Do Blog Acesso

Primeiro museuPor meio da Lei Rouanet, o produtor cultural com um projeto aprovado pode buscar recursos junto a empresas da iniciativa privada, que, em contrapartida, têm seu imposto devido descontado. A lei é reconhecida como importante ferramenta para a promoção da cultura no país, mas sua aplicação encontra alguns gargalos. Um deles é a dificuldade de captação nos pequenos municípios, onde não há empresas tributadas em lucro real – pré-requisito para o investimento em cultura via leis de incentivo. Da mesma forma, nem sempre há, nas prefeituras desses municípios, uma equipe especializada disponível especificamente para a área da cultura e que possa dedicar-se a concorrer aos editais lançados pelos governos federal e estaduais, atraindo recursos para iniciativas locais.

Tendo em vista essa situação, o Instituto Memória e Vida – IMV, o Museu da Família e o Instituto Cultural Ingá lançaram o Programa Primeiro Museu, que visa promover processos museológicos em pequenas comunidades do interior do Paraná. A chamada pública pretende selecionar pessoas jurídicas de direito público e privado sem fins lucrativos e de natureza cultural interessadas em obter apoio técnico para a implantação de espaços museais por meio de leis de incentivo e financiamento federal, estadual ou privado. O programa recebe inscrições até o dia 30 de julho.

Sobre o Programa Primeiro Museu e os desafios da captação de recursos em pequenos municípios, o Blog Acesso conversou com o consultor cultural do IMV, Edson Pereira. Confira a seguir.

Como você sintetizaria para o leitor a proposta do Programa Primeiro Museu?

É um programa capaz de iniciar processos de preservação de memória local, direcionado a pequenos municípios brasileiros. Uma metodologia capaz de instrumentalizar a comunidade local na direção da preservação de sua história e de seu patrimônio cultural.

O programa visa superar a dificuldade de captação de recursos em pequenos municípios. Quais são essas dificuldades?

A realidade tributária do Brasil faz com que municípios com população reduzida tenham grandes dificuldades em implantar políticas públicas através do governo local (prefeituras). Em muitos casos, por mais próspero que seja o município, a arrecadação da prefeitura é dependente do repasse do Fundo Nacional de Participação dos Estados e Municípios. Isso cria uma realidade em que, muitas vezes, temos municípios ricos com prefeituras pobres, tornando impossível que estas mantenham um museu público aberto. Muitas vezes, a pasta de Cultura está junto com a pasta de Educação, Esporte ou Turismo, o que dificulta ainda mais a formulação de projetos e ações no campo da memória. O “cobertor” é curto, tanto em recursos financeiros como em recursos humanos. O programa se apoia na Constituição Brasileira, que define que é responsabilidade do Estado – União, estados e municípios –, com a cooperação da comunidade local, a preservação do patrimônio cultural e histórico. Dessa forma, os museus comunitários criados com o programa não dependerão, nem mesmo para sua implantação, de recursos municipais. Os recursos são oriundos da Lei Federal de Incentivo e de Leis estaduais – no caso do Paraná, o Profice.

De que modo será feito o diagnóstico das comunidades para a elaboração do museu comunitário? Que características vocês estarão observando?

O museu comunitário nascerá da articulação entre a narrativa comum “oficial” e das contribuições individuais de cada família que participou da história dessas comunidades. Procuraremos valorizar as famílias pioneiras, os educadores e os agentes sociais mais representativos de cada localidade.  Cada família dessa cidade poderá participar compartilhando, em um banco de dados digital, documentos, fotos, cartas, receitas, que constituirão o acervo operacional do futuro museu comunitário. A ideia principal é articular o universo privado das famílias com o universo coletivo da cidade, do bairro, da rua, do distrito, da igreja, da escola, dos clubes de esporte, de maneira que todos possam construir juntos diversas perspectivas sobre a história local, fortalecendo a cidadania participativa e a relação entre as famílias. Quando for iniciado o processo em cada comunidade, uma equipe do programa realizará uma série de reuniões preparatórias com palestras identificando os agentes locais prioritários para a execução do futuro museu comunitário.

Quais serão as diretrizes para a implantação dos museus virtuais e comunitários?

Quando o programa é iniciado em uma comunidade, em menos de 30 dias, temos condições de lançar uma versão virtual do museu comunitário. São distribuídas licenças do software do banco de dados no qual se baseia o programa para 50 famílias escolhidas em comum acordo com os agentes locais. Priorizaremos as famílias mais antigas, que, no Paraná e em localidades de constituição recente, são chamadas de “pioneiras”. Em paralelo, iniciaremos o processo de digitalização de todo o acervo histórico e público pertencente à prefeitura e à câmara de vereadores para alimentar o banco de dados e rapidamente dar visibilidade ao material identificado.

De que forma esse processo beneficia a comunidade?

O ganho principal para a comunidade é que a interação em uma plataforma única de dados públicos e privados alimenta o processo de convencimento da importância da história na formação identitária de todos. Esse processo vem acontecendo nas cidades atendidas e questões relacionadas ao cotidiano ganham foco e perspectivas distintas, parece haver uma reapropriação de praças, construções e até mesmo da arborização pública pelas novas gerações, promovendo um forte sentimento de pertencimento à localidade. Isso é um passo importante para o processo continuado de valorização da história e dos indivíduos dessas comunidades.

Vocês também promovem a plataforma Captarte. Em que estágio ela se encontra?

Estamos próximos de lançar nossa terceira versão. Agora com abrangência nacional, que contará com algumas funcionalidades não previstas nas anteriores. A captação dos recursos dos museus do Programa Primeiro Museu será baseada nela.

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