Humberto Eco diz que a internet é perigosa para o ignorante e útil para o sábio porque ela não filtra o conhecimento e congestiona a memória do usuário.

A internet é um esgoto a céu aberto.

A internet não seleciona a informação. Há de tudo por lá. A internet é um mundo selvagem e perigoso. Tudo surge sem hierarquia. A imensa quantidade de coisas que circula é pior que a falta de informação. O excesso de informação provoca a amnésia. Informação demais faz mal. Quando não lembramos o que aprendemos, ficamos parecidos com animais.

Pensar nas principais, nas melhores, maiores, mais modernas, mais bonitas, mais fascinantes, mais importantes e mais inovadoras bibliotecas do mundo confronta-se com o que está por vir, inexoravelmente, pois não será mais possível, ao estar em uma biblioteca, sentir o silêncio quase absoluto, como o de um templo, onde deuses vocabulares, peças históricas, com suas páginas amareladas, com seus escritos arcaicos habitam.

É preciso desconstruir, a origem grega do nome, considerar a palavra biblíon (livro) e desconsiderar téké, pois os significados caixa e/ou depósito reduzem e manietam o novo e ainda desconcertante papel das bibliotecas.

As bibliotecas físicas transformar-se-ão em espaços simbólicos.

O leitor, mesmo o leitor bissexto ou em processo de formação, é quem vai ditar o futuro das bibliotecas.

O mais importante não é o sistema de disponibilização do conhecimento, mas o usuário da informação.

Seus motivos, razões, anseios e necessidades.

Vamos aos fatos, no Brasil:

  • 7ª economia do mundo;
  • 3º maior exportador agrícola do mundo, devendo se consolidar, nos próximos 10 anos, como líder mundial na produção de commoodities agrícolas;
  • Redução, pela metade, nos últimos 10 anos, do número de famintos;
  • A ascensão de países emergentes como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul –os BRICS – suscita uma importante e transformadora questão geopolítica e econômica;

Vamos aos paradoxos, no Brasil:

65% das unidades de ensino do país, públicas e privadas, não têm bibliotecas. Os números, alarmantes, identificados pelo Censo Escolar 2013 mostram que, desde 2010, quando entrou em vigor a lei 12.244 — que obriga todos os gestores a providenciar, até 2020, espaços estruturados de leitura em suas unidades educacionais —, a situação praticamente não evoluiu. Naquele ano, só 33,1% das escolas tinham bibliotecas.

O país vive uma triste dicotomia: escolas do século XIX, professores com recursos do século XX e alunos conectados com o século XXI.

Na contramão desta realidade perversa, o Brasil terminou Janeiro/2015 com 281,7 milhões de celulares e 137,1 cel/100 hab.

Nos últimos dois meses do ano passado, o mercado brasileiro de tablets vendeu 20% a mais do que o mesmo período de 2013, totalizando 12 milhões de tablets.

Esqueçamos a história de que os celulares e tablets são a ‘segunda tela’ de quem está assistindo TV. O público brasileiro rebaixou as televisões para a segunda divisão, dando mais atenção aos gadgets mobile do que à tela compartilhada na sala de casa.

Em contrapartida, os livros digitais estão cada vez mais presentes na cadeia produtiva do livro em nosso país. De acordo com informações do Salão de Ideias sobre Cultura Digital, o número de títulos digitais disponíveis no mercado brasileiro passou de apenas 300, em 2009, para quase 50 mil no ano passado.

Além disso, a venda de e-books já representava 4% das vendas totais de livros no começo de 2014, e o ritmo de crescimento desse mercado no Brasil é mais forte do que nos Estados Unidos ou na Europa. Um levantamento da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) revelou que, apenas no último ano, a categoria cresceu mais de 200%.

Já a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, realizada pela CBL, confirma dado que já seria de se esperar: livros digitais são mais acessados pela população mais jovem (51% dos que já leram têm entre 5 e 24 anos).

A questão de ordem não é oferecer, disponibilizar livros através de tablets, smartphones ou web, mas fazê-lo consequentemente.

O digital não inviabiliza ou inutiliza o impresso. Eles se complementam e permitem às poucas bibliotecas existentes no país oferecer mais opções de conteúdo ao usuário, com variação de suporte, formato etc. A tendência é de acervos híbridos, com os ajustes que cada tipo de documento exige.

Contudo, a nossa realidade impõe solução transformadora, radical, na forma de um efetivo instrumento de democratização de acesso ao conhecimento

Daí, a necessidade urgente de criação de um novo canal de distribuição, em ambiente livre.

Moralmente livre.

Segundo Bergson, há duas espécies de moral, a moral fechada e a moral aberta.

A moral fechada é obscurantista e se move dentro do mesmo círculo, como um cão correndo atrás do próprio rabo.

A moral aberta não é fixa, mas essencialmente progressiva e criadora. Dionisíaca. E aberta no sentido que abarca a vida inteira no amor, proporciona o sentimento da liberdade e coincide com o próprio sentido da vida.

Há, sobretudo, que encarar a biblioteca, em outros suportes, menos como coleção de livros devidamente catalogados e classificados, ou muito bem administrados, mas sim como uma assembleia de usuários do conhecimento, não importa quem sejam ou onde estejam.

*Texto publicado originalmente na edição 96 do La Lettre du BIEF no sob o título “L’avenir des bibliothèques au Brésil”. A versão em português aqui publicada é do próprio autor.  

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