Como se chocar com a propaganda mal disfarçada de um fascista quando o governo do qual faz parte nunca titubeou em seus atos e gestos em relação a tal ideologia? O tom de revolta da qual se revestiu amplos setores da mídia hegemônica com o pronunciamento do agora ex-secretário especial de Cultura, Roberto Alvim, demonstra a desfaçatez com a qual cobertura jornalística de muitas ações do governo se reveste.

É claro que ninguém nunca esqueceu (ou pelo menos não deveria) dos incontáveis impropérios proferidos pelo digníssimo mandatário da República ao longo desse pouco mais de um ano, de tal modo que, entre outras coisas, Bolsonaro aparece no relatório da Federação Nacional de Jornalista (FENAJ) como a pessoa que mais atacou comunicadores sociais em 2019.

Mesmo antes de ser presidente, Bolsonaro se notabilizara por sua exímia estupidez, discriminação e preconceito. Se Joseph Goebbels, ministro da propaganda nazista, foi a inspiração de Alvim, o presidente nunca escondeu sua admiração por um notório torturador e sequestrador da ditadura civil-militar (para ficar apenas nas duas condenações que lhes foram impostas pela Justiça brasileira), o coronel Carlos Brilhante Ustra.

O que Alvim fez foi apenas levar a um certo extremo (desagradando importante setores de apoio ao bolsonarismo como os judeus, por exemplo) a loucura de um governo de estúpidos no qual a grande mídia (em nome da agenda economia do governo da qual tem pleno acordo) funciona como um anteparo ao relativizar e até minimizar os violentos ataques promovidos pelo presidente à grupos minoritários e/ou historicamente desprestigiados como negros, mulheres, LGBTIs, índios etc.

Dizem do “estilo do presidente” uma “certa contundência retórica” e uma “sinceridade excessiva”, transformando (de forma também mal disfarçada) sua agressividade e arrogância hetero-normativa em qualidades próprias de um homem de Estado que precisa ter posições fortes sobre temas diversos, quando na verdade o que está em jogo é a sua incapacidade para ser um lider político.

Embora muitas vezes discorde no método, a grande mídia compartilha e muito de grande parte do conteúdo desse governo, sobretudo no que se refere à sua agenda econômica liberalizante. Por isso se esforça em preservá-lo mesmo nos seus momentos mais críticos, “ignorando” sua histórica violência retórica contra todos aqueles que não se alinham aos seus devaneios protofascista.

Bolsonaro não só compartilha das posições do seu ex-secretário especial de Cultura, como as incentiva em amplos setores do seu governo. É o caso da Educação, pasta ocupada desde do início do seu mandato por sujeitos totalmente ignorantes em relação à sua importância e complexidade (primeiro Ricardo Vélez e atualmente Abraham Weintraub), mas que se esforçam por dar retorno às expectativas ideológicas (sim, o conservadorismo e o liberalismo também são ideologias) desejadas pelo estúpido maior.

Nesse sentido, Alvim foi apenas um “boi-de-piranha” nesse rebanho de desavisados e, principalmente, esclarecidos que guiam os rumos do nosso país. A cultura (assim como o educação, a saúde etc.) merece mais, muito mais. No entanto, é inocência (se não burrice) acreditar que algo pode mudar com a queda de um estúpido, quando a fila de estúpidos continua a andar de forma acelerada. Regina Duarte, a possível nova ministra, que o diga!

Como disse o jornalista Luís Nassif, cai o secretário, mas o projeto cultural inspirado no nazismo continua em pé. E os sinais dessa inspiração estão por todos os lados, desde o ataque à liberdade de expressão (vide o caso da ANCINE) ao projeto de interferência nos livros didáticos, passando pelo ataque sistemático à autonomia universitária, o que incluí a condução de interventores à reitoria de muitas instituições.

No campo cultural, as políticas públicas de livro, leitura e bibliotecas continuam ameaçadas não só porque os investimentos previstos para esses setores são parcos, mas porque existe um projeto em curso de desqualificação do conhecimento. Não é demais lembrar que dias após o discurso de Goebbels, este que inspirou Alvim, a Alemanha viu arder em praça pública milhares de livros de escritores alemães inconvenientes ao regime nazista.

Perdurando esta política, estarão os livros, as artes e a cultural de um modo em geral ameaçados de queimarem nas fogueiras do ultraconservadorismo que assola o Brasil? O secretário caiu, mas o projeto cultural inspirado no fascismo continua de pé através dos diversos burocratas, muitos dos quais conduzidos aos cargos por Alvim, que continuam a ocupar postos estratégicos na Cultura como na Biblioteca Nacional, na Funart, na Casa de Rui Barbosa e por ai vai.

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