Quem vos escreve é uma grande admiradora desta arte que mistura desenho com humor crítico e/ou texto sobre determinado fato ou acontecimento. Tal admiração se iniciou na adolescência, foi objeto de estudo para monografia do curso de biblioteconomia e persiste até hoje, mas não venho aqui para falar sobre mim. Também não farei distinção entre caricatura, cartum, charge e tirinhas. Usarei com mais frequência os termos charge e cartunista. Tentarei fazer um breve panorama sobre o mundo dos HQs nos últimos dois anos.

Homenagem ao Nani, por Quinho

O cartum, a charge e as tirinhas estão cada vez mais inseridos(as) no mundo digital. Antigamente, estes estavam presentes apenas em jornais, revistas e livros. Além destes veículos, hoje estão presentes nas redes sociais, como face, insta e zap, ampliando, portanto, a divulgação dos mesmos. Há aqueles que consideram os memes como uma forma mais atualizada das charges. Porém, para mim, o trabalho do cartunista envolve mais arte e criatividade, sendo mais originais.

As mortes de Ágatha Félix e do João Pedro, ambos mortos por violência na comunidade, por Nando Motta

Nos últimos anos, com a crise política, econômica, social e sanitária, no mundo, principalmente no Brasil, tem acontecido muitos fatos inesperados e fatídicos. Os cartunistas dotados de criatividade e muito senso crítico vêm expressando a indignação quanto ao governo Bolsonaro e sendo resistência em prol de uma sociedade melhor. Destaco, o trabalho dos cartunistas: Quinho, Renato Aroeira, Laerte Coutinho, Miguel Paiva, Genildo, Gilmar de Carvalho, Duke, Alpino, Toni D’Agostinho, Carlos Latuff e Daniel Pxeira.

Homenagem ao Quino, por Laerte

Alguns novos cartunistas, como Jota Camelo, Nando Motta, Alexandre Beck (tirinha do Armandinho), Venes Caitano, Cazo e Carol Ito, estão fazendo história na arte gráfica, com seus desenhos marcantes sobre a sociedade e o Brasil atual. Além de críticas ao governo brasileiro e a pandemia, questões ambientais, feministas, sociais (racismo, violência, desigualdade, fome) também estão presentes nas charges. Os cartunistas fizeram homenagens a personalidades que faleceram, como os atores Paulo Gustavo e Tarcísio Meira, vítimas de Covid-19, e alguns outros cartunistas.

Infernopolis, por Laerte

Dentro do cenário brasileiro, onde estamos vivendo com fake news e censura (refiro-me à censura de algumas exposições de artes, livros etc.), os cartunistas Toni e Aroeira tiveram problemas neste período. A charge do Toni, que fazia críticas a Bolsonaro, teve sua mensagem trocada para fazer críticas aos prefeitos, governadores e vereadores, tornando-se assim uma charge fake.

Racismo, por Latuff

Segundo Toni, “Bolsonaristas adulteraram uma charge minha para fazer sua propaganda negacionista. Essa é a ética que tais pessoas empregam na política. É preciso, ainda, lembrar que tal prática fere a lei dos direitos autorais.” (Publicado pelos Jornalistas Livres em 29/08/2020). Já com Aroeira, a sua charge foi criminalizada pelo governo, pois havia uma crítica à postura do Bolsonaro que incentivava a população a invadir hospitais durante a Pandemia para fiscalizar.

Publicado pelos Jornalistas Livres em 27 de ago de 2020

Neste período, os cartunistas também estão sendo reconhecidos pelo seu trabalho. Em 2020, 110 cartunistas ganharam prêmio Destaque Vladimir Herzog Continuado, pois participaram do movimento Charge Continuada #SomosTodosAroeira. Esse movimento consistiu na recriação da charge do Aroeira por diversos cartunistas, que havia sido criminalizada. Já o prêmio Vladmir Herzog de Anistia e Direitos Humanos (42ª edição em 2020) foi para a cartunista Laerte com a obra Infernópolis, que retratou a ação policial que deixou nove mortes na comunidade Paraisópolis em São Paulo. A charge foi publicada na primeira página da Folha em 3 de dezembro de 2019.

Em setembro de 2021, a cartunista Laerte, por exemplo, foi eleita a intelectual brasileira do ano e receberá o prêmio Juca Pato da União Brasileira de Escritores. Laerte concorreu com  outras importantes personalidades, como a historiadora Lilia Moritz Schwarcz, os escritores Nélida Pinõn e Carlos Nejar e a jornalista Patrícia Campos Mello.

Ainda em setembro, o “Cartunista das Cavernas, Brasileiros”, Gilmar recebeu o maior prêmio dos profissionais do Desenho de Imprensa, pela qualidade e combatividade do seu trabalho. É a segunda vez que o cartunista recebe o prêmio Vladmir Herzog. Em 2019 e 2020, Gilmar lançou os livros Brasil: 2019 em charges e Brasil: 2020 em charges, em que fazia duras críticas ao governo Bolsonaro. Ganhou, em outubro, também o Prêmio Internacional de Imprensa Estrangeira na 40ª edição do evento na França.

Por fim, quero também fazer uma pequena homenagem aos cartunistas que nos deixaram:

  • O ilustrador e cartunista Daniel Azulay faleceu vítima de Covid-19 em 27 de março de 2020. Ele foi criador da Turma do Lambe Lambe em quadrinhos e depois ganhou espaço na TV Educativa e Bandeirantes. Tornou-se conhecido no país nas décadas de 1970 e 1980;
  • O criador da eterna personagem Mafalda, o cartunista argentino Joaquin Salvador Lavado Tejón, mais conhecido como Quino, faleceu em 30 de setembro de 2020. A tirinha que teve apenas 10 anos de publicação (1963-1973) tornou-se mundialmente conhecida e foi utilizada na campanha da UNICEF em prol dos Direitos das Crianças em 1977;
  • O italiano Lanfranco Aldo, o cartunista Lan, faleceu aos 95 anos no dia 05 de novembro de 2020. Lan retratava a cultura carioca (mulheres negras, samba, carnaval, boemia). Trabalhou para o Jornal do Brasil e O Globo. Ele não resistiu a complicações de uma pneumonia e de uma infecção urinária;
  • O cartunista Tacho, Gilmar Luiz Tatsch, faleceu em 9 de fevereiro de 2021, vítima de câncer de fígado aos 61 anos. Foi artista gráfico do Grupo Sinos e do Correio do Povo;
  • Otacílio Costa d’Assunção Barros (1954-2021) ficou conhecido como o cartunista Ota, teve um mal súbito e foi encontrado morto em sua residência no Rio de Janeiro. Ele foi o editor da famosa Revista Mad (versão brasileira) por 34 anos. Ele reeditou os quadrinhos de Luluzinha, Recruta Zero e Asterix; 
  • O cartunista Ernani Diniz Lucas (1951-2021), mais conhecido como Nani, foi mais uma vítima da Covid-19 e faleceu em 8 de outubro de 2021. Foi o criador das tirinhas Vereda Tropical na década de 1980 e suas charges estiveram presentes nos jornais Pasquim, O Globo, Jornal dos Sports, Última Hora e O Dia.

Daniel Azulay, Quino, Lan, Tacho, Ota e Nani, seus legados são eternos.     Parabéns aos cartunistas de ontem e de hoje. Humor é Resistência! Cartunistas, presente!

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