A professora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), Ana Virginia Pinheiro, e o professor aposentado da UnB, Briquet de Lemos, tem posições divergentes se não quanto a capacidade intelectual de Manoel Bastos Tigre, mas quanto a sua condição de patrono da biblioteconomia brasileira. Para Briquet, “atribuir ao Bastos Tigre a condição de patrono da biblioteconomia e dos bibliotecários revela a nossa falta de espírito crítico”. Já para Ana Virgínia “Bastos Tigre fez da biblioteconomia um prazer que exerceu até morrer”, o que lhe gabaritou, segundo ela, ao patronato da área. Confira abaixo o trecho de uma entrevista concedida por Briquet à Biblioo em 2013, em que ele comenta o assunto. Em seguida um texto publicado pela professora em sua conta do Facebook em 2019.
Bastos Tigre e a “nossa falta de espírito crítico” (por Briquet de Lemos)
“[…] eu acho que o Bastos Tigre não foi levado a condição de patrono da biblioteconomia e dos bibliotecários pelo seu fazer profissional, por aquilo que ele teria feito como um bibliotecário, eu sempre digo. Em um ano o Bastos Tigre escreve dezenove peças para o teatro de revista, e aí? Ele se dedicava mais ao teatro de revista e a publicidade. Pela Biblioteconomia a única qualificação que lhe é atribuída é o fato de ter sido o primeiro bibliotecário aprovado em um concurso no Brasil.
Eu posso ser aprovado em concurso e ser um péssimo bibliotecário, eu posso não ser aprovado em concurso e ser um excelente bibliotecário. Eu me considero ter sido, aliás, várias pessoas consideram que eu fui um bom professor na Universidade de Brasília (UNB) e eu não fiz concurso para a UNB. Naquela época você era escolhido com base no seu currículo ou simplesmente porque a universidade vivia um momento de crise em 1968 e não tinha professor. Então eles pegavam quem aparecia, deve ter sido o meu caso. O Edson Nery da Fonseca me perguntou assim: “você quer ser professor”? Eu disse: quero. Acho que dei conta do recado de maneira razoável.
Atribuir ao Bastos Tigre a condição de patrono da biblioteconomia e dos bibliotecários revela a nossa falta de espírito crítico. No momento que o nome dele foi levantado aqui no Rio de Janeiro, os bibliotecários deveriam ter chegado e perguntado: por que o Bastos Tigre? Vamos sentar e discutir, não haveria outra opção? Não haveria outros nomes como o próprio Ramiz Galvão ou o Manuel Cícero Peregrino da Silva? Ou então desenterra aqueles do período colonial, aquele Frei Arrábida, tinha um bando de gente. Agora não, pegaram o Bastos Tigre que realmente como bibliotecário nada fez.
A impressão que ele me dá é que era um produto típico daquela época cultural do Rio de Janeiro, em que a pessoa acumulava como eu acumulei vários cargos. Eu tinha esse cargo público, mas era revisor, tradutor, fazia um monte de coisas para poder ganhar dinheiro. O Bastos Tigre era redator do Correio da Manhã, publicitário, tinha uma empresa de publicidade, escrevia teatros de revista, fazia jingles para rádio, trabalhava como bibliotecário do Museu Nacional e depois como bibliotecário da Universidade do Brasil.
[…]
Atual UFRJ. Ele é enaltecido, eu li um artigo da Célia Zai uma vez, dizendo que ele era muito adepto das inovações tecnológicas. É preciso dizer o que isso significa: ser adepto a inovações tecnológicas? Teria sido pelo fato dele ter apoiado a compra de algum equipamento em determinado momento. O que isso significa enquanto ele se mantém sentado em um cargo burocraticamente?
Essa minha implicância, ou seja, ela decorre do fato é importante destacar esse ponto. São muito menos das qualidades ou defeitos do Bastos Tigre e muito mais os nossos defeitos que nos levaram a escolher uma pessoa sem que ela estivesse estado sujeita a nossa avaliação crítica. É o fim da picada isso. […]”
Dia do Bibliotecário e o nascimento de Manoel Bastos Tigre (por Ana Virginia Pinheiro)
Manoel Bastos Tigre nasceu em 1882, em Recife, na Rua da Baixa Verde, bairro da Boa Vista. Foi o primogênito dos 24 filhos (criaram-se 13) do gaúcho Delfino da Silva Tigre e da cearense Maria Leontina Bastos Tigre. Estudou no Colégio Diocesano de Olinda (1889-1898) e formou-se engenheiro na Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1900-1906). Estudou na Europa e nos Estados Unidos, onde fez cursos de aperfeiçoamento na General Eletric, “deportado” pelo pai, que queria tirá-lo da vida de boemia das confeitarias e dos teatros do Rio de Janeiro.
Casou-se em 1911 com Maria Izabel, com quem teve seis filhos. Foi poeta, jornalista, revistógrafo, humorista, compositor, letrista, engenheiro civil, publicitário e o primeiro bibliotecário brasileiro selecionado por concurso para o Museu Nacional (1915). Aposentou-se compulsoriamente aos 70 anos, como diretor da Biblioteca Central da Universidade do Brasil, atual UFRJ, permanecendo no cargo até os últimos dias de sua vida por reconhecimento e determinação do Conselho Universitário.
Antes disso, fora transferido para a Biblioteca Nacional (1945-1947), até assumir a direção da Biblioteca Central da Universidade. Organizou as bibliotecas da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), que tem seu nome, e da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT).
Criou frases consagradas na história da propaganda, como os slogans da aspirina (“Igual não há, melhor não pode haver”), do xarope Peitoral Infantil (“No vidro é remédio, no corpo é saúde), da cantina Roma (“Quem tem boca vai a Roma”); e ainda lhe são atribuídos os versos anônimos sobre o xarope Rum Creosotado (“Veja ilustre passageiro // o belo tipo faceiro / que o senhor tem aos seu lado. // E, no entanto, acredite // quase morreu de bronquite // salvou-o o Rum Creosotado”).
Entre 1918 e 1920, publicou os 1.102 versos das “Bromilíadas” – uma sátira aos “Lusíadas”, exaltando as qualidades do xarope Bromil; e em 1922 criou seu mais popular chavão publicitário: “Se é Bayer, é bom”. Em 1934, compôs o primeiro “jingle” do Brasil, a marchinha “Chopp da Brahma”, em parceria com Ary Barroso.
Foi letrista de vários sambas (tango-chula, maxixe, fado-tango, canção) musicados com sucesso, como “Vem cá, mulata” (com Arquimedes de Oliveira), “Saudade” (com Eduardo Souto – autor do hino oficial do meu time de futebol, o estrelado e glorioso Botafogo – não confundir com o hino popular, de Larmartine Babo), e “Cassino maxixe (c/ Sinhô – que depois mudou a letra e renomeou a composição para “Gosto que me enrosco”, envolvendo grande polêmica com Heitor dos Prazeres).
Além de tudo, foi poeta sensível e apaixonado (meu poema favorito é “Immutabilis Amor”). Homem brilhante, de reconhecida alegria e de grande popularidade, Bastos Tigre fez da biblioteconomia um prazer que exerceu até morrer, em 2 de agosto de 1957, aos 75 anos, vítima de um aneurisma (segundo esboço biográfico assinado por quatro de seus filhos, em “Reminiscências”).
Recebeu justa homenagem quando o decreto federal nº 884/1962, alterado pelo decreto nº 84.631, de 12 de abril de 1980, reconheceu-lhe o patronato da biblioteconomia brasileira, instituindo a data de seu nascimento, 12 de março, como o Dia do Bibliotecário – o meu, o nosso dia!