encontro Anual da ANPOCS, realizado em Caxambu em 2017, Anna Carolina Venturini fez uma análise das ações afirmativas na pós-graduação no período de 2002 a 2017. Venturini informa que desde 2002 programas de pós-graduação de universidades públicas brasileiras começaram a instituir políticas de ação afirmativa para estudantes de grupos vulneráveis, tais como negros (pretos e pardos), indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência, pessoas trânsgênero, entre outros.

É importante ressaltar que a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, abrange somente a graduação e o ensino técnico de nível médio. Venturini também traz à lembrança que a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) foi a primeira universidade pública a instituir, em 2002, uma política de ação afirmativa voltada para o ingresso de negros e indígenas em cursos de pós-graduação. Na pesquisa concluiu que a maioria das ações afirmativas da pós-graduação decorrem de iniciativas dos próprios programas de pós-graduação.

No cumprimento da atribuição dada pela Portaria 13 há uma fragilidade na transparência dos dados. As universidades divulgam os perfis dos estudantes, mas o perfil discente da pós-graduação como atenderia à Portaria não é encontrado com facilidade. Peço aos que lerem esse texto e encontrarem a publicação comentem para que possamos atualizar o texto.

Quanto ao GT que devia ser criado no MEC, em 2016 a ANPOCS informou:

“A Associação Nacional de Pós-Graduandos foi surpreendida com a notificação sobre a suspensão do Grupo de Trabalho “Inclusão Social na Pós-Graduação” da CAPES”. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior publicou no Diário Oficial da última sexta-feira (13), o seguinte: “Considerar encerradas as atividades do Grupo de Trabalho designado pela Portaria CAPES nº 149, de 13 de novembro de 2015, publicada no DOU de 16 de novembro de 2015 e revogadas as demais Portarias que a alteraram”[1].

A Portaria 13 já estava em coma desde o ano do golpe, primeiro por causa do fim do prazo determinado às instituições e pela finalização do GT no MEC. O que havia sobrado era a determinação de que a CAPES apresentasse os dados sobre o perfil dos discentes, para verificar a inserção de negros, indígenas e pessoas com deficiência.

Por esse conjunto a revogação desta Portaria está dentro das hipóteses de revogação expressa de atos previsto no Decreto nº 10.139, de 28 de novembro de 2019. Vamos fazer aquele controle da dengue e antes de olhar para o quintal dos outros vamos olhar para o nosso. No Brasil, segundo a plataforma Sucupira, existem 27 programas de pós-graduação em ciência da informação. A seguir serão apresentados os programas listados e quantos destes tinham ações afirmativas no último edital:

FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA (FCRB) – RJ: Sem programa de ação afirmativa

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE (FUFSE) – SE: comunidade – 9 (nove) vagas para ampla concorrência – AC, 3 (três) vagas para candidatos negros (pretos e pardos) e indígena – PPI e 01 (uma) vaga extra para pessoas com deficiência – PCD. Institucional – Sem programa de ação afirmativa

UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA (UNB) – DF: Sem programa de ação afirmativa

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP) – SP: Sem programa de ação afirmativa

UNIVERSIDADE DO ESTADO DE SANTA CATARINA (UDESC) – SC: até 20 (vinte) vagas, entre estas, 5 (cinco) vagas exclusivas para servidores técnicos universitários e, 5 (cinco) vagas preferenciais pelos critérios de ações afirmativas do PPGInfo

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE LONDRINA (UEL) – PR: Sem programa de ação afirmativa

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO, MARÍLIA (UNESP-MAR) – SP: Sem programa de ação afirmativa

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (UFBA) – BA: 30% das vagas são reservadas para candidatos autodeclarados negros (pretos e pardos). Vagas supranumerárias: uma vaga para cada uma das seguintes categorias de candidato: indígena, quilombola, com deficiência e trans (transgênero, transexual e travesti), totalizando 8 (oito) vagas, sendo 4 (quatro) para o mestrado e 4 (quatro) para o doutorado, além do número total de vagas.

UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA, JOÃO PESSOA (UFPB-JP) – PB: Mestrado: do total de vagas oferecidas, 22,22% serão destinadas a candidatos(as) autodeclarados(as) ou oriundos(as) da população negra, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e pessoas com deficiência, segundo a Resolução Consepe/UFPB Nº 58/2016, o que corresponde a 4 (quatro) vagas de Mestrado. Doutorado:  do total de vagas oferecidas, 22,22% serão destinadas a candidatos(as) autodeclarados(as) ou oriundos(as) da população negra, povos indígenas, povos e comunidades tradicionais e pessoas com deficiência, segundo a Resolução Consepe/UFPB Nº 58/2016, o que corresponde a 3 (três) vagas de Doutorado

UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS (UFAL) – AL: Ofertadas 7 (sete) vagas para o sistema de cotas, assim distribuídas: 3 (três) vagas para afrodescendentes, 2 (duas) vagas para indígenas e 2 (duas) vagas para pessoas com deficiência, definidas nos termos da Resolução nº 86, de 10 de dezembro de 2018, CONSUNI/UFAL, e demais normativas a que esta Resolução atende. Será reservada 1 (uma) vaga para servidores(as) públicos(as)

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS (UFMG) – MG: 04 (quatro) das 16 (dezesseis) vagas serão reservadas aos candidatos autodeclarados negros e distribuídas, conforme deliberação do Colegiado do PPGCI

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO (UFPE) – PE: Sem programa de ação afirmativa

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (UFSC) – SC: Sem programa de ação afirmativa

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS (UFSCAR) – SP: Sem programa de ação afirmativa

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CARIRI (UFCA) – CE: Sem programa de ação afirmativa

UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ (UFC) – CE: Sem programa de ação afirmativa

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO (UFES) – ES: Sem programa de ação afirmativa

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (UNIRIO) – RJ: 1 vaga para candidatos com deficiência,  20% do total das vagas, (04 vagas) para candidatos negros

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ (UFPA) – PA: Sem programa de ação afirmativa

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ) – RJ: Mestrado: 5 vagas reservadas a negros e indígenas. Doutorado: 3 vagas reservadas a negros indígenas

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE (UFRN) – RN: Sem programa de ação afirmativa *

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL (UFRGS) – RS: Sem programa de ação afirmativa

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (UFF) – RJ: 6 vagas reservadas para o preenchimento exclusivo de candidatos optantes pela Política de Acesso Afirmativo (PAA), distribuídas da seguinte maneira: 4 para candidatos auto declarados negros ou pardos e 2 para candidatos autodeclarados indígenas.

UNIVERSIDADE FUMEC (FUMEC) – MG: Sem programa de ação afirmativa

Totais    27

Fonte: Informação baseada no edital 02/2017 de mestrado profissional

Essa análise é importante para que o discurso na área da biblioteconomia e ciência da informação de que vidas negras importam não seja um mero discurso, mas ação efetiva. A inclusão de ações afirmativas na pós-graduação em ciência da informação depende mais de colegiados do que Portarias do MEC, resoluções e leis.

Prova disso é a aprovação da reserva de 20% das vagas da pós-graduação para negros, indígenas e quilombolas pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) da Universidade de Brasília (UnB). Outra discussão que precisa ser feita, mas deixo para outro dia é quantos professores negros tem nesses programas.

Os autointitulados antirracistas também devem se mover para impugnar editais que não prevejam reservas de vagas para candidatos negros, indígenas e com deficiência. Assim como denunciar fraudes na autodeclaração racial. Nas últimas semanas foram criados diversos perfis no Twitter que denunciaram fraudes em todas as universidades federais demonstrando o quanto está capilarizada esse tipo de ação.

Os professores antirracistas também devem estar atentos aos critérios dos editais que podem excluir pessoas que nunca tiveram oportunidade de fazer parte de iniciação científica por conciliar estudo e trabalho, por exemplo. Em reação ao retrocesso de Weintraub, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB/SP) protocolou o Projeto de Decreto Legislativo de Sustação de Atos Normativos do Poder Executivo – PDL 276/2020, objetivando sustar os efeitos da Portaria nº 545, de 16 de junho de 2020 que revogou a Portaria nº 13.

Por fim, os profissionais da informação precisam estar atentos às informações falsas e também as informações que superestimam algumas ações, quando recebermos informações principalmente do governo que somos contrários; precisamos ser críticos e atentos. Salles falou para passar a boiada, então o Diário Oficial da União tem que ser nossa página inicial, precisamos ficar de olho.

Atenção ao dobrar uma esquina

Uma alegria, atenção menina

Você vem, quantos anos você tem?

Atenção, precisa ter olhos firmes

Pra este sol, para esta escuridão

Atenção

Tudo é perigoso

Tudo é divino maravilhoso

Atenção para o refrão

É preciso estar atento e forte

Não temos tempo de temer a morte

Divino Maravilhoso – Gal Costa

PS: A título de curiosidade, você sabia que existe um projeto de lei do deputado federal David Soares (DEM/SP) que direciona cotas para ingresso no ensino superior a quem tenha cumprido o serviço militar obrigatório?

[1] Fonte: http://www.anpg.org.br/20/05/2016/anpg-e-surpreendida-com-suspensao-do-grupo-de-trabalho-sobre-cotas-na-pos-graduacao/

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