Demorei para me manifestar sobre a destruição da Biblioteca da Fundação Palmares para tentar não cair nas falas automáticas, ligeiras e generalistas sobre um assunto grave que ultrapassa e muito o status de censura (que já seria bastante grave) e a falta de critérios técnicos (uma crítica genérica e frouxa). Sou bibliotecário e devo me posicionar.

Antes de tudo, a destruição da Biblioteca da Fundação Palmares é um tapa na cara de quem acha normal, quem insiste em classificar um governo autoritário e neofacista, que tem como objetivos atacar centralmente a cultura e a educação, como democrático e incluso no jogo da alternância do poder.

Não importa ter votado ou não em Bolsonaro, o profissional da área da cultura e da educação que insiste em tolerar e/ou endossar esses atos é coautor. Para ser mais direto: tolerância com quem destrói uma biblioteca, se não é endosso, tem um nome: covardia.

O que está sendo feito pelo governo Bolsonaro (não vou usar nomes de coadjuvantes) na Fundação Palmares é um ensaio bem ilustrativo de eliminação total de ideias, do oponente, do que pensa diferente, a antessala da cremação total. Censura é um eufemismo, o que vem depois da destruição de uma biblioteca a história já nos mostrou na Alemanha. A tolerância aos intolerantes não pode ser apenas alvo de crítica retórica.

Parte do acervo retirado da biblioteca da Fundação Palmares. Foto: divulgação

Não adianta fazer discussão técnica pomposa para enfrentar uma ação violenta. Aliás, será que não está na hora de olharmos com mais cuidado para a discussão sobre “desenvolvimento de coleções públicas”, a produção de textos e o debate sobre o assunto no mundo da informação são um tanto frouxos e débeis. Poucos textos de referência, raros com amplitude. Vamos nos debruçar sobre o assunto.

A destruição da Biblioteca da Fundação Palmares pode ser comparada a um grande acontecimento histórico: a Batalha de Stalingrado. Se os russos não a vencessem o nazismo triunfaria, sem lenga lenga. Se não houver resistência enérgica e uma ação inversamente proporcional, daremos a senha para destruição de todas as outras bibliotecas. A metáfora, reforço, serve inclusive para quem adora usar a palavra “democracia” para adoçar e relativizar o avanço do autoritarismo e da intolerância, os isentões de costume.

O episódio representa uma subida de tom no autoritarismo governista quanto aos livros e à leitura. Depois de tripudiar sobre a quantidade de palavras de um livro, empastelar e enquadrar a literatura infantil com o “Conta Pra Mim“, sobrepor taxas para encarecer livros, que se destruam os acervos que não nos convém. O mais irônico e abjeto é que um dos argumentos para subtrair o acervo é técnico com rostinho cândido de descarte e, até onde sei, endossado por um “profissional da informação”.

Então lembre-se: você, bibliotecária(o), arquivista e qualquer outro profissional da informação que seja, que, ao ficar calado e passivo diante de tamanha violência e descalabro, é só aguardar em breve uma visita neofascista ao seu local de trabalho para impor critérios e ferramentas da formação de coleções. Se não nos posicionamos, há sempre quem preencha os espaços.

A barbárie chegou às estantes!

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