Trabalhando em uma biblioteca que ajudei a montar numa comunidade carioca, uma jovem adolescente entra com mais duas (menores do que ela), me deseja bom dia e pergunta se ela poderia ver os livros nas estantes; afirmei positivamente que ela poderia não apenas ver, mais levar um ou mais exemplares se fosse de sua vontade. A menina desapareceu entre as estantes e eu continuei o meu trabalho (catalogação para ser mais exato), naquela manhã nublada de fim de verão. Depois de muito tempo, me dei conta que a menina não voltava e nem emitia nenhum som, algo que me deixo intrigado. Fui em direção às estantes onde ela havia ‘sumido’ e a encontrei de pescoço torno lendo as lombadas que hora tem o título pra cima, ora tem o título invertido (crítica e grifo meus!).
Ao chegar, ela me perguntou se havia ali algum livro que falasse sobre gravidez e se eu poderia indicar a ela. Tomei um susto, pois a menina não deveria ter mais do que 14 anos. Mas não vacilei: disse que tínhamos sim uma coleção que falava sobre as mudanças no corpo humano, desde a tenra idade, até a velhice. Ela me pediu e tão logo a entreguei já foi folheando as páginas (que traziam ilustrações), e disse que se a irmã dela tivesse contato com aquele livro antes, talvez não estivesse grávida naquele momento! Minha reação foi ‘gelar’. Fiquei estático e sem saber o que falar; depois de um curto espaço de tempo, ‘voltei’ a terra e fiz o empréstimo àquela menina. Desejei que aquele livro nunca mais voltasse às estantes. Antes eu gostaria que ele passasse na mão de cada adolescente daquela comunidade.
Desse episódio extrai indagações acerca do papel do bibliotecário na sociedade e de sua relação com a educação. Com efeito, muitas pessoas até hoje perguntam o que faz um bibliotecário, qual a sua função além de guardar livros, e se é necessário ter ensino superior para ser tornar um. Muitos bibliotecários simplesmente preterem os autores de tais indagações, alegando que não são obrigados a responderem perguntais ofensivas. Eu sou um quase bibliotecário (diplomado, pois já atuo como um desde 2009), e sinto cada vez mais desejo de ajudar a acabar com essa visão errônea que a maioria da população tem para conosco. Entendo também que é preciso que os bibliotecários assumam uma postura mais atuante em prol do desenvolvimento da sociedade e do indivíduo de maneira geral, por meio do acesso a informação que transforma/liberta.
O bibliotecário tem um papel social muito importante, mas por vezes não o exerce. O Conselho Federal de Biblioteconomia em sua Resolução nº 42, de 11 de janeiro de 2002 diz que o bibliotecário precisa “contribuir, como cidadão e como profissional, para o incessante desenvolvimento da sociedade e dos princípios legais que regem o país”. Qual a maneira mais eficaz de desenvolvimento de um país senão pela educação? O grande pedagogo pernambucano Paulo Freire não nos deixa dúvida sobre a resposta: “Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescente brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não pode transformar a sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda”.
O bibliotecário tem grande importância no como profissional. Ele lida com um bem (imaterial) cada vez mais precioso nos dias atuais: a informação. Se a atuação do bibliotecário for desempenhada como deve ser, ou seja, se a informação for fornecida de maneira certa, para a pessoa certa (que precisa exatamente daquela informação), e no momento certo, o profissional da informação estará elucidando o cidadão acerca dos seus direitos e deveres; aos jovens estudantes estará dando informações que possam esclarecer suas dúvidas no tocante à pesquisa e curiosidades, dentre outros.
Para Kátia Carvalho, no seu artigo: Missão do Bibliotecário: a visão de José Ortega y Gasset (2007) “no exercício do papel de mediador, o bibliotecário deve garantir a cidadania, assegurar os direitos de acesso à informação e à educação para os indivíduos, oferecer aos leitores, se não o conhecimento, pelo menos as técnicas, instrumentos que proporciona dignidade e sobrevivência em uma sociedade competitiva”.
Nossa profissão está majoritariamente ligada à educação. Estamos sempre (no cumprimento de nossas tarefas enquanto organizadores do conhecimento, servindo ou trabalhando ativamente, produzindo conhecimento), envolvidos com a educação. É notório que há falhas enormes na qualidade da nossa educação, e na qualidade da formação que é dada para as nossas crianças. Sabemos que o problema persiste e se mantém até para alguns que chegam ao ensino superior.
Usar das práticas biblioteconômicas associadas às pedagógicas é um bom caminho a ser trilhado pelos profissionais da informação. Agregar ao tecnicismo peculiar (leia-se técnicas mesmo, não é uma forma pejorativa) dos bibliotecários, teorias de áreas ligadas às ciências sociais como a Pedagogia, servirão para dar maior ênfase na recuperação da informação, e uma certa autonomia para o usuário usufruir da informação como lhe aprouver. Segundo E. T. Silva, no seu texto A dimensão pedagógica do trabalho do bibliotecário, publicado no livro Leitura na escola e na biblioteca (1993) a prática biblioteconômica está “na categoria mais abrangente das práticas educativas que, devido a sua natureza específica, devem ser conscientizadoras, transformadoras e criadoras”.
O bibliotecário tem meios para mudar muita coisa através da educação, e pode fazer com que a informação de qualidade chegue às pessoas que vivem num ‘deserto’ informacional. Como felizmente escreveu Freire: “saber que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”.