“Superação de paradigmas” é uma frase batida, quase um clichê, entre os acadêmicos, em especial os da Biblioteconomia. Paradigma, do grego parádeigma, significa literalmente modelo, ou seja, um padrão a ser seguido. Lendo os artigos acadêmicos é possível se deparar com a expressão criticada em diversas ocasiões e, quase sempre, relacionada aos novos aparatos tecnológicos. De fato, as novas tecnologias trouxeram uma série de mudanças na forma de perceber o mundo e, por consequência, na forma de encarar o fazer profissional, dentre eles o biblioteconômico.

Estas mudanças não significam, nem de longe, um rompimento com os velhos modelos de dominação. Ao contrário, os “novos paradigmas”, trazidos a reboque pelas novas tecnologias de informação, podem significar uma forma de dominação muito mais eficiente. Digo isto tendo em vista o fato de que há, entre os bibliotecários, poucas iniciativas de contestação. A relação TICs e Incapacidade de contestação por parte dos bibliotecários é apenas um exemplo.

Em relação à questão social, que é algo inerente a qualquer profissão (afinal, nem uma área do conhecimento tem um fim em si mesma): nos vemos – nós bibliotecários – em geral impelidos a nos adequar a lógica do mercado, como se essa fosse a única fonte de existência de nossa categoria profissional. Diversos indivíduos e movimentos têm se mobilizado em fazer uma biblioteconomia não só mais comprometida com as pessoas, como mais eficiente, à medida que atinge de forma mais ampla um contingente desarraigado socialmente. Bibliotecas como a Solano Trindade, do bairro Cangulo, em Duque de Caxias na Baixada Fluminense e o Biblioburro, na Colômbia, estão ai para provar.

Outra questão que temos debatido com bastante frequência neste espaço é o da necessidade ou não da manutenção da condição de graduado em Biblioteconomia para assumir a biblioteca em algumas situações específicas, como é o caso da biblioteca escolar. Sabe-se que em alguns desses espaços muitas vezes se desenvolvem atividades muito mais consistentes do que em qualquer outra biblioteca. Mesmo assim se insiste muitas vezes em penalizar esses espaços pelo simples fato destes se autodenominarem bibliotecas e não contarem com o profissional bibliotecário. O que deveria está em jogo não era o mero aspecto burocrático, muitas vezes mal conduzido pelos órgãos de classe, mas a verdadeira finalidade desses espaços que é o de contribuir para a democratização de fato do conhecimento. Lembrando que a “democracia” pleiteada aqui não é aquela democracia eminentemente burguesa, com toda sua casta de privilégios, mas uma democracia de fato e não só de direito.

Em vista destas questões passo a elencar os pressupostos da Nova Biblioteconomia:

1) O fazer biblioteconômico não diz respeito necessariamente ao bibliotecário, mas a todos os indivíduos que estejam engajados com o processo de democratização da informação, especialmente o incentivo à leitura.

2) As exigências legais têm por um lado contribuído com o fazer biblioteconômico, mas por outro têm limitado esse fazer. Um exemplo é o caso da biblioteca escolar em que a lei (12244/10) veio garantir a exigência de bibliotecas e bibliotecários em todos os estabelecimentos de ensino do país em um prazo de dez anos, mas limita a participação dos “professores-bibliotecários” nesse processo;

3) A relação entre os profissionais da informação tem de ser estreitada, especialmente com os arquivistas e museólogos, constituindo estes categorias desarraigas politicamente, pois em geral não conta com instituições políticas que os congregue, como um sindicato, por exemplo.

4) O bacharelado em Biblioteconomia como exigência legal para o exercício da profissão de bibliotecário tem sido, em algumas situações, um entrave ao processo de democratização do conhecimento. Por isso conclamamos uma discussão ampla em relação à possibilidade de garantir a alguns profissionais, em situações específicas, a possibilidade de se tornar bibliotecário mediante um complemento nos estudos, como acontece em países mais avançados.

5) A Biblioteconomia tem de fazer o caminho inverso de sua trajetória histórica no Brasil, caminhando em direção a humanização e se afastando do tecnicismo exacerbado.

É com essas reflexões povoando nossas mentes que construímos esse número especial da biblioo em comemoração ao dia de hoje, o Dia do Bibliotecário. Esperamos que todas as matérias e a contribuição de todos os entrevistados e colaboradores possam não só celebrar nossa profissão, mas também promover o debate que é o melhor caminho para crescermos.

Abrindo a discussão, há uma abordagem sobre epistemologia da Biblioteconomia com Gustavo Saldanha e Márcia Feijão na seção Diálogos, que especialmente este mês conta com a participação de dois bibliotecários.

Na seção Cotidiano o texto “Pessoas deficientes, pessoas sonhadoras e um Biblioburro” de Agulha nos mostra com seu humor ácido habitual posturas que precisam ser revistas e iniciativas que precisam ser replicadas. Já a crônica “Quarta-Feira de cinzas” de Roony Laeber vem ainda carregada da melancolia do fim do carnaval ou quem sabe o fim de um amor. Ainda nessa seção, “Quadrinhos e Biblioteconomia” por Ana Paula Valentim mostrando que o lugar de quadrinhos também é na biblioteca!

A seção Educação trás no exemplo do SciELO, a discussão do movimento do acesso livre e dos repositórios institucionais de universidade com a matéria “SciELO Brasil e o sucesso dos repositórios: a confiabilidade do acesso livre” por Camilla Duarte da Silva. Já na seção Atitude, temos a matéria “Perfil de um bibliotecário”, por Rodolfo Targino, que vai nos mostrar um exemplo a ser seguido, mas também traz uma pequena prévia de surpresas futuras que a Revista Biblioo está preparando para vocês.

Conectado veio recheada esse mês: temos “Segurança da informação”, por Fábio Sobral que nos mostra um viés mais técnico dessa discussão e, ainda, “Skoob sociedade dos livros” aonde Emilia Sandrinelli e Hanna Gledyz apresentam uma rede social especializada em livros e que não pode escapar dos olhares dos bibliotecários.

Bons ventos trouxeram novidades para a seção Empresas & Iniciativas, onde você pode conferir a matéria “Parceria Brasil Angola para Mediatecas”. E os mesmos bons ventos nos presentearam também com a ideia de revisitar uma antiga, mas sempre atual crônica de Edson Nery da Fonseca: “Bibliotecário especializados, sim! Bacharéis em biblioteconomia, não!” que vocês podem conferir na seção Estante.

Na integra, que é sempre a seção onde podemos conferir as entrevistas que são mencionadas nas matérias, esse mês foi recheada de importantes personagens do cenário biblioteconômico: Simone Weitzel, Glória Blauth, Vera Saboya, Henrique Kelmer, Thiago Cirne, Lindenberg Moreira e uma galera muito legal dos Skoobencontros.

A capa desse número traz uma inspiradora entrevista com Molly Raphael, presidente a American Library Association (ALA), por Emilia Sandrinelli e, complementando as palavras de Molly, a matéria de Cássia furtado explicando a estrutura da Associação. E, por ultimo, mas não menos importante, a matéria de Emilia Sandrinelli e Rodolfo Targino “Bibliotecas que mais receberam investimento”. Com ela celebramos os cuidados e investimentos que algumas bibliotecas no país tem recebido, mas também refletimos o quanto ainda é preciso fazer.

Para você, leitor, que é bibliotecário: Parabéns!

Para você, leitor, que não é: você acaba de receber um passaporte de um mês para o mundo da biblioteconomia.Você vai gostar!

Para todos, uma boa leitura!

 

 

 

 

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