Por falta de condições estruturais, atualmente 250 bibliotecas escolares estão fechadas no estado do Rio Grande do Sul e as poucas que permanecem abertas se transformaram em local de trabalho de professores afastados da sala de aula. As informações são do Movimento Bibliotecários em Marcha, um coletivo formado por estudantes e profissionais de biblioteconomia.
O movimento surgiu no início de 2018 nas dependências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde a discussão sobre a situação das bibliotecas escolares se tornou uma constante a partir deste período. “Chegamos à conclusão que nós como futuros(as) bibliotecários(as) deveríamos fazer algo para mudar este cenário de desmonte das bibliotecas escolares e da desvalorização da nossa profissão”, esclarecem os membros do coletivo.
Na véspera das eleições de 2018 o grupo elaborou uma carta de compromisso com a intenção de entregar pessoalmente aos candidatos ao governo do estado. O documento mostrava a situação das bibliotecas escolares e pedia o cumprimento da Lei nº 12.244/2010, que estabelece que até o ano que vem todas as escolas do ensino básico devem ter bibliotecas com bibliotecários. “Conseguimos a assinatura de dois candidatos, infelizmente nenhum dos dois foi eleito, mas foi um ótimo momento de conscientização dos candidatos sobre a situação”.
Recentemente uma carta direcionada ao secretário de Educação, Faisal Karam, e publicada na página do Facebook do Movimento, explica que o último concurso para contratação de bibliotecários no estado ocorreu em 1994, do qual apenas vinte profissionais são remanescentes. Ainda de acordo com o coletivo, 100 vagas para bibliotecários estão ociosas, bastando apenas a realização do concurso para preenchê-las.
“A biblioteca escolar tem uma função muito importante no sistema de ensino, ao incentivar a leitura e a pesquisa entre os estudantes, dando suporte didático-pedagógico à aprendizagem de todas as disciplinas na sala de aula e não apenas para o conhecimento da Língua Portuguesa e Literatura. A leitura é essencial para o desenvolvimento de habilidades de todas as disciplinas do currículo escolar e que se fazem necessárias à própria formação intelectual, social e ao exercício pleno da cidadania dos alunos”, argumentam.
O “Bibliotecários em Marcha” explica que no Rio Grande do Sul existem diversas universidades que disponibilizam o curso superior de biblioteconomia, como a UFRGS, FURG e UCS, onde se formam ao ano em torno de 100 bibliotecários, sem contar com as instituições privadas. “Ou seja, tem profissional suficiente no mercado para ocupar essas vagas ociosas nas escolas públicas”, defendem.
Em um artigo publicado recentemente no Jornal Correio do Povo, a bibliotecária e deputada federal (PSOL/RS) Fernanda Melchionna explica que o “apagão” que as bibliotecas passam não só no Rio Grande do Sul, mas em todo o Brasil, “vai gerar consequências drásticas nos nossos níveis de educação”. “Infelizmente, este descaso não parece apenas incompetência, mas sim um projeto”, se recente a parlamentar.
A propósito, Melchionna, que é proponente da Frente da Leitura e do Livro na Câmara dos Deputados, foi uma das autoridades presentes a uma audiência pública promovida esta semana em Porto Alegre, capital gaúcha, pela Comissão de Educação, Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa local para discutir a implementação da lei das bibliotecas escolares no estado.
“Precisamos de leis, para orientar a formulação de políticas públicas e cobrar os governos para que as cumpram. Essa lei é uma conquista dos bibliotecários e não se pode abrir mão da sua execução. Vou atuar, juntamente com a Comissão de Educação, na cobrança ao governo do Estado para que garanta o preenchimento das vagas em aberto e na realização de concurso para garantir o trabalho nas escolas do RS”, destacou a deputada estadual Luciana Genro (PSOL/RS), presente à audiência.
O estado do Rio Grande do Sul é o único do país que tem em sua Constituição um artigo especialmente tratando das bibliotecas escolares, que diz o seguinte: “Artigo 218. O Estado manterá um sistema de bibliotecas escolares na rede pública estadual e exigirá a existência de bibliotecas na rede escolar privada, cabendo-lhe fiscalizá-las.” O artigo da Constituição estadual reforça a previsão da lei das bibliotecas escolares (Lei nº 12.244/2010), que é federal.
Sobre a situação dos bibliotecários, o Movimento explica que os 20 profissionais da área que estão em atuação no Rio Grande do Sul atualmente ocupam vagas em menos de 1% das 2,5 mil escolas estaduais. “A nossa prioridade no momento é o cumprimento da Lei 12.244/2010 […] O nosso canal de diálogo com o Poder Público é a nossa presença em audiências públicas na Assembleia Legislativa, encontros com deputado etc., dando voz a nossa classe”, argumentam.
“Queremos mostrar a todos e a todas que estamos cobrando um lugar que é nosso por direito constitucional. Não podemos compactuar com o que está acontecendo com nossas bibliotecas e com nossa profissão! O nosso movimento trata substancialmente de mobilização, não só da classe, mas também mobilização popular, estamos tentando ao máximo divulgar nossas lutas a sociedade para fazê-la entender a nossa situação”, explicam.
A Biblioo procurou a Secretaria Estadual de Educação (Seduc) do Rio Grande do Sul para saber quais os esforços feitos pelo estado para garantir a aplicação da lei das bibliotecas escolares. A Seduc respondeu que está se reunindo com o Conselho Regional de Biblioteconomia da 10ª Região (CRB10), periodicamente, desde o início de 2019, com o intuito de elaborar um plano de trabalho para atender a exigências propostas pela lei e qualificar o atendimento aos estudantes.
Segundo a Secretaria, existe no estado um Sistema Estadual de Bibliotecas Escolas (SEBE), vinculado ao Departamento Pedagógico, que tem como objetivo “fiscalizar e fomentar o desenvolvimento dos serviços bibliotecários nas escolas do estado, bem como promover os projetos e realizações de incentivo à leitura”. “Destacam-se, entre os principais trabalhos do SEBE, as seguintes atividades literárias: ‘Lendo pra Valer’, ‘Autor Presente’, ‘Jornalendo’ e ‘Crianças e Jovens do Rio Grande Escrevendo Histórias’”.
A Seduc explica que atualmente, das 2.497 escolas da rede estadual, 1.983 contam com bibliotecas e 12 possuem salas de leitura, sem, no entanto, especificar quais são estes estabelecimentos. Somados aos números das redes federal e municipal, além das pertencentes aos estabelecimentos privados, o número de bibliotecas escolares sem bibliotecas chega a 3.858, ou seja, 39% fora da determinação da lei.