Falar do “shhh!” ainda reproduzido nos estereótipos dos profissionais da biblioteconomia, com a imagem de uma senhora ríspida, de óculos e dedo indicador encostado nos lábios, tem sido conversa de profissionais atuantes no mercado e pesquisadores. Vejo essa discussão como profícua, pois fomenta a desconstrução de uma imagem reforçada pela mídia que retrata séculos passados do fazer desse profissional em seu contexto épico.

Por força de um desconhecimento, de uma parcela de atores sociais atuais, quanto aos novos e contemporâneos atributos e contribuições desse profissional na gestão da informação e conhecimento, acabamos ainda por ver reprises desse comportamento estereotipado em contextos singulares onde o oposto é o que deveria ter mérito: falamos da biblioteca na escola.

Relatar a experiência de ter passado pela biblioteca escolar como profissional ainda em formação fez-me ter clareza dos contrastes em imaginários diferentes. De um lado o professor da educação infantil, e o do outro o aluno-quase-egresso do curso de biblioteconomia e ciência da informação. Como se deu essa relação?

Naturalmente, como aluno acreditei que o ambiente em que atuava suscitava uma contribuição interdisciplinar em favor do papel educador e, como em algumas das vezes, disciplinador que deveria exercer na ambiência escolar. Eram expectativas que nutriam meu pensamento e comportamento profissionais, tendo em vista o já discutido papel do bibliotecário escolar nesse sentido na literatura científica, como Carol Kuhlthau já havia discorrido em seu livro “Como usar a biblioteca na escola”, obra de 2002.

Por ventura, acreditei que trabalhar naquele ambiente me desse condições de transpassar os aspectos essencialmente técnicos da futura profissão, mas não. Eu tenho o entendimento da biblioteca escolar como um ambiente altamente dinâmico, em que o lúdico se contrapõe ao monótono, onde a técnica existe, mas deve corroborar o uso dos recursos e, consequentemente, a aprendizagem com estes, sem dar margem ao paradigma do armazenamento.

Um ambiente em que o bibliotecário se faz e desfaz, abandona suas tradicionalidades herdadas do tempo a fim de permitir o fluir latente das tecnologias da informação e da comunicação (TICs), aliadas à diversidade de inteligências dos alunos em sua idade mais tenra, apropriando-se lúdica e ativamente de toda a informação a que estão expostos.

O trabalho do bibliotecário escolar vai mais além das fronteiras que introduzimos aqui, merecendo uma discussão a parte que venha delinear toda uma infinidade de projeções de um ambiente com inúmeras demandas de aprendizado e imersão como social, cultural, educacional, político e humano dentro de uma conjuntura complexa como é a da biblioteca escolar.

Mas será que apenas eu, como aluno-quase-egresso, detinha o entendimento do poder daquela unidade de informação? O quão estavam os professores da educação infantil aliados a essa visão? Será que os professores percebem a colaboração interdisciplinar que o profissional bibliotecário pode dar?

De imediato, pelo menos no meu caso, arrisco dizer que não. O “shhh!”, que ora não saía da boca do bibliotecário, agora mudou de endereço. Como se não bastasse, os professores da educação infantil incutiam nos alunos o espírito do silencio. Diziam que “aqui não é lugar de bagunça!” e perguntavam “a biblioteca é lugar de que?”, e os alunos em coro, já previamente conduzidos, respondiam: “silêncio!”. Cerceando toda e qualquer manifestação de euforia por parte destes de terem adentrado a biblioteca.

No que diz respeito à imagem do bibliotecário, tampouco os professores adubavam um bom solo junto aos seus alunos para que houvesse semeadura com previsões de colheita de bons frutos. O que quero dizer com isso? Ainda na mais tenra idade, quando as crianças estão no processo de criar e internalizar referências que delongar-se-ão por toda a vida, pode haver o cerceamento de possibilidades propulsoras a uma infância mais formativa devido um discurso lançado sobre uma coletividade por sujeitos míopes, discursivamente.

E quais são esses discursos? “Se você não parar de chorar eu vou te levar pra sentar com o Tio Everton” ou “Para de fazer bagunça. Você quer ir lá com o Tio Everton do outro lado do balcão?” ou ainda “Ôh, Tio Everton, vem cá pegar o Fulano”.

O que lamento aqui não é o pesar de um velho assunto vir à tona, eles são para serem debatidos; ao contrário, o pesar é saber que a biblioteca escolar continua a assumir, portanto, aquela mesma velha voga, a do lugar do castigo, e o bibliotecário o chato de sempre, ranzinza, mandando “shhh!” pra lá e pra cá, quase que impossibilitado de participar do processo educativo dos seus usuários da informação e conhecimento.

Vemos que no espaço onde se dão as confluências do saber, educadores ganham voz e, empoderados, disciplinam por semear aprisionamento em vez de liberdade. Para o século XXI, mais que uma pena, é lamentável! E agora, que (re)olhamos a biblioteca escolar, o que fazer?

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