Depois de exposições fechadas e de livros didáticos e de obras literárias brasileiras sendo recolhidos(as) e censurados(as) em 2018 e 2019, chegou o ataque governamental às charges. Essa semana tomamos ciência pela mídia brasileira que a charge do cartunista Renato Aroeira, publicada originalmente no blog do jornalista Ricardo Noblat, está sendo investigada pela Polícia Federal a pedido do atual ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça. A Procuradoria-Geral da República também foi acionada.

A charge faz uma crítica ao presidente Bolsonaro, ao retratá-lo com um balde de tinta de cor preta e uma brocha “pichando” a cruz vermelha (representação da saúde), transformando-a em uma suástica (representação nazista). Na charge havia o título “crime continuado” e uma mensagem escrita “Bora invadir outro?”, fazendo uma crítica da postura autoritária do presidente diante do avanço da pandemia do COVID-19 no Brasil, no qual o mesmo incentivou a população a invadir hospitais para “fiscalizar”.

O ministro alegou que a charge poderia estar violando a lei de segurança nacional (“crime contra a segurança nacional, ordem política e social”, principalmente, o art. 26). A repercussão de tal medida do ministro tomou tamanha proporção que chegou rapidamente à impressa internacional, como nas reportagens do New York Times e da Associated Press.

Charge do Aroeira que provocou a ira do governo Bolsonaro. Divulgação

Em seguida o chargista Eduardo Evangelista, conhecido como Duke, entrou em contato com outros colegas de profissão que compartilharam desenhos em apoio a Aroeira e postaram nas redes sociais com a hastag #SomosTodosAroeira, como o cartunista Miguel Paiva. Outros artistas fizeram representações da charge do Aroeira com seus próprios traços (releituras) e publicaram com as hashtags #SomosTodosAroeira e #ChargistasContraCensura.

Estas manifestações estão sendo divulgadas pelo Facebook da Revista Pirralha, com o título de “Charge continuada”, dentre as quais estão as charges dos artistas Bira Dantas, Claudio, Ique, Marceloh, Neno Guedes, Zepah e Jota Camelo. Além de cartunistas nacionais, o cartunista e humorista argentino Quino também fez uma charge em apoio ao Aroeira e critica ao autoritarismo do governo brasileiro e as milhares de morte pelo coronavírus.

Outra forma de apoio ao Aroeira foi o manifesto online que já havia sido assinado por mais de 75 mil pessoas nesta sexta-feira, 19, entre elas, o compositor Chico Buarque. As associações dos cartunistas, quadrinistas, caricaturistas e ilustradores (artes gráficas) e os jornalistas lançaram a “Carta aberta em defesa da liberdade artística e ao direito do humor”, em apoio a Aroeira e de repúdio à tentativa de censura.

O Observatório Judaico dos Direitos Humanos no Brasil também emitiu uma nota no Facebook em apoio ao jornalista repudiando o que chamam de “tentativa em direção à criminalização de qualquer manifestação artística que critique o governo ou algum de seus representantes”. Segundo a entidade, “isso é característico de governos totalitários, que designam quais artes são aceitáveis e permitidas e quais são consideradas subversivas e, dessa forma, devem ser banidas.”

Wilson Ramos Filho, que é professor colaborador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e professor adjunto na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e presidente do Instituto Defesa da Classe Trabalhadora fez em vídeo uma defesa a Aroeira e apresentou a solidariedade aos cartunistas, como pode ser visto no Youtube.

Renato Aroeira e Bira Dantas fizeram uma releitura da primeira charge. Divulgação

Para Aroeira, “o humor é uma linha auxiliar importante. A arte está cumprindo o seu papel [no momento da sociedade brasileira]”. É verdade. Tanto está fazendo a sua parte que está incomodando muito, retratando para a sociedade o que eles não gostariam de ver.

Como profissional da informação, vejo a charge, não apenas pela questão artística, mas também, como já foi colocado, pela questão informativa e comunicativa (publicadas em jornais ou revistas impressas e/ou online) e posteriormente, com valor histórico/cronológico  (em livros e/ ou no acervo pessoal do autor das obras).

Como as bibliotecas, os arquivos e os museus são lugares de mediação de informação e de cultura, onde podemos encontrar as charges nas suas mais variadas formas. Senti falta de um posicionamento dos órgãos de classe. Ainda não vi nenhuma nota de repúdio a essa tentativa de intimidar e de silenciar o cartunista Aroeira e de censurar a charge e, por que não falar, de mais uma vez silenciar a classe artística?

Penso  que qualquer ato de incentivo à censura, o profissional da informação deve se opor, pois devemos prezar os valores éticos e  de cunho social. Quero parabenizar os chargistas que se uniram rapidamente e deram ainda mais visibilidade à situação que, como vimos, ganhou repercussão internacional.

Sobre as charges

As charges são desenhos críticos que utilizam o humor, geralmente com viés político. Elas são variações da história em quadrinhos e compõem a sétima arte. As charges caíram no gosto popular no Brasil desde os folhetins na época do Império por serem de fácil leitura, com uma linguagem bem humorada e que retratam algum fato do momento presente.

Ao longo da história do Brasil diversas personalidades históricas da política nacional foram retratadas como o imperador Dom Pedro II, prefeito Pereira Passos, os presidentes Getúlio Vargas, Luís Inácio Lula da Silva e Michel Temer. Durante a ditadura militar (1964-1985), como as outras artes, as charges também sofreram censura.

Sobre Aroeira

Em 1954 nasce Renato Luís Campos Aroeira, na cidade de Belo Horizonte (Minas Gerais). Desde menino, começou a desenhar e aos 12 anos começou a trabalhar profissionalmente como ilustrador de livros didáticos. A sua primeira charge foi publicada aos 17 anos em um jornal diário.

Participou do 8º Salão Internacional de Humor de Piracicaba (1981). Sua trajetória artística é ampla e teve suas charges publicadas em diversos jornais locais e nacionais, como Diário da Tarde (em MG), O Globo, O Dia e atualmente faz parte da equipe 247 e diariamente vem realizando uma live “Távola da tarde” (18h) com dois amigos: o cartunista Miguel Paiva e o linguista Gustavo Conde.

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