Na história da Biblioteconomia brasileira muito tem sido discutido acerca do papel dos órgãos de classe, em especial, no que tange a dualidade perspectivas/potencialidades de ação e passividade/inoperância. Em tese, essa discussão, embora despolitizada e polarizada, possui um viés pragmático dogmatista de que o papel dos órgãos de classe deve ser analisado somente do ponto de vista dos resultados, relegando a um plano inferior as causas, processos de participação (envolvimento da classe como um todo nas avaliações e tomadas de decisão político-institucionais) e construção histórica de modo planejado e articulado entre os órgãos de classe constituindo uma política mais continuada e integrada entre Conselho, Associação e Sindicato (este ainda muito incipiente na Biblioteconomia).
Este preâmbulo tem a pretensão de mostrar que os órgãos de classe da Biblioteconomia podem ser mais pragmáticos e menos dogmáticos do ponto de vista histórico-político. O pragmatismo se dá pela construção de propostas continuadas via órgãos de classe para o desenvolvimento da Biblioteconomia que se façam sentir no corpo de toda a área estimulando a participação mais efetiva dos sujeitos envolvidos na área. O dogmatismo se dá pela superação ad cautelam da percepção política baseada em um fundamentalismo do senso comum, uma vez que as reivindicações biblioteconômicas perpassam de maneira mais ampla por questões culturais e educacionais, acadêmicas e mercadológicas, públicas e privadas que exigem uma análise mais complexa da realidade que envolve os destinos da Biblioteconomia.
Desse modo, uma proposta inicial que pode assegurar um pragmatismo político-institucional dos órgãos de classe da Biblioteconomia é a aproximação e definição de novas categorias. Tramita no Congresso Nacional um Projeto de Lei pela regulamentação da profissão de Técnico em Biblioteconomia que, embora defina “diploma de nível médio em Biblioteconomia, expedido no Brasil, por escolas oficiais ou reconhecidas na forma da lei” atribui funcionalidades idênticas aquelas desenvolvidas pelo bibliotecário, conforme indica o Art. 4o.
O Projeto de Lei estimula profundas reflexões, principalmente pelo fato de que visa somar esforços para o cumprimento da Lei 12.244/10 que dispõe sobre a universalização das bibliotecas escolares e exige que o profissional responsável seja o bibliotecário.
O advento da Lei 12.244/10 e a regulamentação da profissão do Técnico em Biblioteconomia pode se constituir como profícua oportunidade para o desenvolvimento da Biblioteconomia brasileira. Contudo, é preciso articular um processo político de representação via órgãos de classe. Minha sugestão seria a elaboração de um projeto e carta de justificação do Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB) vinculando as categorias de Técnico em Biblioteconomia e Auxiliar de Biblioteca compondo as atuações de cada segmento como complementar a atuação do bibliotecário. Em tese, quais seriam as vantagens dessa vinculação? Posso mencionar as seguintes:
a) aumento quantitativo da representação dos CFB/CRB promovendo maior contribuição/arrecadação para os órgãos de classe;
b) fortalecimento de atuação pragmática nos centros de informação com o reconhecimento integrado das atividades de cada segmento profissional (bibliotecário, técnico e auxiliar), visando a soma de esforços coletivos em vez de uma segregação de esforços como ocorre hoje;
c) as associações de bibliotecários passariam a ser responsáveis pela elaboração dos cursos de Técnico em Biblioteconomia e Auxiliar de biblioteca que sugiro a realização em um prazo de um ano e seis meses, respectivamente. As associações passariam a ter mais autonomia, arrecadação e possibilidade de publicização estratégica da Biblioteconomia em cenários locais, regionais e nacionais. Ressaltando que esses cursos poderiam ser ministrados periodicamente na modalidade presencial e/ou a distância oferecendo, inclusive, oportunidades para municípios e estados que não dispõem de uma ação mais efetiva dos órgãos de classe da Biblioteconomia;
d) incentivaria a criação de um Sindicato Nacional da Biblioteconomia com mais perspectivas de representação na luta por melhores condições de trabalho, carreira e salários para bibliotecários, técnicos e auxiliares;
e) fortalecimento político-institucional dos órgãos de classe que teriam mais componentes para articular seus processos de tomada de decisão, assim como a construção de uma política mais concreta e continuada de atuação profissional;
f) efervescência e redimensionamento do Curso de Graduação em nível de Licenciatura na Biblioteconomia, haja vista que os profissionais mais adequados para ministrar cursos de técnico e auxiliar são os formados em Biblioteconomia no âmbito da formação continuada de competências pedagógicas e com devido registro no Conselho, o que representa uma declarada ampliação de mercado qualificada.
Estas seriam, a priori, apenas algumas vantagens iniciais que, dependendo do processo de luta da área, pode se desdobrar em outras vantagens mais significativas a médio e longo prazo. Vale ressaltar que esta política foi firmada na Enfermagem e fortaleceu, sobretudo, os processos de fortalecimento político-institucional. O exercício das três atribuições profissionais é estabelecido pelo decreto no 94.406/87.
Todavia, minha pretensão não é afirmar que esta conquista resolveria todos os problemas da Biblioteconomia, mas certamente promoveria novo fôlego estratégico para condução das ações político-institucionais, acadêmicas e profissionais da área fomentando mais participação e politização em detrimento da segregação e despolitização correntes de quem a área é acusada por muito de seus membros e categorias afins.
Este texto, é uma sugestão inicial, implicando afirmar que, em breve, pretendo compartilhar outros relatos mais concretos relativos a possibilidade de como articular essa aproximação entre as três categorias na Biblioteconomia, bem como mostrar questões mais concretas para fortalecimento da atuação dos órgãos político-institucionais da Biblioteconomia contemplando os cinco pontos elencados nas alíneas deste texto e outras possíveis questões.