As bibliotecas em memoriais são bastante especiais, pois elas lidam tanto com a lembrança e a carga simbólica das instituições em que estão inseridas, quanto com a produção e a elaboração artística, probatória ou teórica sobre os memoriais e os fatos relacionados a eles. Elas trazem consigo, muitas das vezes, a autenticidade de materiais originais e relatos de sobreviventes, e também as fases e transformações interpretativas dos fatos ali vividos, sendo um ambiente por excelência, de convivência, debate e aprendizado constante.

Os eventos que motivam a criação desses memoriais exigem a sua elaboração através da visitação constante aos temas que eles carregam, e essa é apenas uma das diversas razões que justificam a criação de acervos bibliográficos e arquivísticos nesses locais, como uma nova camada de informação histórica.

Entretanto, em um momento bastante atípico no mundo, com o impedimento voluntário ou compulsório de visitação a memoriais, as bibliotecas dessas instituições seriam fundamentalmente afetadas, desde que não ativassem também formas de transmitir seus conteúdos, serviços e acervos para um público que não vai poder visitá-las durante esse intervalo.

A utilização de hashtags como #Closedbutopen (fechadas mas abertas), #MuseumFromHome (museu a partir de casa), #BibliothekenSindDa (bibliotecas estão aqui) é importante por atuar dentro das redes sociais e gerar interação a partir de seus assuntos em destaque, além de dar a chance de através de uma hashtag ou um reposting, aparecer para públicos que não as conheciam.

Mas, meu desejo com esse texto é exatamente apresentar algumas ideias que encontrei por aqui, na Alemanha, onde realizo estágio na Fundação Alexander von Humboldt, dentro das próprias instituições, e que me ajudam a pensar o como fazer, a partir de nossas atuais demandas, possibilidades técnicas em trabalho não presencial, e porque não, também o nosso desejo para o futuro próximo de mostrar ao público formas de explorarem todo o nosso potencial como acervos e serviços, seja física ou remotamente.

Você precisa de nosso acervo para gerar conteúdo de qualidade? Convite para utilização dos acervos para finalidades educativas e culturais

A produção de conteúdo para internet por terceiros, seja em formato de blogs, vídeos, postagens no instagram e twitter, pode ser excelente ferramenta de divulgação dos temas dos memoriais para diferentes públicos, principalmente aquele que não terá acesso físico ao local de memória. Ou mesmo com o fechamentos das escolas, momento em que muitas atividades de ensino e aprendizagem estão sendo ministradas online, a disponibilização de material referenciado com qualidade e licença de utilização aberta para fins educativos não comerciais, é uma boa medida para apoiar a divulgação dos memoriais, da memória dos locais e do trabalho dos profissionais de acervo e subsidiar o desenvolvimento de materiais com qualidade.

Eu recomendo aqui o projeto piloto Mauer Fotos, da Fundação Muro de Berlim (Gedenkstatte Berliner Mauer), que está disponibilizando, pela primeira vez, documentos originais que registram todo o período de duração do Muro, e com o diferencial de serem fotos de acervo também de particulares, trazendo uma ampla gama de aspectos do cotidiano de como o Muro foi uma das feridas da cidade por 28 anos. A sugestão do Memorial é que os utilizadores indiquem a fonte e o fotógrafo a partir do princípio “Use, compartilhe, participe” (“Nutzen, Teilen, Mitmachen”).

O que eu adoro nesse projeto, além de ter acesso a registros muito especiais e inéditos e utilizar um material que eu sei que teve um trabalho prévio de pesquisa e checagem por profissionais qualificados, é poder também contribuir com dados adicionais sobre as fotos, e dessa forma interagir e colaborar na construção da precisão da informação.

Nós sentimos sua falta! Saiba mais sobre a biblioteca que você poderá (re)visitar!  Convite para visitar o espaço físico

Um ponto que me chama muito a atenção na comunicação das bibliotecas aqui em boa parte das redes sociais é o tom mais familiar e próximo. Por exemplo, desde que o lockdown foi forçando o fechamento ao público dessas instituições, eu vejo pelo menos uma, duas postagens das bibliotecas dizendo que sentem falta dos frequentadores #Wirvermisseneuch (nós sentimos sua falta), e fotos das prateleiras sem visitas, das cadeiras vazias e do silêncio nos corredores.

Esse tipo de mensagem, além de indicar quem é afinal o protagonista que demanda nossas ações, coleções e serviços, também abre mais um espaço de interação entre a biblioteca e a comunidade, para convidar os seus membros a visitarem seus acervos ao vivo, em breve. Nos comentários, os usuários podem tirar dúvidas acerca do fechamento, da entrega de materiais, do atraso e até de novos empréstimos, para quando os serviços estabilizarem.

Também é o momento que é possível mostrar tudo aquilo que está disponível no seu espaço físico quando a quarentena acabar, e deixar um ar de saudade e/ou de boas-vindas para a sua biblioteca, principalmente porque muitas das bibliotecas memoriais são apenas bibliotecas de referência. Esse é o exemplo do vídeo da Biblioteca do Topografia do Terror. O Bibliotecário Florian apresenta de forma muito amigável e concisa, o que a biblioteca pode oferecer quando estiver reaberta.

Você conhece nossa coleção? Que tal utilizar os nossos guias na nossa mediateca?  Convite para conhecer a produção

Nas bibliotecas memoriais, o catálogo é uma forma de memória acessível: ela complementa a produção de conteúdo acerca do tema dos memoriais, e manifesta a nossa produção de sistematização, indexação e classificação deles. É uma outra possibilidade de acessar a memória para além dos artefatos e dos lugares autênticos. Os guias podem ser desde os mais convencionais, onde em formato texto nós apresentamos nossas coleções, ou mesmo em formatos que envolvam outros tipos de conteúdo complementar, além do material de arquivo e bibliográfico, como fotografias, vídeos, testemunhos em áudio, filmes.

Para esse exemplo, eu quero apresentar a Biblioteca de Mídia da STASI (Stasi-Mediathek), que apresenta acervos que destacam o modo de operação, estrutura, métodos e desenvolvimento do Ministério de Segurança do Estado da Alemanha.

É um ótimo modelo de como apresentar as informações gerais de forma cronológica em formato de linha do tempo, e com adições a coleções temáticas, como a “Operação Pantera Negra” envolvendo três membros do partido em uma troca tiros em Ramstein, ou a hercúlea operação para um show de 15 minutos do roqueiro Udo Lindenberg em 1983 na República Democrática da Alemanha (antiga Alemanha Oriental),  ou até a conexão da polícia secreta e as ações durante os “Jogos Olímpicos de 1972”.

Você precisa de ajuda? Produção de material de suporte à pesquisa

Não somente quando o usuário nos procura no balcão, mas quando ele ainda está no processo de levantamento de fontes de pesquisa, os manuais de procedimentos, as FAQs podem estar no ar para dar mais informações sobre o que e o como é possível encontrar em nossos acervos e nossos serviços o que se está buscando. Na impossibilidade da visita física, ou no atendimento remoto imediato, esses guias são o primeiro acesso às nossas possibilidades como espaço de informação.

Aqui na Alemanha eu encontrei um lindo exemplo, feito pela equipe do NS-Dokumentationszentrums der Stadt Köln (NS – DOK Koln). Nessa biblioteca, o público é bastante variado: funcionários da casa, imprensa, alunos da educação básica e ensino superior, pesquisadores e também público infanto-juvenil, devido a oferta robusta de programação para esse público no Memorial. No site, é possível encontrar uma animação sobre como fazer uma pesquisa sobre o Nacional-Socialismo. O vídeo tem a linguagem bastante acessível, e mostra o passo a passo das etapas da pesquisa, envolvendo os aspectos de organização de tempo, sugestão de procedimentos de busca e apresentação de um checklist elaborado pela equipe.

Esses são apenas alguns exemplos de como mobilizar o público para conhecer melhor, ou pela primeira vez, os nossos espaços e também o nosso trabalho em bibliotecas. Claro que aqui ou meu recorte engloba iniciativas de bibliotecas em memoriais com temática sensível, e isso envolve problemas de ordem legal, como a disponibilização de materiais com identificação pessoal, conteúdos que sem a devida contextualização poderiam ser manipulados para utilização inadequada na internet, ou mesmo imagens e depoimentos com alta carga de violência e emoção.

Entretanto, mesmo com essas questões, as instituições discutiram e apresentaram saídas com soluções simples, que podem ter significativo impacto positivo em interações com os usuários, estando eles dentro ou fora das paredes de nossas bibliotecas. E na sua biblioteca, centro de documentação e arquivo, qual tipo de iniciativa você adotou ou deseja adotar? Quais são as suas principais dificuldades em tomar alguma iniciativa? Vamos pensar juntos?

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