Por Mariana Filgueiras de O Globo

É um filme reprisado muitas vezes, daqueles que o espectador já sabe de cor a fala dos personagens principais: em junho do ano passado, a então presidente da Riofilme, Mariana Ribas, declarou ao GLOBO que seis cinemas de rua da Zona Norte seriam finalmente incluídos no projeto municipal CineCarioca, que tem por objetivo ampliar e melhorar a rede de exibição da cidade. No roteiro prometido, as salas seriam vistoriadas até dezembro, para que os projetos de recuperação de cada uma tivessem início ainda em 2016. Ganha dois sacos de pipoca quem adivinhar o final da trama.

Não só os cinemas não tiveram suas obras iniciadas, como alguns nem sequer foram vistoriados pelo órgão municipal. De acordo com a Riofilme, o “legado olímpico associado à crise” tirou o projeto da lista de prioridades da prefeitura neste ano.

A recuperação dos cinemas de rua da Zona Norte — alguns fechados há três décadas — é uma promessa antiga, que vem se arrastando como um longa-metragem ruim desde 2012, quando a então secretaria municipal de Cultura já anunciava que devolveria os mesmos cinemas à população. São eles: Cine Vaz Lobo, Cine Madureira, Cine Cachambi, Tijuca-Palace, Cine Rosário (Ramos) e Cine Guaraci (Rocha Miranda), todos com histórico arquitetônico valioso e valor cultural ainda incrustado na memória afetiva dos moradores dos bairros.

Nos planos ventilados pela gestão municipal da época, os cinemas se transformariam em sete salas digitais e quatro salas em 3D; a operação seria terceirizada; a programação ficaria a cargo da própria Riofilme, e até o preço do ingresso já estava acertado: R$ 6, o mesmo praticado à época no CineCarioca Nova Brasília (que hoje custa R$ 10). Segundo estimativas da prefeitura, o projeto custaria no total R$ 26 milhões, e cerca de 814 mil pessoas seriam beneficiadas por ano.

O GLOBO esteve nos seis cinemas listados pela prefeitura e constatou o que moradores acompanham há anos: o Cine Rosário, que fica exatamente em frente à estação do BRT de Ramos, está completamente abandonado. Não só: segundo a secretaria municipal de Fazenda, há uma dívida de IPTU do imóvel que já soma R$ 64 mil. O Cine Guaraci está fechado, bastante destruído, e pelas frestas da antiga portaria vê-se que virou depósito de entulho e ninho de ratos. Há um grupo de moradores que luta pela transformação do espaço em um centro cultural, o Movimento Pró-Cine Guaraci. O Tijuca Palace está com as portas cerradas, mas ainda preserva o letreiro e o mobiliário original. O Cine Madureira virou ponto de exibição, mas de resultados do jogo do bicho. Das salas elegidas pela prefeitura para inclusão no projeto CineCarioca, apenas o Cine Cachambi está em uso, mas como um animado hortifruti.

O caso mais emblemático é do Cine Vaz Lobo, fechado há exatos 30 anos. Em 2010, um grupo de moradores do bairro impediu que o cinema fosse demolido para a passagem da Transcarioca. Um dos curtas que ganharam a última edição do prêmio Curta Rio leva o nome do cinema e conta justamente a história dessa sala de 1.880 lugares, fundada em 1940, uma das mais luxuosas e maiores do Rio em áureos tempos. Hoje, quem desce na estação do BRT Vaz Lobo dá de cara com o prédio fechado, pichado, mas ainda encimado pelo belo letreiro em pedra que se tornou símbolo do bairro.

Não me surpreende o descaso com os cinemas de rua. A prefeitura já havia demonstrado desinteresse quando planejou a Transcarioca, que demoliria o Cine Vaz Lobo direto, sem nenhuma consulta à população. Se o cinema ainda está de pé é porque os moradores do bairro se uniram para impedir — argumenta Luís Claudio, diretor do curta “Cine Vaz Lobo”.

A prefeitura chegou a fazer uma visita técnica no Cine Cachambi, no dia 28 de agosto de 2015; no Cine Madureira, no dia 3 de novembro de 2015; e no Cine Guaraci, no dia 2 de fevereiro deste ano. Nos outros, nem sequer esteve.

Questionada sobre a razão de o projeto não ter avançado nada até o fim dessa gestão, Cláudia Pedrozo, a atual presidente da RioFilme, ponderou:

— É um projeto caro ao prefeito. E, apesar de ser também interessante para o mercado, o legado olímpico associado ao cenário de crise deste ano acabou deixando-o de lado. A secretaria de Obras estava com a agenda empenhada na Olimpíada.

No dia seguinte, a RioFilme enviou nota oficial complementando a resposta: “O projeto de revitalização dos cinemas apresenta complexidades que demandam um planejamento bem elaborado, envolvendo esforços conjuntos de diversos órgãos do município e, por isso, exige estudos complexos e cronograma executivo multidisciplinar. Há peculiaridades a serem avaliadas em função de cada imóvel”.

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