O campo da saúde sempre foi fértil para enganações, somando-se a isso a denominada infodemia de informações falsas e a desinformação, considerando as disputas de poder e/ou obtenção de lucros, podem impactar negativamente a população, acarretando por exemplo a falta de prevenção e tratamentos equivocados contra doenças potencialmente graves. Nos últimos anos, por exemplo, muito tem se discutido o tema da saúde mental no Brasil, principalmente devido a pandemia de Covid-19, nas quais as redes sociais tornaram-se palco para todo e qualquer tipo de apresentação de informação sobre saúde e por quaisquer pessoas, sendo capacitadas ou não.

No século XXI o uso de ferramentas de tecnologias de informação e comunicação digitais pela sociedade e o consequente aumento do volume de informações veiculadas na web, viabilizou a busca e o acesso a informações. Sendo assim, qualquer pessoa pode produzir conteúdo para as redes sociais, facilitando a circulação das fake news (notícias falsas), que em se tratando de saúde, possui um agravante pois estas informações falsas podem impactar negativamente na tomada de decisões em relação a saúde da população.

Muitas pessoas acessam a internet para buscar informações referentes a saúde, tais como sintomas e tratamentos de doenças, sendo assim, a veracidade das informações e quem as publica são fatores preponderantes para o consumo de informações em saúde na web. Neste contexto, os chamados “influenciadores digitais” possuem um papel significativo para a disseminação da informação nas mídias sociais, desempenhando a função de mediadores e podendo impactar nas decisões de consumo e comportamentos dos jovens em relação a saúde.

Numa sociedade na qual as redes sociais tornaram-se uma das principais formas de comunicação entre um grande número de pessoas, e que também funcionam como fontes de informação de pesquisa sobre os mais variados temas, o comportamento informacional de jovens no âmbito da saúde, levando em conta o excesso de informações as quais somos submetidos constantemente, pode ser afetado com informações falsas sobre saúde. O excesso de informações sobre saúde na web e sua relação com os influenciadores digitais pode nos ajudar a refletir sobre um novo olhar para um problema bastante discutido nos últimos anos, as fake news.

As informações falsas e a infodemia

Dentre os fenômenos em comunicação na contemporaneidade, um dos mais preocupantes para as pessoas, instituições e academia são as fake news, ou notícias falsas. A disseminação de informações falsas não é exatamente uma novidade, pois mudam a forma, os meios, o alcance e a velocidade com a qual a informação é transmitida, porém os efeitos que as mesmas podem ocasionar continuam tóxicos, sobretudo na área da saúde (MAIEROVITCH, 2020).

Com a evolução das tecnologias de comunicação e informação, maior acesso à internet e o amplo uso de mídias sociais pela maioria da população, cada vez mais pessoas são expostas as notícias falsas, que têm encontrado um terreno bastante fecundo para se propagarem, gerando um grande impacto nos últimos tempos em instituições dos mais variados segmentos.

As notícias falsas têm sido alvo de debates nas mais variadas esferas sociais nos últimos anos, inclusive na área da saúde, além disso a desinformação e os boatos são fenômenos considerados dentre as mais antigas formas de mídia de massa, estando presentes em todo lugar. O termo fake news ficou conhecido principalmente a partir do ano de 2016, num cenário de conflitos políticos desencadeados pelas notícias falsas. Sendo assim, notícias falsas são:

artigos noticiosos que são intencionalmente e verificavelmente falsos, embora capazes de enganar os leitores. […] o crescimento do engajamento em redes sociais online, associado ao declínio da confiança em veículos tradicionais de informações, explica o vertiginoso crescimento de circulação de notícias falsas (ALZAMORA; BICALHO, 2018).

Neste sentido a desinformação é considerada uma técnica de manipulação da opinião pública com a finalidade de divulgar informações falsas; verdadeiras, mas truncadas; ou verdadeiras, mas com a adição de complementos cujo objetivo é passar uma imagem errada da realidade para fins políticos, militares ou econômicos (COUTANT, 2020).

As pessoas costumam ter a tendência de serem cativadas por aspectos sociais e emocionais de mensagens, sendo este o principal motivo pelo qual as informações falsas chamam tanto a atenção. A falsificação das notícias leva em conta estratégias metacognitivas, usando recursos visuais em conjunto com textos, de maneira a criar determinada interpretação e manipulação das mensagens (SILVA et al, 2022).

Em vista disso as redes sociais tornaram-se um território prolífero para a disseminação de notícias falsas, devido a velocidade de propagação de informações e seu amplo alcance. Ainda há a possibilidade de criação de conteúdos por usuários comuns e o excesso de informação que circula nas redes, associada a falta de capacidade cognitiva e interpretativa da população pode levar à criação e o espalhamento de informações falsas.

Neste sentido, a infodemia é o termo que denota um aumento significativo no volume de informações circulando, sejam elas corretas ou não (DOMINGUES, 2021). O fenômeno da infodemia pode ser definido como o excesso de informações, algumas precisas e outras não, dificultando a verificação em fontes idôneas e orientações confiáveis, podendo gerar opiniões e comportamentos sociais possivelmente de risco para a saúde das pessoas (KITAMURA et. al., 2022).

A exposição constante à desinformação pode reduzir a confiança na mídia tradicional, dificultando sabermos o que é fato ou ficção no futuro. Diante da possibilidade de que qualquer coisa possa ser falsa, é mais fácil desconsiderar o que é realmente verdade. Este de fato tem sido um problema enfrentado por diversas nações em todo o mundo, bem como propostas as mais diversas soluções, levando-se em consideração aspectos culturais, econômicos e históricos.

Este tem sido um tema amplamente discutido por autoridades governamentais, plataformas digitais e profissionais da comunicação, tanto que no dia 3 de abril foi instituído o Dia nacional de combate as fake news e o Senado Federal discute a instauração de um projeto de lei, o PL 2630/2020 que visa a regulamentação das chamadas Big Techs, empresas de tecnologia, a fim de reduzir a disseminação de informações falsas nos meios digitais.

Para além de iniciativas do Estado e de plataformas digitais é de suma importância o engajamento da população neste enfrentamento, ou seja, o comportamento informacional dos usuários em relação ao consumo de notícias.

As notícias falsas na área da saúde

“Fake news em saúde é qualquer informação errada, distorcida ou descontextualizada que induz o público a tomar decisões erradas, a adotar comportamentos inadequados, que insufla esperanças ou medos descabidos na população” (ORSI, 2020).

Segundo Orsi (2020) dentre as causas da falsidade em saúde, se por erro ou má-fé do pesquisador, se devido à incerteza inerente ao processo científico ou ignorância ou má postura do veículo de comunicação, tudo isso é menos importante que o seu impacto, uma vez que a cada terapia inútil um charlatão enriquece e um cidadão é lesado.

Uma das características da comunicação formal em saúde é a assimetria de informações e seu difícil acesso pela população em geral, que implica na necessidade de base anterior que permita uma compreensão e aplicação de conhecimentos em diferentes contextos (MAIEROVITCH, 2020). Uma certa familiaridade com o método científico e com estudos sobre doenças, sintomas, riscos relacionados ao consumo, ao ambiente e às atividades, bem como os perigos e efeitos esperados de tecnologias poderia auxiliar no processo de combate a desinformação e na identificação de informações falsas em saúde.

Notícias falsas na área da saúde possuem algumas peculiaridades opostamente a outros setores, como nos diz o autor:

Diferentemente das fake news em política, que, quase sempre, emanam de fontes de baixa credibilidade ou com interesses e alinhamentos políticos muito claros, fake news em saúde, muitas vezes, nascem e prosperam nas instituições em que mais confiamos, instituições cuja confiabilidade é o próprio esteio da vida civilizada – academia, mídia profissional, Estado. Não se trata de um problema insolúvel, embora a solução seja, sem dúvida, complexa. Mas é preciso reconhecê-lo e evitar o clima de complacência que transfere a responsabilidade pelas fake news para ‘eles’, ‘os outros’. Neste caso, ‘eles’ somos nós (ORSI, 2020).

O combate a veiculação de falsas informações é uma corrida de gato e rato, visto que simultaneamente ao desenvolvimento de ferramentas de checagem de informações os métodos para produzir notícias falsas também têm sido aprimorados. Abordar este assunto é necessário a fim de que as pessoas contribuam para uma sociedade com pensamento crítico e discernimento suficientes para não acreditar cegamente em qualquer notícia e uma forma de se blindar é com a educação.

Comportamento informacional e influenciadores digitais

 O uso progressivo das tecnologias de informação e comunicação tem influenciado diferentes dimensões da experiência humana, dentre elas, as relações sociais, que estão se tornando cada vez mais virtualizadas e dependentes de dispositivos tecnológicos, que são criados e aprimorados constantemente, bem como as formas de buscar informações sofreu transformações nos últimos anos (CORRÊA; ROZADOS, 2016).

Os estudos sobre o comportamento informacional, conhecidos como estudos sobre necessidades e usos da informação, são considerados uma evolução dos tradicionais estudos de usuários (GASQUE; COSTA, 2010).

Neste contexto, o comportamento informacional é todo comportamento humano relacionado às fontes e canais de informação, incluindo a busca ativa e passiva de informação e o uso da informação. Pela facilidade e rapidez, a busca por informações na web é uma prática comum, e que na área da saúde pode acarretar problemas diversos para a população.

O desenvolvimento dos estudos sobre comportamento informacional ocorreu de forma gradual, transpondo-se de uma abordagem focada na demanda e uso de sistemas e fontes de informação para uma compreensão mais ampla sobre os fatores que levam um indivíduo a empreender uma busca por informação (CORRÊA; ROZADOS, 2016). Portanto, os cidadãos têm o desafio de saber como avaliar as informações que recebem, por meio do pensamento crítico e reflexivo.

Vivemos na era digital, onde cada vez mais os processos vêm se tornando automatizados e sendo realizados por meio de máquinas. De um modo geral, exceto os profissionais especializados, as pessoas costumam buscar por informações acerca de qualquer assunto na internet, muitos utilizam as redes sociais, que podem conter informações imprecisas e sem fontes confiáveis.

As mídias digitais que se consolidaram pelas redes sociais, as plataformas de streamings, sites, entre outros, protagonizam uma maior interação entre os usuários. Dentre as principais estão o Facebook, Twitter, Tik Tok, YouTube e o Instagram, sobretudo na parte ocidental do globo terrestre (SANTOS, 2022).

De meros consumidores a produtores de informação, este é o novo cenário da web e particularmente nas redes sociais, no qual qualquer pessoa pode publicar informações sobre qualquer tema. Neste contexto, o surgimento dos influenciadores digitais está ligado à cultura da participação, à entrada de amadores no âmbito da produção e à possibilidade de produção de conteúdo ampliada e não mais restrita apenas àqueles que tinham a posse dos meios tradicionais de difusão e distribuição (SHIRKY, 2011; JENKINS, 2009 apud KARHAWI; PRAZERES, 2022). Sendo assim, para Woods (2005) influenciadores digitais são pessoas que possuem alguma mídia digital independente com influência sobre determinado grupo social.

De acordo com Dantas (2018, p. 73) o “conceito de influenciadores digitais ainda está em construção e percebe-se que as referências científicas sobre o assunto são na maior parte das vezes relacionadas à tópicos correlatos”.

O influenciador digital transmite aos seus seguidores credibilidade a partir da produção de conteúdos que são publicados com frequência nas redes sociais, o tornando referência. Cabe salientar que esses conteúdos apresentam diversas temáticas, tais como, moda e beleza, música, decoração, humor, viagens, livros, política, esporte, culinária, entre outros que contemplam determinados nichos de público (KARHAWI, 2017). Alguns estudiosos consideram que estes influenciadores funcionam como uma espécie de “formadores de opinião” fundamentais no mercado, ainda que não possuam experiência profissional, devido ao grande alcance e audiência de suas redes sociais.

Uma pesquisa da CharityRx com 2 mil adultos publicada na Revista Forbes (2022) diz que um em cada cinco norte-americanos que procura ajuda com algum problema relacionado a saúde recorre as redes sociais para obter conselhos antes de abordar um médico. Ainda aponta que quase o mesmo número de pessoas “confia mais em influenciadores de saúde do que em profissionais médicos em sua comunidade” (LEVINE, 2022). Um dado alarmante, pois não se sabe a confiabilidade das informações publicadas por tais pessoas nas redes sociais, ainda que sejam profissionais da saúde, existe toda uma questão ética a ser discutida.

Para enfrentar as informações falsas na área da saúde é preciso conscientizar as pessoas sobre como consumir informações e notícias. Contudo, esse processo não depende apenas de iniciativas do governo e das agências de checagem de fatos, mas também de um esforço coletivo. Isso porque a formação das crenças e opiniões não ocorre apenas através do consumo de informações nas mídias sociais. Ela acontece no dia a dia, nas interações com pessoas próximas que podem reforçar ou não as opiniões baseadas em fake news. Portanto, saber como combater as notícias falsas é um importante passo nesta era das redes sociais no qual a facilidade e velocidade de compartilhamento de informações podem causar desinformação, produzindo efeitos negativos para os envolvidos.

 

REFERÊNCIAS

ALZAMORA, G. C.; BICALHO, L. A. G. A dinâmica transmídia de fake news: interações sociais em torno da concepção pragmática de verdade. In: Encontro Anual da Compós, 27., 2018, Belo Horizonte, BH. Anais… Belo Horizonte: Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação, 2018.

CORRÊA, Maurício de V.; ROZADOS, Helen Beatriz F. Comportamento informacional em comunidades virtuais: um estudo netnográfico do grupo de interesses SEER/OJS in Brazil do Facebook. Biblionline, João Pessoa, v. 12, n. 3, p. 112-125, jul./set., 2016.

COUTANT, Alexandre. As fake news são sintoma de quê?.  FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Gerência Regional de Brasília. In: Fake news e saúde. Brasília: Gerência Regional de Brasília, 2020.

DANTAS, Melina S. Desafios contemporâneos da ciência da informação: influenciadores digitais como objetos de investigação. Dissertação (Mestrado em Ciência da informação) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos/SP, UFSCar, 2018.

DOMINGUES, Larissa. Infodemia: uma ameaça à saúde pública global e após a pandemia de Covid-19. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 12-17, jan./mar. 2021.

GASQUE, Kelley Cristine D.; COSTA, Sely Maria de S. Evolução teórico-Metodológica dos estudos de comportamento informacional de usuários. Ciência da Informação, Brasília, DF, v. 39, n. 1, p. 21-32, jan./abr. 2010.

KARHAWI, Issaaf. Influenciadores digitais: conceitos e práticas em discussão. Revista

Communicare, São Paulo, v. 17, p. 46-61, 2017.

KARHAWI, Issaaf; PRAZERES, Michelle. Exaustão algorítmica: influenciadores digitais, trabalho de plataforma e saúde mental. Revista Eletrônica de Comunicação, Informação & Inovação em Saúde, Rio de Janeiro, v. 16, n. 4, p. 800-819, out./dez. 2022.

KITAMURA et. al. Infodemia de covid-19 em idosos com acesso a mídias digitais: fatores associados a alterações psicopatológicas. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, v. 25, n. 6, 2022.

LEVINE, Alexandra S. Médicos estão se tornando influencers e sendo demitidos por isso: à medida que mais pessoas recorrem às redes para conselhos sobre saúde, profissionais que atuam como influenciadores estão seguindo linhas éticas complicadas. Revista Forbes, dez. 2022. Disponível em: https://forbes.com.br/carreira/2022/12/medicos-estao-se-tornando-influencers-e-sendo-demitidos-por isso/#:~:text=Profissionais%20da%20%C3%A1rea%20m%C3%A9dica%20trabalham,frente%20de%20combate%20da%20pandemia. Acesso em: 26/08/2023.

MAIEROVITCH, Cláudio. Fake news: prevenir-se e agir. FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Gerência Regional de Brasília. In: Fake news e saúde. Brasília: Gerência Regional de Brasília, 2020.

ORSI, Carlos. Fake news em saúde: o inimigo mora ao lado. FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. Gerência Regional de Brasília. In: Fake news e saúde. Brasília: Gerência Regional de Brasília, 2020.

SANTOS, Renata Sabino dos. Estudo das representações sociais dos influenciadores digitais e os seus seguidores sobre saúde mental na rede social Instagram. Orientadora: Caroline Cavalcanti Padilha Guimarães. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Psicologia) – Universidade Federal de Alagoas, Palmeira dos índios, UFAL, 2022.

SILVA et. al. Rafaela Carolina da. O protagonismo da competência em informação no contexto das fake news. Revista Ibero-americana de Ciência da informação, Brasília, v. 15, n. 2, maio-ago., 2022.

WOODS, J. Digital Influencers: Do business communicators dare overlook the power of blogs?. Communication World. San Francisco, v. 22, n. 1, 2005.

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