É muito comum o uso do termo ‘estudos de usuários da informação’ e ‘usuários da informação’ a partir da década de 1940, especialmente no que toca a realização da Royal Society Conference que abre os caminhos para o advento da Ciência da informação. Logo, é possível afirmar que a institucionalização dos estudos de usuários da informação enquanto linha de pesquisa está intrinsecamente ligada ao surgimento da Ciência da Informação.
Porém, é na década de 1960 que os estudos de usuários começam a ganhar destaque mais efetivo. Historicamente há um conjunto de categorias ou divisões que definem os estudos de usuários, a saber: a primeira é referente ao tipo de estudo que pode ser centrado no centro/sistema de informação (como os centros de informação são utilizados, planejados ou avaliados) ou no usuário propriamente dito (como os usuários buscam, usam e constroem informação visando satisfazer suas necessidades); a segunda é relativa a natureza do estudo que pode ser quantitativa ou qualitativa salientando ser muito comum o discurso temporal dos estudos quantitativos entre as décadas de 1960/80 e os estudos qualitativos a partir da década de 1980 até os dias atuais.
Estudos quantitativos e qualitativos
Os estudos quantitativos, embora padeçam de muitas críticas, ainda são razoavelmente utilizados em pesquisas e práticas profissionais, visando saber sobre o uso (ou a freqüência de uso) do acervo (ou parte dele) de um centro de informação, assim como sobre a facilidade do uso do acervo e ainda sobre a possibilidade de planejamento das ações e serviços do centro de informação.
Já os estudos qualitativos se inserem em uma perspectiva marcadamente voltada para o paradigma cognitivo que busca conceber estratégias para satisfação das necessidades de informação. É a partir da década de 1980 que os estudos qualitativos se destacam a partir da criação de metodologias, tais como:
– modelo de informação com valor agregado de Taylor: os processos de seleção, análise e julgamento podem transformar um dado em informação útil. Essa informação poderá ser empregada para esclarecer, informar e contribuir em relação ao crescimento pessoal, cultural e afetar as decisões e ações pessoais do usuário de um sistema de informação;
– Sense Making de Brenda Dervin: se ocupa da necessidade de fazer sentido sobre determinadas ações e práticas da vida a partir de práticas cognitivas de interpretação dos problemas, estratégias para solução de problemas e construção de conhecimentos e como reiniciar as possibilidades para solução de novos problemas;
– Modelo de Kuhlthau: observação do processo da busca da informação prevê etapas como o início (acontece quando o usuário sente a falta de uma informação para a solução de um problema), seleção (o usuário seleciona a informação mais relevante para resolver seu problema, nesta fase os sentimentos de incerteza e otimismo são comuns), exploração (estratégias para lidar com as incertezas e os problemas enfrentados) e formulação (os sentimentos de incerteza diminuem e a compreensão aumenta, ficando mais clara a resposta para questão inicial).
Em suma, diante das categorias apresentadas é possível definir algumas finalidades dos estudos de usuários: identificação de necessidades de informação; avaliação dos serviços de informação; planejamento das ações e serviços do centro de informação; satisfação dos usuários da informação; avaliação e uso do acervo.
Contudo, um dos desafios mais relevantes dos estudos de usuários da informação é desenvolver a perspectiva do paradigma social da Ciência da Informação, visando constituir novas perspectivas para o acesso, uso e apropriação da informação. Acredito que o grande fundamento dos estudos de usuários da informação está centrado na autonomia dos usuários entendendo essa autonomia a partir de um usuário consciente de suas perspectivas e de uma prática que estimule o usuário de forma dialógica e não prime por um construto arbitrário, impositivo e negociador, já que é o usuário o elemento ontológico que vai estabelecer a informação quando de sua apropriação.
Desse modo, apresento algumas atribuições dos estudos de usuários da informação, visando pensá-los no âmbito do paradigma social:
a) o estudo de usuário deve incentivar ao usuário da informação escolhas em diversos contextos do uso da informação (acervo e serviços oferecidos, assim como as formas/suportes de utilização);
b) o estudo de usuário não precisa ser necessariamente formal (questionário, entrevista, grupo focal, técnica de Delfos, técnica do incidente crítico, entre outras), mas deve primar pelo diálogo constante com os usuários, assim como pela observação das atitudes dos usuários;
c) o estudo de usuários deve ter como um dos pontos centrais a preocupação em trabalhar assuntos do cotidiano dos usuários, visando afirmar o centro de informação como instrumento do dia-a-dia do usuário. Em outras palavras, os estudos de usuários no contexto do paradigma social apresentam uma tarefa árdua na transformação de não-usuários/usuários potenciais (parecem ser a maioria na realidade brasileira) em usuários efetivos;
d) como complemento do ponto anterior, é pertinente observar que o centro de informação tem funções muito relevantes de acesso à informação, especialmente que contemplam o incentivo a construção do conhecimento. Todavia, essas funções parecem ser muito estanques, de modo que há a necessidade do desenvolvimento de estratégias para atrair o usuário, assim como não necessariamente os serviços oferecidos se adéquam as necessidades dos usuários. Desse modo, o centro de informação precisa desenvolver atividades que façam parte do cotidiano do usuário, atraindo-o e estabelecendo diálogos e construções coletivas e plurais, como questões de saúde (informações sobre saúde pública, higiene, prevenção de doenças, exercícios físicos, além de informações sobre hospitais públicos, particulares, postos de saúde, ambulâncias, farmácia popular, farmácias particulares, laboratórios, SUS, clínicas, unidades sanitárias, academias populares, academias particulares, etc.); Cultura e lazer (agenda cultural, calendário de eventos, cinemas, teatros, museus, centros e espaços culturais, salas de exposições, galerias de arte, estádios, órgãos ligados ao esporte); utilidade pública (assistência social ao menor, à mulher, ao idoso e etc., associações, assistência legal, juizados, tribunais, prisões, serviço de assistência gratuita, projetos públicos, serviços públicos de pagamento como gás, luz, água, telefone, etc., sindicatos, como tirar documentos de identidade, CPF, título de eleitor e outros, segurança, telefones úteis como bombeiros, emergências, polícia, imprensa local); Trabalho (agências de emprego e estágios, oportunidades de empregos, cursos e eventos de qualificação profissional, etc.), além de outros assuntos referentes à realidade cotidiana dos usuários.
Finalmente, observo que os estudos de usuários da informação demandam com urgência um novo olhar voltado para a transformação social dando autonomia para o usuário da informação definir/decidir aquilo que considerar pertinente, pois os estudos de usuários da informação no âmbito do paradigma social buscam transfigurar o centro de informação em múltiplos contextos, espaços e suportes a fim de que esteja inserido no cotidiano geral dos usuários e não apenas seja um espaço formal em que os usuários visitem por formalidade, exigência ou atividade turística. Sem dúvidas, a dinâmica do paradigma social é o grande desafio dos centros de informação, sendo os estudos de usuários um grande instrumento para enfrentamento e construção de sentidos desse desafio.