Na sexta-feira, 26, o site GGN publicou uma notícia dando conta de que o acervo da biblioteca da Universidade da Petrobrás (UP), localizada no Rio e responsável pela formação e atualização de seus profissionais, havia sido destruída. Ainda de acordo com a reportagem, que teria sido encaminhada por um leitor, “que pediu para não se identificar”, o Espaço Terra e Petróleo, pequeno museu da geologia da UP, fora “vandalizado” “pela própria gestão da empresa”.

A informação, que foi rapidamente replicada por outros sites e distribuída nas redes sociais, estava acompanhada de fotos que mostravam o que seria o Espaço Terra e Petróleo destruído. Não demorou muito e um print de uma “nota de esclarecimento” também começou a circular pelos grupos na internet. Segundo essa nota, as instalações da UP estariam passando por um processo de planejamento de migração, envolvendo a transferência de laboratórios e exposições.

“Um exemplo é o Espaço de Geociência Terra & Petróleo, cujo acervo foi cuidadosamente embalado e transportado, e atualmente se encontra completamente preservado aguardando apenas a sua montagem em local apropriado, sendo descartados apenas os adesivo de paredes, já danificados pelo uso e que não poderiam ser reaproveitados no novo espaço”, dizia a nota printada.

Imagens do “Espaço Terra e Petróleo” da Universidade da Petrobrás detruído. Foto: internet

Sobre os livros, a nota dizia que a biblioteca (sem explicar qual delas) faz uma triagem periódica de seu acervo e das doações que recebe. “Livros em bom estado de uso são mantidos em seu acervo físico ou encaminhados para doação. Única e exclusivamente quando apresentam conteúdo defasado ou sem condições de uso, são encaminhados para reciclagem”, dizia o informe que não tinha assinatura.

O problema é que a versão original dessa “nota” não era encontrada no site da Petrobrás, o que levou muitas pessoas a questionar sua autenticidade. Acionadas por seus leitores, a Agência Lupa e o site E-Farsa, que são projetos que se dedicam a fazer verificação de notícias, publicaram “desmentidos” sobre a notícia. O curioso é que em ambos os veículos os “desmentidos” estavam baseados exclusivamente na pretensa nota da Petrobrás, a mesma que não havia sido encontrada no site da estatal.

Só depois disso é que o GGN publicou a correção, o que também foi feito com base na mesma “nota”. Em contato com fontes, a equipe da Biblioo descobriu algumas coisas importantes. A primeira é que essa nota não foi encontrada no site da Petrobrás porque sua versão original estava disponível exclusivamente na intranet da instituição, tendo acesso apenas os empregados através de senhas e logins.

A segunda coisa que apuramos é que a estatal fechou não uma, mas três bibliotecas da sua rede, que até 2017 era composta por cinco unidades. Só que o encerramento das atividades destas bibliotecas aconteceu há dois anos, não recentemente como vem sendo noticiado. Estas três bibliotecas extintas tiveram seus acervos remanejados para o Centro de Pesquisas Leopoldo Américo Miguez de Mello (CENPES), na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, e para o Edifício Sede da Petrobras (EDISE), localizado no Centro do Rio.

Ou seja, das cinco bibliotecas que compunham a rede da Petrobrás (uma na Bahia e quatro no Rio) restam apenas duas, exatamente as que estão no CEMPRES e no EDISE. A Biblioo fez um grande esforço para conseguir informações mais precisas sobre estas unidades de informação, mas a empresa resiste em compartilhar dados que deveriam ser públicos. Em contato com a instituição perguntamos, por exemplo, se alguma biblioteca e/ou centros de documentação da Petrobrás foi extinta(o) e/ou remanejado nos últimos cinco anos.

“A Petrobras, visando à geração e disseminação do conhecimento, preserva um acervo de  milhares de títulos em suas bibliotecas, localizadas no Edifício Sede da companhia, no Centro do Rio de Janeiro, e no seu Centro de Pesquisas (Cenpes), na Cidade Universitária. Ambas oferecem serviços especializados voltados para subsidiar as pesquisas do corpo técnico da empresa, além de contribuir com o desenvolvimento cultural e intelectual dos empregados. A companhia mantém, ainda, milhares de títulos em formato digital, que podem ser acessados online, favorecendo a disseminação do conhecimento necessário ao desempenho das suas atividades. O acervo é enriquecido constantemente”, respondeu a empresa ignorando a lista que questões que enviamos.

“Novos painéis [destruídos no Espaço Terra e Petróleo] podem ser impressos e colados em outra localidade. Mas o que não muda é o simbolismo das imagens da destruição”, protesta um funcionário da Petrobrás que não quis se identificar. “Alguém pode imaginar que a transferência da UP de um prédio apropriado para um outro espaço ‘improvisado’ seja para melhoria do ensino corporativo? Quem esteve por lá ano passado não viu o que de fato aconteceu com a biblioteca? Há dúvidas de que a biblioteca foi desmontada e de que isso é uma atitude que não entusiasma os que amam o conhecimento? Onde foram parar os livros físicos? Na nuvem? Certamente nem todos. Eu sou testemunha ocular do fim que grande parte do acervo teve”, disse.

“E para mim o pior não é o que tem sido feito, mas o como foi feito. Isso faz toda a diferença, não? Ou será que existe então o estupro consentido? E o discurso que acompanha as ações? Muitas vezes parece que estou ouvindo algo como: A UP não usava calcinha! Tinha mais é que ser violentada mesmo! E quanto à postagem oficial explicativa do vandalismo na página da empresa? Por que não botaram uma foto do acervo encaixotado com os painéis destruídos? Seria menos verdade?”, protestou.

O Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro (SINDPETRO/RJ) publicou um texto em sua página afirmando que a direção da empresa está querendo “convencer aos incautos desavisados” de que a notícia do desmonte da biblioteca da UP, que ficava localizada no EDICIN, no Rio de Janeiro, assim como do Espaço Terra e Petróleo, são fake news. “O Sindipetro-RJ reproduziu aqui informes de trabalhadores da base da unidade, gente que está lá diariamente executando seu trabalho como empregado da companhia, e que assiste de forma estupefata o que estão fazendo com a memória da Petrobrás”, disse a entidade.

“Mais uma vez reafirmamos que empregados foram convidados a pegar os livros que quisessem e os volumes únicos seriam levados para o EDISE, sendo que as cópias de monografias seriam trituradas. O destino dos CDs e DVDs do acervo, ninguém sabe. Para variar, tudo foi feito sem transparência e de forma atabalhoada. A orientação é sim a de desmobilizar todas as bibliotecas, restando apenas uma no CENPES e outra no EDISE”, disse a entidade sindical dos empregados da empresa.

Nós também perguntamos à Petrobrás se a sua universidade corporativa estava passando por algum tipo de reestruturação e, se sim, se estas mudanças afetam seus profissionais. Mas, mais uma vez a estatal ignorou nossos questionamentos. A Petróleo Brasileiro S.A. (ou simplesmente Petrobrás) é uma empresa de capital aberto (sociedade anônima), cujo acionista majoritário é o governo do Brasil (União), sendo, portanto, uma empresa estatal de economia mista.

Recentemente o presidente da República, Jair Bolsonaro, disse que tem “simpatia inicial” pela ideia de privatização da Petrobras. “Vamos trabalhar na privatização das refinarias. Esse é um projeto da Petrobras que já está aprovado e que terá sequência”, disse o presidente em outra ocasião.

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