Em 12 de maior de 2016, o então presidente-interino da República, Michel Temer, extinguiu, em ato sumário, o Ministério da Cultura (MinC). É bom lembrar que o processo fraudulento de impeachment de Dilma só se concluiu quatro meses depois. Portanto, a extinção da pasta foi medida de urgência do golpismo.

O Ministério seria recriado pouco tempo depois, fruto de pressão da classe artística e de algum barulho da imprensa. Porém, o recado estava dado e, na prática, a destruição continuou a ser feita. Orçamento pífio, contingenciamentos, nomeações medíocres e desestruturação administrativa foram os mecanismos usados para extinguir o MinC mantendo somente a marca.

É bom lembrar que todos os nomes que aceitaram cargos, a partir daquele simbólico maio de 2016, foram co-autores dessa destruição. Não existe maneirismo ou eufemismo que esconda a responsabilidade dessas pessoas.

Bolsonaro eleito, continuou e aprofundou o desmantelamento iniciado por Temer e extinguiu novamente o MinC. O que o governo do capitão reformado acrescentou foi o espetáculo histriônico da extrema direita, temperado pela tal guerra cultural declarada pelo olavismo.

A Cultura é, por excelência e redundância, o campo de batalha da tal guerra cultural anti-gramscista (no varejo) e anti-marxista (no atacado), da tropa olavista. Quando eu adjetivo como espetáculo histriônico, não quero dizer que não seja perigoso.

No que se refere ao status administrativo da Cultura na era Bolsonaro, a tragédia se consolidou. O que um dia foi ministério, hoje se transformou em secretaria de outro ministério (o de turismo), e na onda da paulada ultraliberal de Paulo Guedes, ganhou um orçamento ainda mais insignificante e recheou as áreas com quadros indecentes e desqualificados.

É nesse sentido que as figuras de Roberto Alvim e Regina Duarte se inscrevem e se sustentam. Eles são os coautores da destruição institucional da cultura. Não, eu não estou passando um pano para o Goebbels da baixa produção cultural paulistana, nem para atriz dos latifúndios, tampouco desagravando a ópera bufa nazigoogleana do primeiro e nem a capacidade nefasta da segunda.

O fato é que até anteontem, Alvim era um ninguém no mundo da cultura, hoje ele é um ninguém demitido por um discurso desastroso que tatua na sua testa a pecha de nazista. Do ponto de vista da política e gestão cultural, Regina Duarte é uma incógnita. Não sabemos nada além da sua entusiasmada adesão ao bolsonarismo.

Se existe um projeto maior de domínio dos corações e mentes, baseado nos preceitos nazifascistas, ele deve ser tratado com contundência, frieza e rigor jurídico, sem alarde, sem apavoramentos, sem desespero, sem o histrionismo utilizado pelo lado de lá.

É óbvio que aqueles que patrocinam a destruição do Estado se utilizam da sua força para conter a reação da população. Porém, é preciso ficar claro que a única receita para combater isso é organização e politização.

Não há dúvida que o embate no campo cultural é central para conter o avanço das pautas antipovo e sua dominação material e simbólica. Também é importante admitirmos que, se existe uma parcela da população receptiva ao discurso da extrema direita, existe uma outra muito maior que rejeita o racismo, a misoginia, a homofobia, o ódio aos pobres, elementos que lastreiam os governos pós golpe de 2016.

Por fim, tenho algumas perguntas: Por que estamos tão frágeis e desarticulados diante de um projeto explicitado há mais de três anos? Por que reagimos debilmente diante dos discursos e das narrativas impostos pelo governo diariamente? Como vamos mobilizar as pessoas que não aderem ao discurso ultra direitista, mas não fazem parte das patotas do mundo cultural?

E mais: A potência da cultura depende exclusivamente da institucionalidade, e o que for imposto nos discursos e intenções nos destruirá? A nossa pauta é apenas reativa? A guerra cultural é um exotismo criado pela extrema-direita ou um campo legítimo de luta? Encerro com uma citação do intelectual anglo-jamaicano Stuart Hall no seu texto “A centralidade da cultura”:

“Não devemos nos surpreender, então, que as lutas pelo poder deixem de ter uma forma simplesmente física e compulsiva para serem cada vez mais simbólicas e discursivas, e que o poder em si assuma, progressivamente, a forma de uma política cultural”.

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