Por Eliane Juraski Camillo da Carta Educação
Após uma época de algumas parcas conquistas, vivenciamos um momento no qual nos deparamos com a escalada do autoritarismo e da supressão de direitos. Um momento que nos faz refletir sobre a urgência de analisarmos os contornos e rumos da educação em nosso País.
Rememorando os escritos de Hannah Arendt e a função dialética da educação, se esta serve para introduzir os indivíduos a um mundo já existente, isto é, ao velho, às tradições, concomitantemente, também é responsável por forjar o novo, propondo novas formas de pensar, viver e existir no mundo.
Por esse motivo, a educação sempre ocupou um papel de destaque nos planos dos mais diferentes governos, transmutando-se em uma arena de disputas de concepções de mundos. O projeto de educação do atual governo não é diferente.
Representante das camadas que sempre usufruíram das benesses da sociedade brasileira, o projeto educacional do governo Temer traz propostas que passam longe do interesse de emancipar a classe trabalhadora.
Essa intenção está muito explícita em ações como a Medida Provisória do Ensino Médio, instaurada de forma autoritária, sem participação e diálogo com os atores envolvidos. A proposta, mais uma vez, ratifica a dualidade deste nível de ensino, o que alguns autores cognominam de escola de duas velocidades: para os ricos, a formação integral e a possibilidade de continuação dos estudos em nível superior; e para os pobres, uma educação aligeirada, visando preparar braços para o mercado de trabalho.
Soma-se a isso o programa Escola Sem Partido, que na verdade julga o espaço escolar como local de um partido só: do pensamento hegemônico que impera na sociedade. Além disso, considera o aluno uma tábula rasa, um ser incapaz de pensar por si mesmo e usurpa a autonomia do professor, prevendo inclusive a criminalização de seu trabalho crítico e engajado. Outro grande retrocesso nas políticas sociais é a PEC 241 que congela gastos (leia-se investimentos) em saúde, educação e promoção do social pelos próximos vinte anos.
Diante dessas medidas, estudantes de todo o País têm se mobilizado, sobretudo, por meio das ocupações de instituições escolares, em uma tentativa de chamar a atenção para o quanto essas determinações influenciarão negativamente a população mais pobre.
No rol das atitudes que considero positivas e emancipatórias, cito o apoio incondicional aos jovens por parte de alguns professores, das famílias, das mídias alternativas, já que as tradicionais têm adotado uma modus fazendi baseado na ocultação – não mostrar o que está acontecendo; na fragmentação – mostrar apenas parte dos fatos, de forma descontextualizada, enfatizando algumas consequências que causam prejuízo a alguns grupos, como as provas do Enem que não aconteceram em algumas instituições ocupadas; ou ainda de criminalização desses atores sociais, imputando-lhes ações que os desqualificam, como afirmar que o que desejam, no fundo, é “matar aulas” ou até responsabilizar-lhes por badernas e/ou danos ao patrimônio público.
Essas juventudes são, indubitavelmente, as que mais precisam da escola pública ou, ao melhor, de uma escola pública de qualidade. Não falo, nesse ínterim, da qualidade na acepção fartamente proferida por políticos e gestores, mas uma escola pública revolucionária, que de fato ajude essas juventudes a entender as amarras históricas a que estão condicionadas e encontrar as vias de superação das mesmas.
Essa é (ou precisa ser) a principal razão da luta desses jovens. Ao reprimir o movimento, além de se perder uma singular oportunidade de fortalecer a luta contra as arbitrariedades do governo Temer, em particular, e da atual fase do modo de produção capitalista, em geral, fica explícita, mais uma vez, a exclusão dessas juventudes. Exclusão dos mesmos das escolas/institutos federais/universidade, exclusão de seu direito de dizer basta à mediocridade da educação que recebem, exclusão do direito a ter voz e vez.
Após as desocupações, sobretudo as que aconteceram em instituições públicas, que trazem explícitas em suas missões institucionais expressões como “promover a inclusão, preocupar-se com a construção de uma sociedade democrática e justa, primar pela qualidade de vida, pela liberdade de expressão”, fica muito claro que tais premissas são apenas palavras altissonantes e que, na prática, mais uma vez essas juventudes são expropriadas de seu direito à educação.
Além da assunção de penalidades formais, como pagamento de multas, por exemplo, esses jovens terão de enfrentar atitudes de segregação e o acirramento de violências, por parte de colegas contrários ao movimento e de parcelas da sociedade com o mesmo posicionamento, o que, ouso prever, desembocarão em eventos de perda de sentido em permanecer na instituição escolar que, por sua vez, levarão à evasão, o que nega as expressões destacadas acima para essas juventudes.
Quem se responsabiliza? Dessa forma, parcelas da sociedade, poder público e, sobretudo, gestores institucionais ratificam a opressão às classes populares, mais particularmente às juventudes, já que auxiliam no processo de exclusão das mesmas ao direito à educação, a qual, por sua função dialética poderia ajudá-los a superar seus aguilhões.
*Eliane Juraski Camillo é doutora em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e docente do IFSC – CERFEAD – Florianópolis