RIO – Partindo do centro do Rio em direção ao bairro de Jacarepaguá, Zona Oeste da cidade, primeiro pela Avenida Brasil, depois pela Linha Amarela, chega-se a uma escola que nem de longe reflete a realidade da educação brasileira. A Escola Sesc de Ensino Médio (ESEM) é um projeto piloto mantido pelo Sesc – Serviço Social do Comércio – e ocupa uma área de 130 mil m² num terreno onde antes existia um pântano. Tudo é muito bonito. O teatro, por exemplo, se destaca na paisagem pela imponência de sua arquitetura. Lagos artificiais, jardins floridos e uma brisa constante completam a sensação de bem estar. Mas o que nos interessa mesmo é a biblioteca que, em termos de beleza, não deixa nada a desejar para os outros prédios da escola.

O bibliotecário-chefe, Vagner Amaro, nos recebe com simpatia e vai logo tratando de nos mostrar a biblioteca modelo que encantou figuras públicas como o então ministro da educação Fernando Adadd, quando este visitou a instituição no ano passado e o filosofo francês Edgard Morin, que esteve na biblioteca em 2008.

Embora a biblioteca da ESEM provoque entusiasmo pela exuberância do projeto, esta não reflete a realidade das bibliotecas escolares no Brasil. Primeiro pela estrutura física que em muito lembra as biblioteca dos chamados países de primeiro mundo. Segundo pelo aporte financeiro que garante à biblioteca da ESEM a manutenção constante de seu acervo, além dos investimentos em pessoal. E por último, e talvez mais significativo, a importância que a instituição dispensa à biblioteca. De acordo com Vagner Amaro, a biblioteca da ESEM assume na escola a posição de espaço privilegiado, pois é para lá que converge a comunidade escolar nas ocasiões mais especiais.

As novas regras

Dados do Censo Escolar 2010, feito pelo Ministério da Educação (MEC), revelam uma situação preocupante: a cada dez escolas, sete delas não possuem um acervo de livros disponível para seus estudantes. Faltam investimentos, atenção das autoridades, mas falta, sobretudo, vontade política.

No intuito de contornar este problema secular, o legislativo brasileiro aprovou em 2010 uma lei (Lei nº 12.244) que prevê a universalização das bibliotecas escolares no Brasil em um prazo de dez anos. A medida pretende tirar do abismo cultural milhares de estudantes que, hoje, não têm acesso ao conhecimento guardado nos diversos suportes informacionais. As novas regras determinam pelo menos um livro por aluno, garantindo, contudo, autonomia para que as instituições de ensino expandam seus acervos. Elisabeth Serra, secretária-geral da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), considera que a nova lei representa “uma conquista muito importante tanto quanto para a classe dos bibliotecários quanto para a educação”.

Para Jonathas Carvalho, bibliotecário e professor da Universidade Federal do Ceará (Campus Cariri), “a lei 12.244/10 soa como um discurso institucional de mudança, pois se configura precisamente na possibilidade de transformações que a biblioteca escolar precisa para mostrar sua potencialidade”. Carvalho destaca que “essa lei só poderá ser passível de reconhecimento se houver, ao longo desses anos, uma profunda mobilização da classe biblioteconômica mostrando a importância da biblioteca escolar. Do contrário, essa lei se consolidará como a ‘intramitável’ cultura política do país de elaborar leis com um discurso esteticamente bem construído, mas sem uma contemplação prática”.

Em se tratando de determinação legal referente às bibliotecas no Brasil, há de se considerar a preocupação de Carvalho. Isso por que das 1.126 cidades que receberam kits com livros e estantes (do Programa Nacional de Bibliotecas Públicas), só 215 comprovaram abertura destas bibliotecas, comprovando a ideia de que as intenções são validas, mas a efetivação é que merece maior atenção. Sendo assim, teme-se que o mesmo aconteça com a biblioteca escolar.

Desafio aos bibliotecários e à biblioteconomia

Muito embora a lei tenha sido recebida com simpatia pela comunidade biblioteconômica, esta tem suscitado bastante preocupação nos profissionais desta área. Isso porque o universo de bibliotecários do país não tem condições de contemplar as exigências da nova regra. Estima-se que sejam 30 mil profissionais para um universo de aproximadamente 200 mil estabelecimentos educacionais. Ou seja, as instituições de ensino teriam de formar pelo menos 170 mil profissionais até 2020 de modo a contemplar as novas exigências. Para Isaura Lima Maciel Soares, presidente do Conselho Regional de Biblioteconomia da Sétima Região (CRB7), a avaliação é positiva no que se refere ao campo de trabalho do bibliotecário, mas esta teme que, com a implantação da nova lei, o número de profissionais não seja suficiente para ocupar tantas vagas. “A implantação de bibliotecas escolares demanda de contratação de bibliotecários para organizar, gerenciar e dinamizar a biblioteca escolar”, ressalta a presidente.

Segundo o Censo Escolar de 2010, divulgado pelo Ministério da Educação em dezembro do ano passado, apenas 30,4% das escolas brasileiras nos anos iniciais têm bibliotecas. Em pesquisa divulgada em 2009, o Ministério da Cultura apontou que 445 municípios do país não têm biblioteca, o que representa 8% do total dos municípios. O estado com o maior número de cidades sem esses espaços para leitura é o Maranhão (61 municípios). As bibliotecas municipais brasileiras têm em média 4,2 funcionários e a maioria (84%) é mulher. Entretanto, 52% dos trabalhadores desses estabelecimentos não têm capacitação para a atividade, o que reforça a necessidade da formação de profissionais para atuar neste setor.

A presidente do CRB7 enxerga um fator positivo na determinação da lei para com o respeito à profissão de bibliotecário, pois obriga as “a abertura de mais cursos de formação de bibliotecários qualificados para inserir no mercado de trabalho que vem crescendo e necessitando de profissionais da informação”. Para ela, “isto motivou o Sistema CFB/CRBs a constituir parceria com a CAPES, por meio da Universidade Aberta do Brasil (UAB) para a oferta de curso de bacharelado em Biblioteconomia na modalidade a distância que será ofertado pelas universidades públicas, federais e municipais que já possuam curso na modalidade presencial”. Ela informou que a proposta foi entregue a CAPES/UAB e aguarda sua aprovação, prevista ainda para este ano.

Apesar da necessidade de formação de profissionais bibliotecários para atuar nestas bibliotecas, esta não é a única forma de participação do bibliotecário neste processo. O bibliotecário Jonathas Carvalho ressalta que “a participação do bibliotecário na efetivação dessa lei não se dará apenas como contribuição individual, mas sim como uma contribuição de classe”. Ele lembra o “argumento de Zita Catarina Prates de Oliveira, em 1983, de que dois fatores são essenciais para uma mobilização política da Biblioteconomia na sociedade: consciência de classe e senso de progressão”.

Efetivação da lei

Tendo em vista que as leis constituem cartas de intenções e que o poder público tem que fazer valer as determinações legais, uma pergunta ressoa entre aqueles que esperam pela efetivação da lei em questão: como fazer para aplica-la na prática? Um aspecto que tem chamado a atenção nas novas regras é o fato de que esta lei determina um prazo (dez anos) para que as escolas se adequem as exigências, sem, contudo, dizer o que irá acontecer a quem ignorar tais determinações.

Para Jonathas Carvalho, “o primeiro tom especulativo de punição, em um possível não cumprimento da lei deve ser visualizado nas gestões públicas municipais e estaduais, pois é nesse contexto onde reside as reais possibilidades dessa Lei ser efetivada ou não”. Pode ocorrer, segundo Carvalho, “de muitas escolas não se adequarem a nova lei em virtude da atuação deficitária das gestões municipais e estaduais, o que, de certo modo, exime a escola de uma ampla responsabilidade”. O bibliotecário ressalta que “a fiscalização dos órgãos públicos e a participação dos CRB’s como órgãos aptos a atividade fiscalizadora de escolas públicas e particulares é crucial para identificar como a lei tem sido aplicada ou se não tem sido aplicada”.

A presidente do CRB 7 destaca que o órgão atuará através de fiscalizações preventivas e rotineiras, procurando detectar e acompanhar se a Lei nº 12.244/2010 está realmente sendo aplicada. Ela esclarece que “as fiscalizações preventivas, nesses casos, têm um caráter mais pedagógico que punitivo, já que visa à conscientização do empregador da importância da biblioteca e, da necessidade e exigência do profissional habilitado para exercer a função de acordo com as leis vigentes”.

Não há dúvida de que a biblioteca representa importante instrumento no desenvolvimento educacional de qualquer nação. Também não há dúvida de que historicamente o Brasil tem ignorado a educação como aspecto relevante para a independência do indivíduo enquanto pessoa humana. Sendo assim, embora com receios, espera-se que a nova lei não seja mais uma bela intenção para uma feia não realização.

Clique aqui e leia integralmente a entrevista de Jonathas Carvalho que compôs essa reportagem.

Clique aqui e leia integralmente a entrevista de Isaura Lima  Maciel que compôs essa reportagem.

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