Em abril de 2017, o Google registrou um aumento de 100% nas buscas sobre suicídio em relação ao mesmo período de 2016. Neste mesmo mês, a Netflix, lançou em sua plataforma a série 13 reasons why, que foi adaptada do livro do mesmo nome.
Um jogo chamado Baleia Azul, que incentiva os jovens a cometerem suicídio chegou ao Brasil e gerou debates e uma histeria coletiva de pais que não sabem o que seus filhos fazem na internet.
O Mapa de Violência 2017, disponibilizado pelo Ministério da Saúde, mostra que o suicídio entre os jovens de 15 a 29 anos subiu em 10% nos últimos dez anos. Nunca se conversou tanto sobre uma temática que ainda é tabu na sociedade.
Há um movimento para silenciar e, de certa forma, não gerar o “efeito Werther”, referenciado à um livro lançado de 1774 de Goethe, que provavelmente influenciou uma onda de suicídios na Europa. Joga só no Google pra entender essa história aí!
Se eu pudesse mapear os assuntos mais falados numa biblioteca escolar que atuei em 2017, com certeza saúde mental aparecia em primeiro lugar piscando e dançando ao som de Despacito. Nossos adolescentes estão emocionalmente doentes. Isso não é nenhuma novidade.
Augusto Cury já escreveu uns cinco livros sobre isso. É pressão de todos os cantos: escola que te quer ver aprovado no vestibular ao mesmo tempo em que passa cinco provas por semana; família que te quer ver aprovado num vestibular e bem sucedido antes dos 20; namorado que te quer ver aprovado no vestibular, te encontrar todos os finais de semana e ainda que você sofra eventualmente. Não que eu saiba disso, mas era o que eu observava em meus alunos.
Quando a série saiu, T-O-D-O mundo veio comentar sobre ela. Debater se era ou não um gatilho, se foi um exagero ou não mostrar as cenas mais pesadas… Eles começaram a falar como se sentiam e aí eu percebi o que a biblioteca poderia fazer por eles. E a partir dos próximos parágrafos deixo algumas atividades que realizamos na biblioteca, de maneira bem simples.
A tal (e desconhecida) autoestima
Demorou algumas muitas sessões na terapia para entender que todas as minhas crises tinham a ver com a autoestima. O suicídio representa o mais alto nível de baixo autoestima. Ele simboliza o desprezo, o ódio ao amor próprio. É pesado falar sobre isso, não é fácil. E sinceramente, acho que nunca será. Mas não será por isso que devemos parar de falar.
A biblioteca escolar tem uma influência muito grande em seus usuários, quando comparadas aos outros tipos de bibliotecas. Por isso, somos muito cobrados pelos coordenadores em relação às atitudes, assuntos, manifestação de opinião.
Seguimos o regime da instituição na qual ela está inserida e por isso as atividades devem ser muito bem embasadas. O bibliotecário escolar não é só um mediador, um agente de informação e todas as variações disso. Temos que nos recordar a todo tempo que não somos psicólogos, conselheiros tutelares, mães e nem pais do usuário. É uma linha muito tênue. E bem perigosa.
Atividades de reconhecimento de valor próprio
No dia dos namorados a biblioteca onde atuei sempre prepara alguma surpresa para seus alunos e seu objetivo sempre é incentivar a leitura através de atividades que estimulam o empréstimo de livros. Mas nesse ano fizemos bem diferente: trabalhamos o amor-próprio.
A biblioteca foi toda preparada para entrar no clima romântico. Corações por todas as partes. A diferença foi o conteúdo. Os alunos não proclamaram seu amor para outros, eles foram incentivados a se conhecer e descobrir seu próprio valor. Espalhamos por toda biblioteca, cartazes bem bonitos e sobre o principal amor: o próprio.
Na lateral da estante central, fizemos um mosaico em formato de coração com post-its e encorajamos todos a escrever mensagens positivas. Em vez do som de alunos estudando e debatendo sobre história, matemática e a série que viram no final de semana, colocamos músicas pré-selecionadas sobre autoestima e finais felizes.
Pedimos a todos que visitaram a biblioteca naquele dia que preenchessem um papel cujo o título no topo era “10 motivos para me amar”. Alguns fizeram bem rápidos, outros levaram a manhã inteira escrevendo e alguns desistiram da atividade. Quando finalizado, os alunos se deparavam com uma porta de uma sala reservada da biblioteca. Havia uma placa com “entre e conheça o amor da sua vida…”.
E eles ficaram ouriçados.
– É um tinder na biblioteca, Andreza?, perguntou um aluno.
– Tem alguma vidente ali dentro?, questionou outra.
– Aposto que é um pôster do Justin Bieber… , blefou algum espertinho.
Quando eles abriram a porta, tiveram uma beleza surpresa. Alguns choraram. Outros riram. E teve uns cinco que me perguntaram que porcaria era aquela. Era um espelho. E o amor da vida deles, eram, vejam só, eles mesmos. Em seguida, pedi para retornar e repetir todos aqueles 10 motivos na frente do amor deles. Alguns não conseguiram. Outros disseram que fariam isso todos os dias…
Atividades na rotina da biblioteca
A biblioteca pode disponibilizar periodicamente livros, filmes e até mesmo palestras com profissionais da saúde mental em seus espaços. O bibliotecário pode observar seus usuários e fazer atividades que façam os alunos reconhecerem seu valor, suas emoções e incentivar a sua busca para seu autoconhecimento.
É de bom grado disponibilizar sites, aplicativos e serviços que aliviem a tensão do dia-a-dia como meditação, técnicas de respiração e serviços de saúde mental, por exemplo. Às vezes, não precisa transformar isso num serviço de referência. É ter um feeling e boa didática.
Desenvolver as competências informacionais dos alunos através de um programa na biblioteca cria a independência dos alunos, despertando a sensação de reconhecimento com o ambiente e com todos os seus recursos. Gera impacto, mesmo que não tão perceptível de primeira instância na autoestima.
Mas é claro, que tem aquela velha história da máscara de oxigênio no avião. Para ajudar um outro passageiro, é necessário primeiro colocar a sua. É basicamente disso que se trata a autoestima. E somos mais que um amontoado de informação. Somos gente. Ainda somos pessoas.